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Meio Ambiente
Segunda - 03 de Abril de 2006 às 08:34

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Fosse uma ficção, e seria qualificada como realismo fantástico. Alguns talvez até enxergassem no relato um certo exagero. Mas a visão que se tem ao chegar à beira de rio onde vivem os dois últimos falantes do idioma guató – em um casebre ribeirinho localizado na margem oposta ao morro do Caracará - é mesmo difícil de se compreender.

Ali moram Vicente e sua mãe já idosa, Júlia. E um exército de gatos ruidosos que os vizinhos estimam em mais de 140 indivíduos. O dono dos bichos não confirma, nem desmente, mas assume que são todos seus. “É uns cento e pouco. Eu não conto não. A certeza é que tem mais gato do que cachorro”, diz, enquanto limpa um belo exemplar de Pacu recém-pescado, sob o olhar atento dos bichanos.

Nascido e criado naquele local – distante cerca de 70 quilômetros da área de 12 mil hectares demarcada para a etnia, na chamada Ilha Ínsua -, Vicente é uma figura atarefada. Mas ele garante que não falta tempo para cuidar de si e da mãe – que perdeu a visão e já não anda – e ainda alimentar os animais.

“Eu sempre gostei de criação. Eu cozinho para eles. Agora o que a gente come é caça e peixe, uma capivara, um jacaré, um pintado... por aqui, nunca falta comida para quem sabe caçar e pescar”, explica, envolto em uma nuvem de mosquitos.

O sorriso franco do índio não esconde o drama que o cerca. Com a morte recente de seu tio Veridiano – vítima do mal de Parkinson –, ele e sua mãe se tornaram os últimos guardiões de mitos, crenças, costumes e visões de mundo que jamais encontrarão tradução.

Há algumas décadas, a família era muito maior. “Quando era criança, havia muito mais índios. Mas foi morrendo tudo. Meu avô já morreu, minha avó já morreu, meu pai já morreu. Um irmão eu sei que é morto, outro me disseram que já morreu, mas eu não tenho certeza. Quem foi embora, não voltou mais. Ficamos só eu e minha mãe”.

Vicente e Dona Júlia vivem de forma precária. De vez em quando, alguém da região se compadece e vem deixar algum pedaço de carne assada. Mas já recusaram insistentes pedidos para se juntar aos demais Guató na área já demarcada, onde teriam melhores condições de vida. Querem ficar. Morrer onde sempre viveram.





Fonte: Diário de Cuiabá

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