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A vida que a gente conta
Um dos poucos privilégios de quem consegue chegar à velhice é ter estórias para contar. E mesmo que não passem de relatos sem importância para quem as ouve contá-las representa muito para quem as conta. Rememorar é reviver situações revisitando paisagens que guardamos tatuadas na retina, é repetir sonhos e resgatar lembranças que se perderam pelas esquinas do tempo.
Às vezes essa viagem proustiana é muito mais peregrinação de penitente do que prazeroso passeio ao sol pelos caminhos da memória. É como que uma excursão arqueológica a procura de si mesmo, uma busca de pedaços arrancados do próprio ser que foram deixados ao longo de inconclusos itinerários. É também uma espécie de catarse, de purgação dolorosa que sempre nos impomos, mas que às vezes é fuga e inconsciente revelação de medo. Há quem procure o passado para escapar do presente e por temer o futuro. Como nem sempre nosso hoje é o risonho amanhã que esperávamos, tentamos esquecê-lo nos refugiando no ontem. Quanto ao futuro, o tememos por imaginá-lo incerto e sombrio se pouco ou nada fazemos para construí-lo como o desejamos. Por isso, nossas repetidas excursões ao pretérito.
Diz um chavão que “recordar é viver”. Tenho para mim que é bem mais do que isso. É também uma forma, um modo fácil utilizado por alguns mais espertos para “refazerem” a vida que deixaram para trás. Refiro-me àqueles insatisfeitos com o que foram ou fizeram, deixaram de ser ou fazer. Quando falam do passado, transformam em agradáveis narrativas as lembranças de suas experiências e são mais do que benevolentes com eles próprios. Sempre que reconstituem certas situações que outrora vivenciaram, minimizam aqueles fatos que os incriminam ou diminuem, e magnificam os que os absolvem, os engrandecem e os fazem heróis.
Tem toda razão Gabriel Garcia Márquez ao dizer que “a vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. Há quem tenha o velho e feio hábito de não recordá-la como realmente foi e de contá-la alterando-lhe o script a cada nova edição revista e melhorada. Por tudo isso, a verbalização fantasiosa das lembranças e a generosidade das autobiografias. Que salvo as “honrosas exceções”, servem tão-somente para maquiar o perfil de seus autores, desenhar novos contornos e dar cores novas às suas apagadas existências, que sabem nunca passaram de grotescos e mal-traçados esboços de projetos que não chegaram a ser.
Quanto a mim, só me entrego às reminiscências por simples saudosismo. Volto ao passado com a mesma tranqüilidade de quem olha um velho álbum de fotografias, reler velhas cartas e canta baixinho antigas canções de amor. Como já disseram que ninguém jamais se perde na volta, retorno simplesmente para reencontrar-me sem ódio e sem medo de ressuscitar frustrações ou descobrir esqueletos esquecidos nos armários. Por isso, falo dos meus tempos idos sem preocupar-me em alterar, excluir ou acrescentar parágrafos às páginas mal-escritas do roteiro sem graça desta minha saga inacabada. E como nossa memória é a nossa consciência, conto o meu conto sem aumentar um ponto.
Além do mais, não há muito para contar e nada que não possa ser contado. Minha vida, como a de todo homem medíocre no sentido de comum e mediano sempre foi, ainda é e certamente continuará sendo uma mera sucessão de fatos banais que tecem a rotina do meu cotidiano sempre monótono e frustrante. Nada de acontecimentos extraordinários, de atos de heroísmo ou até mesmo de pequenas covardias. Apenas este ramerrão de uma vidinha besta que nunca se altera e lembra a tranqüilidade das águas paradas de um lago pequeno e pouco profundo, que não guarda segredos nem esconde tesouros.
Assim, retornar aos meus começos e reviajar itinerários nada mais é para mim do que um divertido passeio pelas veredas da memória, um simples passatempo de quem já não tem mais o que fazer porque bem ou mal já fez o que tinha de ser feito.
(Wilson Lemos= E-mail: wfelemos@terra.com.br)
Às vezes essa viagem proustiana é muito mais peregrinação de penitente do que prazeroso passeio ao sol pelos caminhos da memória. É como que uma excursão arqueológica a procura de si mesmo, uma busca de pedaços arrancados do próprio ser que foram deixados ao longo de inconclusos itinerários. É também uma espécie de catarse, de purgação dolorosa que sempre nos impomos, mas que às vezes é fuga e inconsciente revelação de medo. Há quem procure o passado para escapar do presente e por temer o futuro. Como nem sempre nosso hoje é o risonho amanhã que esperávamos, tentamos esquecê-lo nos refugiando no ontem. Quanto ao futuro, o tememos por imaginá-lo incerto e sombrio se pouco ou nada fazemos para construí-lo como o desejamos. Por isso, nossas repetidas excursões ao pretérito.
Diz um chavão que “recordar é viver”. Tenho para mim que é bem mais do que isso. É também uma forma, um modo fácil utilizado por alguns mais espertos para “refazerem” a vida que deixaram para trás. Refiro-me àqueles insatisfeitos com o que foram ou fizeram, deixaram de ser ou fazer. Quando falam do passado, transformam em agradáveis narrativas as lembranças de suas experiências e são mais do que benevolentes com eles próprios. Sempre que reconstituem certas situações que outrora vivenciaram, minimizam aqueles fatos que os incriminam ou diminuem, e magnificam os que os absolvem, os engrandecem e os fazem heróis.
Tem toda razão Gabriel Garcia Márquez ao dizer que “a vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. Há quem tenha o velho e feio hábito de não recordá-la como realmente foi e de contá-la alterando-lhe o script a cada nova edição revista e melhorada. Por tudo isso, a verbalização fantasiosa das lembranças e a generosidade das autobiografias. Que salvo as “honrosas exceções”, servem tão-somente para maquiar o perfil de seus autores, desenhar novos contornos e dar cores novas às suas apagadas existências, que sabem nunca passaram de grotescos e mal-traçados esboços de projetos que não chegaram a ser.
Quanto a mim, só me entrego às reminiscências por simples saudosismo. Volto ao passado com a mesma tranqüilidade de quem olha um velho álbum de fotografias, reler velhas cartas e canta baixinho antigas canções de amor. Como já disseram que ninguém jamais se perde na volta, retorno simplesmente para reencontrar-me sem ódio e sem medo de ressuscitar frustrações ou descobrir esqueletos esquecidos nos armários. Por isso, falo dos meus tempos idos sem preocupar-me em alterar, excluir ou acrescentar parágrafos às páginas mal-escritas do roteiro sem graça desta minha saga inacabada. E como nossa memória é a nossa consciência, conto o meu conto sem aumentar um ponto.
Além do mais, não há muito para contar e nada que não possa ser contado. Minha vida, como a de todo homem medíocre no sentido de comum e mediano sempre foi, ainda é e certamente continuará sendo uma mera sucessão de fatos banais que tecem a rotina do meu cotidiano sempre monótono e frustrante. Nada de acontecimentos extraordinários, de atos de heroísmo ou até mesmo de pequenas covardias. Apenas este ramerrão de uma vidinha besta que nunca se altera e lembra a tranqüilidade das águas paradas de um lago pequeno e pouco profundo, que não guarda segredos nem esconde tesouros.
Assim, retornar aos meus começos e reviajar itinerários nada mais é para mim do que um divertido passeio pelas veredas da memória, um simples passatempo de quem já não tem mais o que fazer porque bem ou mal já fez o que tinha de ser feito.
(Wilson Lemos= E-mail: wfelemos@terra.com.br)
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/315286/visualizar/
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