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Agronegócios
Quinta - 23 de Fevereiro de 2006 às 06:24

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São Paulo, 22 - Nas negociações do Protocolo de Cartagena, que ocorrem entre 13 e 17 de março em Curitiba, podem ser definidas normas que vão onerar ainda mais as exportações do agronegócio brasileiro. O protocolo, convenção ratificada por 132 países, define as normas de trânsito transfronteiriço de organismos vivos geneticamente modificados.

Especialistas em comércio agrícola e integrantes da cadeia produtiva temem que as negociações imponham a rotulagem mandatória nos embarques de produtos agrícolas de todos os signatários do tratado, que vigora desde setembro de 2003 e tem por objetivo garantir que não ocorram prejuízos à biodiversidade. Até o momento, contudo, o tratado ainda é mais uma carta de princípios do que uma peça normativa do direito internacional. O encontro de Curitiba tem como objetivo avançar nas normas regulatórias.

Segundo Rodrigo Lima, pesquisador do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), o encontro deve discutir a forma de identificação das cargas vivas. Outro assunto a ser abordado é a quem imputar responsabilidade no caso de infração em uma exportação, se ao Estado ou a agente privado. "A questão da responsabilidade é extremamente complexa e não deve ter conclusão no encontro, mas a identificação poderá caminhar", avalia Lima.

No cerne do debate está o tipo de comprometimento que um país exportador de transgênicos deve assumir com um co-signatário do protocolo. O agronegócio defende que a carga esteja certificada com a expressão "pode conter transgênicos". Já os ambientalistas querem que a expressão seja "contém transgênicos". Embora pareça um detalhe, a escolha trará muitas implicações. "Se o termo for `pode conter transgênicos´, o Brasil apenas emitirá o documento, informando quais são os eventos (transgênicos) legalizados no país", afirma José Maria da Silveira, coordenador do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp. "Caso a expressão escolhida seja 'contém', as negociações caminham para que o exportador informe quais eventos transgênicos estão presentes e em que quantidade."

Silveira afirma que tal decisão equivale a impor a rotulagem compulsória das exportações de grãos. "Isso não tem sentido se o objetivo é defender a biodiversidade; nesse caso, só basta saber quais os eventos aprovados no país exportador e definir se são aceitos ou não no país de destino", afirma. Segundo Silveira, a rotulagem, se seguir os padrões internacionais, exigirá a certificação na origem e no caminho das cargas agrícolas até o porto, gerando um custo adicional para o Brasil. "Nos termos atuais, segregar a produção não-transgênica garante um prêmio; se as regras mudarem, os preços devem cair, enquanto os custos vão subir."

Do ponto de vista do agronegócio, o Brasil ser signatário do protocolo é uma desvantagem em relação a seus competidores no mercado internacional. "Dentre os grandes exportadores internacionais, só nós ratificamos a convenção", lamenta Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Segundo Lovatelli, Argentina e Canadá assinaram o acordo mas não o ratificaram, podendo fazê-lo se considerarem conveniente o rumo das negociações. Já os EUA e a Austrália sequer assinaram. Para ter efeito no direito internacional, um tratado precisa ser assinado por um Estado e posteriormente ratificado. "Isso significa que esses países poderão continuar livres dos custos que o protocolo poderá impor ao Brasil."

Lima, da Icone, afirma que a regra poderá deixar o Brasil mais vulnerável no comércio internacional. "O Brasil poderá facilmente sofrer sanções com basenessas regras", afirmou. "Imagina se um país denuncia o Brasil e exige uma auditoria nos portos; será um tremendo prejuízo."

Coordenado por Silveira, estudo da Unicamp, da Ícone e do International Food & Agricultural Trade Policy Council mostra o impacto da imposição da rotulagem para as exportações de soja do Brasil é crescente de acordo com a distância da área produtora. "Isso é claro, porque quanto maior a distância, maior o número de inspeções no meio do caminho", diz o pesquisador. A se confirmar a tendência estabelecida pelos defensores da rotulagem, o exportador não deverá apenas definir quais eventos presentes, mas também seu percentual. "Será um problema maior ainda, porque sequer há padronização dos procedimentos de medida e os resultados divergem muito."

O estudo também mostra que os custos vão crescer quando forem legalizados mais de um tipo de evento transgênico: por exemplo, uma carga resistente a herbicida e a insetos em função de dois genes exógenos. "Os testes serão tantos quanto o número de eventos, aumentando seu custo", diz Silveira.

Para simular os custos, o grupo de pesquisadores de Silveira escolheu três rotas: uma delas, com cinco transbordos e cinco pontos de teste até o porto; a segunda com quatro transbordos, quatro pontos de testes no porto; e a terceira com três transbordos e três pontos de testes até o porto. Com base nos preços de exportação de 2005, o estudo estimou que a rota 1 teria custo de 0,61% do valor das exportação para a detecção de um único evento; 1,01% para dois eventos e até 1,21% para três eventos. A rota 3, mais econômica, teria custo de 0,40% de custo para um evento, 0,81% para dois eventos e 1,01% para três eventos. "Parece pouco, mas a margem de exportação das commodities é muito estreita, e isso faz diferença."

Apesar da patente alta de custos, o governo brasileiro ainda não tem uma posição fechada sobre a posição do país em Curitiba. Os 11 ministérios que compõem o Conselho Nacional de Biossegurança devem se reunir nos próximos dias para debater o assunto. "São 11 ministérios e há muitas divisões", afirma Lima. Segundo ele, A Agricultura, o Desenvolvimento e a Ciência e Tecnolologia defendem a opção que não impõe a rotulagem compulsória; Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Secretaria de Aqüicultura e Pesca são favoráveis. A posição dos demais membros ainda não é definida.

"Como o Brasil é sede do encontro, tem condições de impedir uma decisão que considere desfavorável", diz o pesquisador da Ícone. "Mas a pressão das ONGs será grande e há muitos riscos."





Fonte: Agência Estado

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