Repórter News - reporternews.com.br
Politica Brasil
Sexta - 17 de Fevereiro de 2006 às 07:55
Por: Adriana Vandoni Curvo

    Imprimir


Nas lembranças mais remotas da minha vida, os debates e comentários políticos estão presentes. Desde muito cedo eu acompanhava as conversas e algumas expressões marcaram, talvez por não ter naquela época, capacidade para decifrá-las. Uma dessas expressões era: “fulano é como uma flor sem cheiro”. Ficava horas a fio tentando interpretar o que eles queriam dizer com isso.

Com mais tempo de expectadora e com ajuda de livros, descobri que “flor sem cheiro” nada mais é que ausência de carisma. Uma pessoa dotada de capacidade intelectual, bem intencionada e outros atributos, mas sem carisma, enfrentará dificuldades se quiser ser um líder. O reverso, ou perverso disso, é que uma pessoa sem capacidade intelectual e sem boas intenções, quando dotada de carisma, torna-se um líder populista idiota ou sanguinário justiceiro. A história da humanidade está repleta dos mais variados tipos de líderes. O alemão Max Weber percebeu, em fins do século 19, que o mundo passava por uma transformação carismática e que isso poderia se virar para o bem ou para o mal. Essa transformação produziu líderes que usaram como principal arma o carisma, foi o caso de Hitler, Mussolini, Lenin, Stalin, Roosevelt, Churchill, Gandhi e Mao Tsé-tung.

Tive um professor de gestão estratégica, que na sua primeira entrada na sala de aula disse uma frase batida e sem graça, a todos que estavam escarrapachados na cadeira: “Ninguém tem uma segunda chance de causar uma primeira boa impressão”. Era isso!, pensei. Tinha achado a chave do enigma. Na minha concepção o carisma passou a ser uma construção a partir de um planejamento estratégico de comportamento. Durante um tempo o confundi com capacidade de pensar estrategicamente, porém, por essa concepção qualquer pessoa é capaz de desenvolver seu carisma. Logo abandonei essa teoria. Ninguém pode forjar carisma, forja-se conhecimento, beleza, simpatia, mas o carisma vem da alma. É possível aperfeiçoá-lo, usá-lo estrategicamente, mas jamais pode ser construído.

O uso de técnicas de estratégia foi amplamente explorado nos livros de Maquiavel e Sun Tsu, mas eles não a relacionaram com o carisma natural.

Insatisfeita com minhas conclusões e dando continuidade na busca por uma definição exata de carisma, encontrei em Le Fil de L'épée um dos mais fascinantes escritos sobre o assunto que já li, pois nele encontramos fundidos o carisma e a estratégia. O Fio da Espada foi escrito por Charles de Gaulle, um General que permaneceu anos à frente da França e comandou a resistência francesa durante a II Guerra Mundial.

Para de Gaulle, algumas pessoas exalam o carisma desde o nascimento, como se fosse um líquido que inebria os outros, mas que é impossível precisar em que consiste. Em outras palavras, é uma aptidão natural que desafia a análise, mas que pode ser desenvolvida e aperfeiçoada, reforçada pelo exercício de sua habilidade. Foi o que fez Napoleão, que planejava cada passo seu para se mostrar grandioso e impressionar seus seguidores.

Usando termos próprios do meio militar, Charles de Gaulle conseguiu explicar que o carisma, apesar de ser inerente a muitos, só faz da pessoa um líder, quando é usada com astúcia, disciplina, estratégia e com inteligência. O carisma pode transformar uma pessoa em líder, mas também, principalmente quando não vem acompanhado de caráter, pode criar monstros perversos ou populistas sem escrúpulo.

Depois de toda essa imersão em conceitos e definições, dessa observação do comportamento humano, fiquei tentando pinçar da história os líderes brasileiros possuidores do carisma natural e que souberam usar estrategicamente. Pela nossa história já surgiram muitos líderes possuidores de carisma, mas ou eram débeis, inescrupulosos ou foram beneficiados pelo romantismo dos anos que lhe conferiram atributos que não possuíam, esse mesmo fator ainda imprimirá nos livros de história outro herói para ser estudado pelos nossos netos, Roberto Jefferson. Esse também foi o caso do cangaceiro Lampião, que já foi até citado pelo presidente Lula como um grande líder.

É, Charles de Gaulle tinha razão! Como pode ser sério um país que cultua heróis sem caráter?

Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas / RJ. Articulista do Jornal A Gazeta Cuiabá / MT. E-mail: avandoni@uol.com.br Blog: argumento.bigblogger.com.br




Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/318425/visualizar/