Em 2012, o sertanejo universitário virou tema de trabalhos acadêmicos em áreas distintas como Letras, Psiquiatria e Artes. Dois destes estudos abordam a relação entre as letras do gênero musical e o consumo de álcool no Brasil, sob diferentes prismas: o do mestrado de Mariana Lioto, 25 anos, em Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e o da especialização em Dependência Química de Francismari Barbin, 37, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
As pesquisadoras levaram a sério versos como "Tudo que eu quero ouvir: eu te amo e open bar", de Michel Teló, e "É meu defeito, eu bebo mesmo", de Fernando e Sorocaba. O trabalho de Mariana catalogou 243 letras de sertanejos que citam bebidas. Apesar do abordar mais hits atuais, os campeões de citações provam que o tema é recorrente na história do gênero: os veteranos João Carreiro & Capataz, com 19 letras sobre "bebedeira", e os novos astros João Neto & Frederico, com 17.
De 48 artistas famosos do gênero sertanejo estudados por Mariana, apenas sete não possuíam nenhuma música abordando a temática, e 85% das duplas abordam o assunto em pelo menos uma canção.
Há outros estudos recentes sobre sertanejo, mas não o bastante, segundo elas. "Encontrei referências sobre a música sertaneja até a década de 80, mas o sertanejo universitário ainda é um fenômeno a ser estudado", diz Mariana Lioto em entrevista ao G1, que escreveu a dissertação "Felicidade engarrafada: Bebidas alcoóllicas nas músicas sertanejas" (conheça o trabalho). Já para encontrar exemplos de letras de sertanejos sobre "bebedeira", ela não teve dificuldade.
Fernando & Sorocaba em cena do clipe de "´É tenso" (Foto: Divulgação)
"Acho que fui escolhida pelo tema", diz a paranaense Mariana. "Em minha região a música sertaneja é muito forte, principalmente entre os mais jovens. Por ter problemas de alcoolismo na minha família, me incomodava o fato de a versão sobre o consumo de bebidas alcoólicas apresentado pelas músicas ser muito diferente da realidade que eu vivi desde a infância".
"Acredito que existe um embate de discursos. De um lado temos a esfera médica e religiosa dizendo que beber causa dependência, gera doenças, etc. É um discurso chato, difícil de conquistar adesão. De outro lado temos a música falando que beber te dá amigos, mulheres, sexo, acaba com todos problemas", diz.
A tese do trabalho de Mariana é de que a música sertaneja não só reflete um comportamento já existente, mas ajuda a "naturalizar" e incentiva o hábito de beber, fazendo associações positivas com mulheres, festas, fuga do trabalho, e escondendo os efeitos negativos.
"Interessante perceber que em outros gêneros - no rap, por exemplo - é fácil encontrar músicas que criticam o consumo abusivo", nota Mariana.
Michel Teló em cena do clipe de "É nóis fazê parapapá" (Foto: Divulgação)
Francismari Barbi, psicóloga clínica, autora do trabalho "A influência das letras de música sertaneja no consumo de álcool", diz que também teve dificuldade de achar referências sobre sertanejo. "Mas outros estudos comprovam a influencia relacional entre musica e consumo de alguma substancia psicoativa, ou mesmo a letras das musicas como forte influencia comportamental entre os jovens", completa
"Eu queria um tema ainda pouco estudado no Brasil e ao mesmo tempo com importância clínica e sociocultural. A música possui um elo estreito e forte com a sociedade e a cultura vigente. Isso pode contribuir para que as pessoas associem bebida com diversão ou com a "cura" de diversos problemas, principalmente quando é evidenciado este apelo em suas letras", explica a psicóloga.
"Parece que a tarefa de mostrar o lado negativo da substância ficou basicamente a cargo dos técnicos de saúde" é o lamento conclusivo de Francismari.
Munhoz & Mariano no clipe de "Balada louca" (Foto: Divulgação)
Meu Deus do céu, onde é que eu tô? / Alguém me explica, me ajuda por favor / Bebi demais na noite passada / Eu só me lembro do começo da balada (...) / Achei meu carro, dentro da piscina / E o celular no microondas da cozinha"
Entre outros trabalhos recentes que começam a tornar a nova música sertaneja literalmente universitária, mas sem o foco específico na bebida, está o mestrado em Artes de Daniela Oliveira dos Santos na Universidade Federal de Uberlândia. O título é “"A música sertaneja é a que eu mais gosto!": Um estudo sobre a construção do gosto a partir das relações entre jovens estudantes de Itumbiara (GO) e o sertanejo universitário" (conheça o trabalho).
"Ao pesquisar sobre a relação dos estudantes com o sertanejo universitário, muitos destaques foram feitos aos elementos extramusicais. Por exemplo, o fato de ser uma música com letra que "fala" sobre o que eles estão vivendo, destacaram também o ritmo mais agitado, a forma pela qual os cantores se comunicam com os fãs e questões afetivas que as músicas proporcionam (amizades, namoros e laços familiares)", diz Daniela.
Francismari Barbin, autora de "A influência das letras de música sertaneja no consumo de álcool" (Foto: G1/Raul Zito)
Ela não é fã de música sertaneja, mas escolheu o tema ao observar o comportamento de seus alunos. "Sou professora do Ensino Médio na cidade de Itumbiara e percebi o quanto os estudantes estavam sendo fascinados pelo sertanejo universitário", conta. Sua experiência mostra que a bebida não é o único hábito incentivado pelo sertanejo. "Percebi o fato de que alguns dos entrevistados mostraram o interesse pelo violão, instrumento esse que aprenderam a tocar devido ao gosto pela música sertaneja", diz
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