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Politica Brasil
Sábado - 04 de Fevereiro de 2006 às 11:02
Por: Adriana Vandoni

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Na semana passada o professor da USP, André Montoro Filho enviou para algumas pessoas um comentário que fez sobre verticalização. A proposta de uma discussão sobre o tema foi iniciada por ele no fórum dos leitores do Estadão e o professor resolveu expandir o debate. O debate é interessante e resolvi vestir a camisa, uma vez que temos um Congresso que legisla casuisticamente onde o que menos pesa é o interesse público.

Disse ele: “Em matéria de melhoria das práticas políticas e da moralização de campanhas eleitorais, estamos de mal a pior. Não bastasse o Judiciário (TSE), em conjunto com o Executivo (Receita Federal), ter estabelecido esdrúxula regulamentação para a prestação de contas de despesas de campanhas eleitorais. Esdrúxula porque cria enorme burocracia para a apresentação contábil de documentos, esquecendo que o problema não são os documentos apresentados, mas sim os "não contabilizados". Agora no Legislativo Nacional, mais uma vez, pequenos interesses eleitorais de curto prazo prevaleceram e a verticalização, uma importante norma de coerência política, foi extinta. Parece que os três Poderes querem dificultar o voto consciente e coerente.”

O professor André tratou de vários assuntos relevantes e que só se tornam polêmicos por causa da falta de ética, de coerência e de caráter das nossas instituições. Ele tem razão ao dizer que o Brasil dificulta o voto consciente e coerente.

A verticalização surgiu de uma interpretação da Lei 9.504/97, feita pelo TSE que por ironia, o autor da interpretação foi o hoje Ministro do Supremo, Nelson Jobim. Na época o PT o acusou de estar agindo politicamente. Engraçado, hoje ele é acusado por diversos setores da sociedade, inclusive pela OAB nacional, de tomar decisões baseado em seus interesses políticos e sempre para privilegiar o PT, como foi o caso Okamoto. Deve ser um juiz governista, independente do governo.

Governista ou não, o que se espera agora é que ele tenha um mínimo de vergonha e não mude de opinião a respeito da sua própria interpretação, votando a favor da PEC aprovada pelo Congresso que extingue a obrigatoriedade da verticalização. Não podemos esquecer, porém, que o mesmo Jobim que se mostrou rígido ao instituir a verticalização, não agüentou a pressão e, “complacentemente”, liberou coligações “brancas”. Ou seja, liberou os partidos que não poderiam coligar-se oficialmente nos Estados, a entrarem em acordo e lançarem uma “chapa comum”, inevitável, segundo o Ministro Nelson Jobim em 2002. Portanto...

Esta PEC aprovada pelo Congresso é indecente, além de inconstitucional, pois fere o Artigo 16 da Constituição Federal, que estabelece o princípio da anterioridade. Mas quando se trata de atitudes do Congresso brasileiro podemos esperar qualquer aberração e intransigência.

É um contra-senso muito grande! Um Congresso que pretende fazer uma reforma política instituindo o voto em listas partidárias e revoga a verticalização, é, na melhor das definições, um Congresso incoerente.

O voto em listas partidárias pressupõe um fortalecimento dos partidos políticos, e verticalização?, nada mais que uma tentativa de dar um verniz ideológico aos partidos políticos. Ora, como podemos interpretar esta medida do Congresso? Ou a reforma política é para inglês ver, ou o Congresso, já combalido moralmente, é verdadeiramente amoral. Essa conclusão não chega a ser surpreendente ou inusitada, apenas deprimente. Temos que levar em conta que lá mesclam pessoas de toda a espécie possível, de interesses diversos e espúrios.

Resta-nos o Supremo Tribunal Federal. O que não chega a ser um alívio, uma vez que o STF é desacreditado por mais de 70% dos juizes brasileiros, segundo um amigo magistrado.

Eu, como otimista teimosa, creio que o STF não agirá em desacordo com a Constituição Federal, do contrário, se se submeter aos interesses dos políticos, estará colaborando para a decomposição do tecido social. O escritor Richard Sennett, definiu essas mudanças de comportamento como corrosão de caráter. Eu discordo, pois acredito que o caráter é um atributo congênito e a medicina por mais avançada que esteja ainda não conseguiu colocar em cápsulas.

Isto deve servir de exemplo do quão comprometidos se tornam os Tribunais onde seus membros são escolhidos de acordo com arranjos políticos. Vale também para os Tribunais de Contas.

Pena mesmo que a vergonha na cara não seja verticalizada.

Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas / RJ. Articulista do Jornal A Gazeta Cuiabá / MT.

E-mail: avandoni@uol.com.br Blog: http://argumento.bigblogger.com.br





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