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Cultura
Quinta - 02 de Fevereiro de 2006 às 09:37

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São Paulo - Sua fama é de realizador maldito e Edgar G. (de George) Ulmer a carrega com brio. Diretor americano de origem austríaca, ele estudou arquitetura e filosofia em Viena, integrando-se ao grupo de Max Reinhardt, quando o célebre homem de teatro viajou aos EUA. De volta à Alemanha, trabalhou com Friedrich Wilhelm Murnau em Fausto, acompanhando o grande diretor quando ele foi para os EUA. Mas estava escrito que Ulmer voltaria à Alemanha - para co-dirigir, em 1929, um filme que marcou época, Menschen am Sonntag. Em 1933, com a consolidação do nazismo, Ulmer se transferiu em definitvo para a América e, naquele mesmo ano, começou a dirigir. A fama veio nos anos 1940, quando ele adquiriu a reputação de mestre do filme B.

Para conhecer um pouco o gênio de Edgar G. Ulmer você só precisa correr à locadora mais próxima, onde vai encontrar o DVD de Curva do Destino, de 1946. É o mais cult dos filmes de Ulmer. Chama-se Detour, no original e o seu resgate deve-se à Aurora, distribuidora do Recife que disputa atualmente com a Versátil, de São Paulo, o segmento do mercado identificado como "filme de arte". Anos mais tarde, Detour foi o título que Cheryl Crane, filha de Lana Turner, escolheu para sua autobiografia, na qual levanta o véu de sua complicada relação com a mãe. O título não foi uma escolha aleatória. Faz sentido. Cheryl foi indiciada por esfaquear o amante de Lana, o gângster Johnny Stompanato. Há uma versão segundo a qual Lana matou o amante, mas para fugir à responsabilidade do crime, implicou a filha, que era menor e, portanto, estaria impune. Cheryl virou militante lésbica, mas esta é outra história. O crime do qual foi acusada tem características que o aproximam do clássico de Ulmer. Detour, a curva do destino.

Em seu novo filme, Match Point, que estréia dia 10, Woody Allen discute o acaso, que Ulmer ou, melhor dizendo, seu anti-herói, Tom Neal, prefere definir como destino. A história é contada em flash-back. Pianista de um clube noturno de Nova York, Al Roberts (é o nome do personagem) muda-se para Hollywood, onde espera encontrar a namorada. Ele pega uma carona. Numa noite chuvosa, o homem que o acolheu em seu carro morre e Roberts, com medo de ser acusado de assassinato, assume - num impulso incontrolável - sua identidade. Logo em seguida, ele dá carona a uma mulher insinuante (Ann Savage), que descobre a fraude porque conhecia o homem por quem Roberts agora se passa. Ela o arrasta a uma trama destruidora. Roberts deixa-se conduzir, convencido, no íntimo, de que é tudo obra do destino, ao qual não conseguirá fugir.

Os estudos de arquitetura e a formação no teatro de Max Reinhardt, numa época em que o expressionismo ainda ditava as cartas, marcaram Edgar G. Ulmer para sempre. Confinado à produção B, em Hollywood, ele fez filmes de todos os Gêneros - fantasias de terror, westerns. Em todos eles, graças a uma hábil mistura de mise-en-scène e domínio de elementos como cenografia e vestuário, imprimiu sua assinatura. Vários de seus filmes são considerados obras-primas. Em O Gato Preto, opôs Bela Lugosi e Boris Karloff numa sinistra partida de xadrez, num castelo isolado. Madrugada da Traição é um dos westerns preferidos pelos surrealistas. Cahiers du Cinéma, na fase de capa amarela, colocava no Olimpo a perturbadora história do pistoleiro (Arthur Kennedy) que infernizava a vida de um casal de camponeses mexicanos.

No cinema de Ulmer, o exterior existe para expressar o que há de mais íntimo em suas criaturas controladas pelo destino. Isso o aproxima de certos filmes de Fritz Lang, que também compartilhava essa visão sombria do destino trágico do homem. Não por acaso, ambos se firmaram no expressionismo e percorreram as sendas do filme noir. Esse conjunto de filmes produzidos nos anos 1940 e 50 ganham agora um importante ciclo no Centro Cultural Banco do Brasil. O mais noir de todos os filmes da programação é Fuga ao Passado (Out of the Past), de Jacques Tourneur, como Ulmer, outro diretor americano de origem européia (Jaques era francês, filho do também realizador Maurice Tourneur).

O ponto do ciclo é que o filme noir é estilo, muito mais do que gênero. Há obras de diversos gêneros, todas abrigadas sob certas características que também se fazem presentes em Curva do Destino. Narrado muitas vezes (quase sempre) na primeira pessoa, o filme noir cria um universo de sombras, nos quais os homens são vítimas fáceis de mulheres fatais e ambos, os homens como as mulheres, são enganados pelas aparência. Mais tarde, nos pós-modernos anos 1980 que se voltaram para os gêneros e revelaram uma atração especial pelo noir, o estilo foi pastichado em policiais de imagens emblemáticas, nos quais o neon com freqüência se reflete no asfalto molhado. Curva do Destino é considerado o supra-sumo do filme B, cujas fronteiras também abarcam todos os gêneros. O orçamento limitado não condiciona, antes estimula, o gênio visual de Ulmer. E Ann Savage, selvagem até no nome, é uma impressionante mulher fatal.

Edgar G. Ulmer entrou para a história, mas, claro, permanece objeto de adoração de poucos. Nem tão poucos, é verdade - Curva do Destino, filmado em apenas sete dias, entrou para a lista do National Film Registry da Biblioteca do Congresso Americano e, em 2004, foi escolhido pela revista Time como um dos cem melhores filmes americanos de todos os tempos




Fonte: Agência Estado

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