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Cultura
Quinta - 12 de Janeiro de 2006 às 19:22

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- “Eu gosto muito mais de Soy Cuba - O Mamute Siberiano do que de Soy Cuba, o original. Aliás, não gosto do original.” Quem faz a declaração é Enrique Piñeda Barnet, roteirista do primeiro Soy Cuba, também encarregado de ser, muitas vezes, uma espécie de guia da equipe do diretor russo Mikhail Kalatozov, que aportou em Cuba no início dos anos 60 para realizar um dos mais lendários filmes da história do cinema. Soy Cuba foi uma megaprodução filmada logo após os Estados Unidos terem decretado o bloqueio naval contra a ilha de Fidel.

O filme deveria ser uma obra de propaganda da Revolução Cubana, selando a amizade entre a extinta União Soviética e Cuba, um épico sobre as benesses do socialismo para a sociedade, mas se revelou um dos maiores fracassos da história do cinema. Os cubanos acusaram Kalatozov de transformar o povo caribenho em uma caricatura de si mesmo. Os russos não demonstraram interesse pelos novos amigos. “Para mim, Kalatozov era acomodado. Não que a alma eslava dele não pudesse compreender o cubano, mas ele era um esteta. Um grande observador e diretor, mas que se contentava em observar o país da janela do carro. Eu discutia com a equipe. Dizia ‘vocês estão vendo Cuba como vê um turista que coloca um chapéu, pega um charuto e uma maraca e fica ridículo. Eles se apaixonaram por Cuba, mas a viram como um refúgio ideal e irreal”, declara Barnet.

Como resultado, o filme ficou uma semana em cartaz e foi arquivado, até ser redescoberto nos anos 90 por Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. A partir daí, virou cult e teve reconhecido seu valor histórico e estético - possui um dos planos-seqüência mais espetaculares do cinema e a fotografia de Serguey Urusevsky é referência até hoje.

Por mais curioso que pareça, é compreensível essa opinião de Barnet. Muitos dos cubanos que trabalharam no filme sequer se lembram de detalhes das filmagens. Diante de tal contradição, o brasileiro Vicente Ferraz decidiu investigar o porquê desse fracasso. “Quando decidi filmar, tive dificuldade de vender o projeto. Quem apostaria na história de um filme fracassado? ”, relembra o diretor que morou por vários anos em Cuba, na década de 80, quando foi aluno da escola de cinema de Santo Antonio de Los Baños. “Anos depois, já quando o filme havia sido ‘redescoberto’, voltei a Los Baños para dar aula. E no primeiro dia de trabalho eu encontro justamente Enrique. Os estudantes enlouqueceram com a história. Decidimos correr atrás”, relata Ferraz.

Ironicamente, a própria trajetória do filme se confunde com a história recente de Cuba. “É uma tragédia pronta, um bolero. Os americanos rompem com os cubanos. Os soviéticos se aproximam. Os soviéticos saem e agora os americanos estão voltando a redescobrir o país. Os EUA são muito próximos de Cuba. Até sua música tem a mesma raiz negra. Deviam participar mais da redescoberta”, reflete o diretor Ferraz que, em vez de realizar um mero making of, optou por ouvir os profissionais que trabalharam no clássico.

Além de Barnet, Ferraz entrevista o ator Sergio Carrieri, que chegou a esquecer que havia participado da seqüência mais memorável do filme; o assistente de câmera Raul Rodriguez; o fundador e ex-presidente do Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica Alfredo Guevara; o operador de câmera Sacha Calzatti; e Carlos Fariñas, compositor do tema de Soy Cuba, entre outros. “Não é importante se gosto ou não de Soy Cuba. Me interessava mais saber a opinião de quem viveu o filme”, explicou o diretor, que narra o documentário em primeira pessoa. Barnet intervém: “Vicente consegue com Soy Cuba o que não consegui que os russos fizessem. Assume o filme com todos os seus defeitos,mas o devolve transformado. É um digestivo que me permite rever um filme em que eu trabalhei, em que investi muito da minha vida, mas que não gostava. Tem sentido crítico, mas, ao mesmo tempo é amoroso, resgata o melhor de cada um, de nós e dos russos.”

Para Barnet, Soy Cuba foi um detalhe em sua carreira. “Não aprendi muito com o filme. Mas a experiência serviu imensamente para conhecer pessoas maravilhosas, como Sacha (Calzatti)”, reconhece Barnet, que trabalhou e trabalha em vários projetos de longas. Um deles, La Bella del Alhambra, conquistou o prêmio Goya e será exibido no Reserva Cultural de amanhã até o dia 19. Também no Reserva estão expostas fotos dos bastidores das filmagens de Soy Cuba, que Roberto Dovo registrou em 1964.





Fonte: AP

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