Repórter News - reporternews.com.br
Politica Brasil
Quarta - 11 de Janeiro de 2006 às 05:06
Por: Adriana Vandoni

    Imprimir


Cheguei à conclusão que o brasileiro gosta de ser enganado, ama gritar frases erradas e lutar por causas equivocadas. Janeiro é o mês da chiadeira com a convocação extraordinária. Entra ano, sai ano é a mesma coisa.

Ficam os 513 Deputados Federais e 81 Senadores "trabalhando" o ano todo e nenhum se move para mudar o regimento do Congresso. Não elaboraram um projeto de Lei diminuindo esse indecente período de recesso parlamentar, nem criam um mecanismo que impeça que entrem em férias sem antes concluírem suas obrigações. Vai ver é por falta de tempo!

Parece que fazem isso de propósito, só para terem o gostinho de produzir esse estardalhaço todo mês de janeiro.

Essa questão envolve uma legislação caduca, que lhes dá o direito de três meses de férias, herdada de um período em que nossa dimensão territorial dificultava o transporte dos parlamentares para as suas bases. Os tempos mudaram, o acesso à população está muito mais facilitada, mas a regalia persiste. Envolve também a ineficiência do Congresso que durante os meses de trabalho ordinário, ordinariamente não dá conta dos seus afazeres. Não dão conta por ordinarismo mesmo, daí tem que recorrer à convocação extraordinária. E o pior é que também não fazem nada nesse período.

Ai vem o melhor da história: a devolução do salário extra. Perdoem-me, mas isso é cinismo! Fazem escândalo o tempo todo anunciando qual parlamentar devolveu o salário. A devolução dos salários passa a ser mais importante que o trabalho que deveriam estar fazendo. Ah, faça-me o favor! Queria saber por que esses “éticos” e “morais” parlamentares que, abnegados, devolveram seus salários extras não trabalham para mudar a legislação?

Dorival Caymmi canta que “quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”. E quem devolve dinheiro, é o que?

Ora, estabelecido por Lei o direito de receber, cada um dos parlamentares, dois salários, o que este ano fica em torno de R$ 25.600, qual a razão de devolverem seus salários? Ética?, moral?, haha. Isso é marketing puro, apenas isso. Devolver esse dinheiro e ver seu nome estampado em diversos jornais como "um deputado ético" ou “politicamente correto” deve valer mais eleitoralmente que o valor devolvido. E aqueles que não devolveram e fazem doações do dinheiro estão?, mesmo que indiretamente, acabam tendo algum retorno eleitoral, como diz a ONG Transparência Brasil.

Segundo um texto de Millor Fernandes, nem louco rasga dinheiro. “Experimente jogar uma nota de cinqüenta (ou mesmo de um!) num pátio de insanos. Vai ter briga pra pegar.” Se nem insanos rasgam dinheiro, como vou confiar em parlamentares que devolvem seus, absurdos é verdade, mas lícitos salários? Só mesmo parafraseando Caymmi: quem devolve salário, bom sujeito não.

Vi uma senadora por Mato Grosso declarar a devolução do seu salário extra. Acharia bonito aquilo se não tivéssemos visto tanto uso de caixa 2 pelo seu partido. Isso poderia ser utilizado como caixa 1, licitamente. Mas ela foi fiel ao seu partido que no Estatuto diz que nenhum parlamentar deve aceitar o recebimento de salários extras. Como o PT é ético, não é? Em uma de suas entrevistas a Senadora disse que: "Em minha vida de parlamentar, sempre combati este tipo de privilégio e, no Senado, não podia ser diferente. Se é preciso suspender o recesso e trabalhar, que isto seja feito sem maiores encargos para o bolso do contribuinte". É lindo isso, mas porque não encabeça uma mudança, hein comadre?

Já um outro parlamentar de Mato Grosso e do PT, o deputado Abicalil, não devolveu o salário. Está certinho, afinal ele trabalha duro e segundo a revista Veja, faz parte da Comissão encarregada do "trabalho sujo do partido". Mais do que justo receber o extra. Porém, ele traiu o regimento do seu partido e o partido para um político é a sua família. Diz no Estatuto do Partido dos Trabalhadores, Art. 69: “Desde o pedido de indicação como pré-candidato a cargo legislativo, o filiado comprometer-se-á rigorosamente a: ... III- se eleito, combater rigorosamente qualquer privilégio ou regalia em termos de vencimentos normais e extraordinários, jetons, verbas especiais pessoais, subvenções sociais, concessão de bolsas de estudo e outros auxílios, convocações extraordinárias ou sessões extraordinárias injustificadas das Casas Legislativas e demais subterfúgios que possam gerar, mesmo involuntariamente, desvio de recursos públicos para proveito pessoal, próprio ou de terceiros, ou ações de caráter eleitoreiro ou clientelista...”.

Oh, meu Deus! Até eu que não fui aceita como voluntária para colaborar na “refundação” do PT, sei disso! Mas usar esses dois exemplos dá incoerência ao meu argumento? Que nada, eu adoooro bater em petistas, naqueles que se achavam detentores da ética.

Está tudo virado mesmo neste país. Só me falta agora, ver uma cerimônia de devolução do salário extra de Pedro Henry, o amigo do Janene e outros supostos “mensalistas”!

Não sejamos hipócritas! Que fique claro que sou contra o enorme e imoral período de recesso parlamentar e que acho que o salário e seus derivados extrapolam o razoável, principalmente se levarmos em conta a produtividade. Na comparação custo/benefício, melhor seria usarmos o plebiscito para tudo. Sairia mais barato. Porém, perto do que assistimos durante o ano de 2005, o salário extra me parece a mais lícita das palhaçadas produzidas pelo Congresso Nacional.

Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas / RJ. Articulista do Jornal A Gazeta Cuiabá / MT.

Blog: http://argumento.bigblogger.com.br




Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/326017/visualizar/