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Politica Brasil
Sábado - 03 de Dezembro de 2005 às 07:18
Por: Adriana Vandoni

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- Alô, mãe?, pode vir, já acabei.

- To indo, filha. Fica na porta que eu tô atrasadíssima.

- Alô, Adriana? Você saiu e não me disse o que é pra fazer de almoço.

- Faz comida, Lídia.

- Eu sei, mas o que eu faço? Frango ou carne?

- Sei lá, faz o que você tiver com vontade de fazer, uai.

- Mas você tem que escolher, já enjoei de falar pra você não sair sem falar o que que é pra fazer.

- Ai Lídia, tô na maior correria e ainda tenho que ir pro escritório escrever um artigo pra mandar hoje e o pior é que não tenho idéia do assunto. Sobre o que eu escrevo, hein?

- Sei lá!v - Aaah, então vamos combinar: cada um na sua. Eu defino o tema do artigo e você decide o que faz pro almoço, ok?

- Huuumm, já sabia que você ia me enrolar.

- Tchau, Lidoca, um beijo.

- Alô, mãe?, onde que você tá?

- Na porta do São Gonçalo.

- Você pode me pegar aqui e me levar na casa de Rodrigo e depois me deixar na academia?

- Onde é a casa de Rodrigo?

- Ali, na Várzea Grande.

- Caramba! Tô no São Gonçalo, vou te pegar no CIN, te levar na Várzea Grande e te trazer pro Goiabeiras? Só vou conseguir parar depois do meio dia!

- Alô.

- Alô, Dra. Adriana?

- Sim, quem é?

- É Dr. Fulano que vai falar.

- Comigo?????

- Sim, um momento, por favor.

Tananananananaaaa Nananana Nananana Tanananananana Nananana (aquela musiquinha)

- Doutora Adriana, como vai a senhora?

- Tudo bem e o senhor?

- Bem. É o seguinte, gostaria que convidá-la para a festa do Coquinho de Bocaiúva que faremos no Centro de Eventos dia 10. É importante a senhora participar. Temos feito muitas melhorias aqui. Formulamos uma política pública exclusiva para isso. Investimos R$XX milhões em melhoramento da Bocaiúva e em beneficiamento do Coquinho. A senhora sabe que do Coquinho dá pra fazer 497 subprodutos?

- Verdade? Estou impressionada! Dá pra fazer tudo isso com o Coquinho???

- Sim e muito mais!

- Fico honrada com o convite. Farei de tudo para ir. É dia 10,né?

- Alô, Professora Adriana?

- Sim. Pois não.

- Aqui é da Faculdade Tal. Estou ligando para ver se existe a possibilidade de marcamos uma palestra com a senhora. Está em cima da hora, mas estamos torcendo para que a senhora aceite.

- Para que dia vocês querem?

- Dia 10.

- Oh! Dia 10? E o assunto? Para qual público vai ser o evento?

- Será a abertura do curso de Empreendedorismo e gostaríamos que a senhora falasse sobre as possibilidades diante da conjuntura política brasileira.

- Dia 10, né? Ok, pode confirmar. Estou no trânsito, depois eu entro em contato para acertarmos os detalhes.

- Oi bem, está trabalhando? Muito ocupada?

- Estou tentando trabalhar, mas este telefone não pára.

- Calma. É assim mesmo. O que se há de fazer!!! To indo pra casa, lá a gente conversa.

- Ok! Só preciso ligar pro Carlos Roberto. Estou com uma dúvida sobre uma Lei que coloquei no artigo de amanhã e pedi para ele dar uma olhada. Mandei por e-mail o artigo e vou ver se ele já recebeu. Depois eu vou pra casa, beijo.

- Alô, Carlos Roberto? Tudo bem?

- Ôpa, e aí?

- E aí? Recebeu? Abre ai e vê se chegou.

- Perai. Humm, chegou Adriana. Vou dar uma olhada e depois te mando. Tudo bem?

- Claro. Mas preciso pra hoje, pode?

- Já, já eu te mando.

Ufa! Cheguei em casa para almoçar depois de mais uma enlouquecida manhã. Quando ligo a TV o que vejo? Carlos Roberto sendo levado algemado, acusado por causa da gravação de uma conversa telefônica dele, não sei com quem, sobre sei lá o quê. O telefone dele estava grampeado por não sei quem, para acusá-lo não sei do quê, mas isso é só um detalhe. Aliás, ultimamente o que menos importa é a acusação. O que importa na verdade é o show da condenação, ao vivo e a cores. Para uma justiça com interesses políticos isso é um prato cheio.

Meu Deus! Caiu minha ficha. Eu acabei de falar com ele. E se grampearam? O que vão pensar da nossa conversa? “Recebeu?” “Recebi.” “Vou olhar e depois te mando.” “Eu preciso pra hoje.” “Já te mando.”. Céus! Vou ser presa, algemada, filmada. Agora meu telefone está grampeado também! Nossa! Não posso mais falar com ninguém!

Parece brincadeira, mas infelizmente é a paranóia causada em todos depois que todos se tornaram passíveis de ser grampeados. Qualquer cidadão, do gari ao executivo, da doméstica ao parlamentar, qualquer um pode estar neste exato momento tendo sua privacidade invadida por indivíduos nem sempre aptos a desempenhar tão delicada e suja função.

Tudo que foi escrito é uma ficção, mas, isto é o que virou do Brasil. É, diferente da música de Gonzaguinha, acho que estamos todos com a bunda exposta na janela pra passarem a mão nela.

Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas / RJ. Articulista do Jornal A Gazeta Cuiabá / MT. Blog: http://argumento.bigblogger.com.br




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