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Cultura
Sexta - 18 de Novembro de 2005 às 10:30
Por: Luiz Carlos Merten

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São Paulo - Eduardo Coutinho estava na ilha de edição da Videofilmes, no fim de 2003. Ainda montava Peões, que compõe com Entre-Atos, de João Moreira Salles, um díptico sobre a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pois foi justamente João quem lhe perguntou, à queima-roupa, o que ele pretendia fazer, a seguir, para associar a Videofilmes, a produtora da família Moreira Salles, ao novo projeto do maior documentarista brasileiro.

Coutinho vinha de uma série de filmes urbanos - Babilônia 2000, Edifício Master. Disse que queria fazer um filme rural. Acrescentou que deveria ser um documentário sem pesquisa prévia e, invocando uma preferência pessoal - sem nenhuma sustentação racional -, acrescentou que gostaria de filmar na Paraíba.

Foi assim, quase como uma aposta do diretor consigo mesmo, que nasceu o novo documentário de Coutinho. O Fim e o Princípio estréia nesta sexta-feira na cidade. Ele conseguiu, mais uma vez. Se há um documentarista que consegue sempre surpreender e maravilhar, é Coutinho. O Fim e o Princípio integrou a programação da Mostra BR de Cinema. O diretor foi atraído a São Paulo, na noite de encerramento. Se soubesse o que Leon Cakoff e Renata Almeida lhe aprontavam, não teria vindo.

Ele nem sabia da existência do troféu Humanidade, criado pela Mostra, no ano passado, para homenagear o mestre Manoel de Oliveira. Depois de um mestre da ficção, o prêmio reverenciou um mestre do documentário. Coutinho foi chamado ao palco do Memorial da América Latina para receber o troféu Humanidade 2005. Foi aplaudido de pé pelo público. Quase morreu de susto, ele que é tão discreto e só se solta no set, com os entrevistados.

A partir desta sexta, você tem um encontro marcado com O Fim e o Princípio. Partindo do nada, Coutinho fez um filme de grande riqueza. Todo documentário do diretor fala da vida. Este aborda o tema pelo que parece seu inverso - a proximidade da morte. Coutinho foge à comparação com Cabra Marcado para Morrer, quase sempre apontado como o melhor documentário feito no Brasil. Mas uma coisa ele sabe e diz - nenhum outro filme lhe deu mais prazer. Espera que pelo menos parte desse prazer seja transferido para o público.

"O Fim e o Princípio" retrata sertão paraibano Ao escolher a Paraíba como cenário de seu novo documentário, O Fim e o Princípio, Eduardo Coutinho obedecia a razões tão misteriosas que nem ele sabe explicar direito. Como viajava com uma equipe - e na abertura do filme que estréia nesta sexta-feira, dentro da van, ele explica o projeto -, precisava de uma cidadezinha, no sertão profundo, que pudesse abrigar seu pessoal. Foi ao guia Quatro Rodas e encontrou a indicação de Cajazeiras.

Descobriu que o hotel, na verdade, ficava em São João do Rio do Peixe, onde também localizou o sítio Araçás com os personagens que filmou - sem pesquisa prévia, como queria. Para chegar aos personagens, Coutinho teve de chegar antes a Rosilene Batista, a Rosa. Foi seu anjo da guarda no sertão. Professora e integrante de uma ONG, Rosa conhecia o ambiente e as figuras. Mas não foi um processo fácil.

Como no caso de Cabra Marcado para Morrer, a filmagem começou não dando certo. Coutinho filmou durante uma semana, basicamente uma mulher de 30 anos e um homem de 40, cujos depoimentos, depois, não utilizou. Uma série de contratempos o levou a parar por dois meses. Quando voltou, filmou durante três semanas, colhendo os depoimentos que estão no filme - entre outros, os de Maria Borges, Umbelino, dona Margarida e Chico Moisés, o que encerra O Fim e o Princípio. Coutinho tem uma regra muito clara - prefere filmar personagens que possuam histórias banais, mas saibam se expressar, a outros com histórias mais interessantes, mas que sejam travados diante da câmera.

A maioria das pessoas deste filme é analfabeta, mas sua linguagem não foi padronizada pela TV e elas só possuem a oralidade para se expressar. Contam muito bem suas histórias, explica. A esse elemento, somaram-se outros dois, um que ele esperava encontrar (o rico imaginário do sertanejo) e outro que o surpreendeu (os arcaísmos de linguagem, herança da influência portuguesa). Por um fenômeno migratório - os jovens deixaram o lugar, para tentar a sorte nas grandes cidades -, Coutinho encontrou só idosos, que lhe disseram coisas profundas.

O Fim e o Princípio (Br/2005, 110 min.). Documentário. Dir. Eduardo Coutinho. Livre. Espaço Unibanco 3 - 15h30, 17h30, 19h30 21h30. Cotação: Ótimo





Fonte: Agência Estado

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