Ano consagra e revela "zebras" no esporte

A "zebra", expressão criada pelo ex-técnico Gentil Cardoso para retratar as surpresas do futebol, galopou com desenvoltura por 2004. O ano no esporte foi marcado por fatos inesperados e resultados surpreendentes, que trouxeram à luz dos holofotes equipes até então desconhecidas e levaram os considerados grandes a ter problemas.

A primeira grande surpresa do ano aconteceu no Campeonato Paulista. São Caetano e Paulista deixaram os times tradicionais do Estado para trás e decidiram a competição. A equipe de Jundiaí desbancou o Palmeiras na semifinal, enquanto a do ABC tirou o São Paulo nas quartas, o Santos nas semifinais e levou o seu primeiro título de expressão.

Os grandes não passaram impunes à surpresa. No Palmeiras, o trabalho do técnico Jair Picerni, que estava em alta após a conquista da Série B de 2003, passou a ser criticado. No Santos, o desgaste que Emerson Leão já tinha no comando da equipe ficou ainda melhor e o treinador não durou muito. Caiu quando o clube da Baixada Santista ainda disputava a Copa Libertadores.

O ABC paulista, aliás, foi o maior fornecedor de zebras para o futebol brasileiro no ano. Ainda no primeiro semestre, o pequeno Santo André surpreendeu a todos e, sob o comando de Péricles Chamusca, conquistou a Copa do Brasil, vencendo o Flamengo na final, dentro de uma Maracanã abarrotado.

A derrota causou o início da derrocada do Flamengo, que havia sido campeão carioca. As diferenças entre os diretores profissionais e amadores do clube explodiram e os problemas de relacionamento entre os jogadores, além de outros causados por atraso no pagamento de salários, apareceram. O time da Gávea teve uma campanha fraca no Campeonato Brasileiro e só escapou do rebaixamento na última rodada.

"Eu deveria ter tirado o Flamengo do Rio antes do jogo contra o Santo André. Falava-se de tudo na Gávea, menos do Santo André", admitiu o ex-coordenador técnico do clube, Júnior.

O time do ABC, no entanto, também teve problemas com o sucesso. A equipe, mesmo classificada para a Libertadores do próximo ano, perdeu jogadores para grandes clubes brasileiros. O zagueiro Alex e o volante Ramalho foram para o São Paulo. Élvis, o herói do título, foi jogar no Botafogo. Até o técnico Péricles Chamusca saiu - foi para o vizinho São Caetano. Ao contrário do adversário na final da Copa do Brasil, porém, o Santo André se reergueu e, mesmo com problemas com a Justiça Desportiva, conseguiu se manter na Série B.

Mas não foi só no Brasil que a zebra apareceu. Na Copa Libertadores, o inexpressivo Once Caldas, da Colômbia, conseguiu o título. O time do técnico Luis Fernando Montoya derrubou os tradicionais Santos, São Paulo e Boca Juniors antes de ficar com a taça e se classificar para o Mundial Interclubes, contra outra surpresa, o Porto.

O time de Portugal deixou para trás os "galácticos" do Real Madrid, o Manchester United, o Arsenal e o Milan para fazer a final com o também surpreendente Monaco, da França.

Para quem ficou pelo caminho, nos dois casos, sobraram problemas. O Santos mergulhou em uma crise que demorou para ser superada no Campeonato Brasileiro. O São Paulo se desestruturou e o inferno astral culminou com a saída do técnico Cuca. Já o Boca perdeu Carlos Bianchi e cumpriu uma temporada fraca, que abriu espaço para outra zebra, o Newell's Old Boys levantar o Torneio Apertura argentino.

Na Europa, o Real Madrid teve suas estrelas questionadas, o Arsenal aumentou sua fama de time caseiro, mesmo conquistando o título inglês invicto, e o técnico Carlo Ancelotti, do Milan, sofreu com a fama de retranqueiro. No Chelsea, do russo Roman Abramovic, uma grande reformulação foi feita, com a contratação do português José Mourinho, o comandante do Porto.

Nem as competições de seleções foram poupadas. Na Eurocopa, nem Inglaterra, nem Itália, nem França, nem Alemanha ficaram o título. A Grécia, com um futebol aplicado e sem estrelas, venceu Portugal, que jogava em casa, na final. Nem o pentacampeão do mundo Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção portuguesa, escapou da zebra.

No basquete, a supresa foi a Argentina, que desbancou os EUA na semifinal do Mundial masculino. O resultado serviu para, além de confirmar o "ano do avesso", enterrar de vez o time dos sonhos.