Repórter News - reporternews.com.br
Politica Brasil
Quarta - 22 de Dezembro de 2004 às 12:07
Por: Adriana Vandoni Curvo

    Imprimir


Tudo começou com um telefonema. “Senhora, o seu telefone foi clonado. A senhora tem o prazo de uma semana para estar se dirigindo a uma das lojas e estar solucionando o problema.” Mas qual é a solução? Pergunto eu. “Bem, a senhora pode estar trocando de número ou a senhora pode estar trocando o aparelho. Nesse caso a senhora vai estar recebendo um desconto, caso a senhora troque por um aparelho mais sofisticado que o seu.” Hoje em dia todos os atendentes falam no gerúndio, não sei a partir de quando isso começou, acho que foi uma invenção feita pelo telemarketing. “Vai estar recebendo”, “vou estar enviando”, etc...é tão engraçado esse jeito de falar, me dá uma agonia danada!

Bem, dentro do prazo estipulado, fui até uma das lojas, só não sabia eu, que estava indo para “estar passando o dia”. Sim, isso mesmo. Entrei às 9:00 hs da manhã e só fui liberada por volta das 16:00 hs. Da próxima vez vou fazer um piquenique lá. A minha linha estava em nome da minha irmã e aproveitei para fazer a transferência. A coitada só faltou ter que fazer exame de pele para provar que ela era ela e que estava transferindo a linha para o meu nome por livre e espontânea vontade. Fomos atendidas por um rapaz muito educado e impaciente. Mas tudo bem, vai ver estava com algum problema pessoal. Troquei o aparelho, mas, antes tive que levar comprovante de renda, de residência, certidão de casamento, de nascimento dos filhos, de que pago corretamente os funcionários que trabalham comigo, que recolho INSS, que vou a missa aos domingos, que sou simpática e por ultimo tive que assinar um papel dizendo que não vou deixar de usar os serviços da por um ano.

Vinte e sete cafezinhos, trinta e quatro copos de água, três atendentes e quatro idas e vindas ao segundo andar depois, saí com o aparelho novo. Um probleminha ficou de fora, a conta telefônica do período em que o telefone estava clonado. Mas, um dos atendentes me tranqüilizou dizendo: ““vou estar” olhando isso para a senhora e algum dos nossos funcionários, “vai estar entrando” em contato com a senhora.” Tudo bem, claro que eu confiei, depois de sete horas dentro da loja, tinha mais era que acreditar e picar a mula. Só que nenhum funcionário “esteve ligando” para mim até hoje, quatro contas depois. Minto, esta semana recebi uma ligação do telemarketing. O funcionário queria saber quem tinha me comunicado da clonagem do aparelho. Respondi que alguém da empresa “esteve entrando” em contato comigo.

Tentei contar como tinha sido atendida, mas ele só se interessava em saber quem tinha feito o contato. Insisti em dizer que não estava satisfeita com os serviços prestados e que a linha continua em nome da minha irmã e nenhum atendente consegue “estar me explicando do fato”. Em vão, ele se limitou a orientar que deveria formalizar uma reclamação e entregar para não sei quem. Não sei a quem recorrer, talvez o Eunício!

Liguei novamente e tentei reclamar que a transferência de assinatura não tinha sido efetivada, me disseram que devo “estar procurando” uma das lojas, com a minha irmã que deverá “estar levando” todos os documentos que já foram entregues no dia que passamos na loja. O pior é que assinamos uns papeis de transferência. O que fizeram desses papeis? O que me garante que isso que assinamos não será utilizado para outros fins? Porque devo confiar em uma empresa que não confia em mim? Duvidas! Quem poderá “estar me respondendo”?

Por que aceitei passar por todo esse desgaste? Por causa do número. Não é a qualidade dos serviços prestados que fidelizam o cliente. É para preservar o número. A privatização da prestação dos serviços de telefonia não aumentou a concorrência, que iria forçar melhoria no atendimento, forçar investimentos em qualidade que iria induzir redução nos custos. No lugar dessa lógica, a privatização criou vários oligopólios.

Sim, eu “posso estar” escolhendo a melhor oferta ou o melhor serviço, porém, “vou estar” trocando meu número o tempo todo. Para que isso não aconteça, ou eu me finjo de morta e permaneço com a empresa ou fico torcendo para tramitar rápido na Câmara Federal o projeto de Lei número 3742/04, que estabelece a portabilidade, isto é, o assinante passará a ser dono não só da linha como também do número.

“Vou estar” esperando que isso aconteça.

Adriana Vandoni Curvo é professora de economia, consultora, especialista em Administração Pública pela FGV/RJ. E-mail: avandoni@uol.com.br




Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/363068/visualizar/