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Politica Brasil
Quinta - 09 de Dezembro de 2004 às 19:01
Por: Júlio Campos

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De aproximadamente 500 pronunciamentos que tive a iniciativa de realizar durante o meu mandato no Senado da República, de 1991 a 1999, alguns temas abordados permanecem em minha memória, mesmo já transcorridos seis anos que deixei aquela Casa.

Para ser preciso, foram 478 pronunciamentos em oito anos. Escolhi, para trazer em questão neste artigo, um projeto de lei do senador Márcio Lacerda, representante da região de Cáceres e eleito pela legenda do PMDB para o mandato de 1987 a 95.

Márcio Lacerda apresentou projeto de lei estabelecendo que as empresas fabricantes de seringas descartáveis adotassem um mecanismo que tornasse impossível a reutilização do aparelho.

Ou seja, após ser usada para uma injeção, o mecanismo travaria a seringa tornando-a inútil para novas aplicações. As seringas importadas também deveriam ter as mesmas especificações.

O sistema já é adotado em alguns países. E a preocupação dos legisladores, a exemplo do conterrâneo Márcio Lacerda, é no sentido de evitar a proliferação de doenças transmitidas quando da utilização de drogas intravenosas.

Pois bem, depois de todo o lento processo de tramitação da matéria, no Senado e na Câmara, o projeto foi aprovado e encaminhado para sanção ou veto do presidente da República.

O ano era 1996. Como não poderia ser de outra maneira, prevaleceu o bom senso e o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei, que recebeu o número 9.273.

Mas, para que esta lei entrasse em vigor, ela deveria ser regulamentada pelo órgão competente, que é o Ministério da Saúde. A regulamentação da lei, que pela importância deveria ser prioridade, não aconteceu com o ministro-médico Adib Jatene.

Em poucos meses o ministro da Saúde passaria a ser José Serra. Serra permaneceu quatro anos como ministro, fez um excelente trabalho que o credenciou a ser indicado candidato do PSDB a presidente da República em 2002, mas a regulamentação da lei das seringas descartáveis não aconteceu.

Da tribuna do Senado abordei a questão, pedindo providências ao Ministério da Saúde, pela imprescindível regulamentação da referida lei. Mas a lei permaneceu esquecida. E durante todo esse tempo muito se questionou sobre os motivos que poderiam estar impedindo sua regulamentação.

Causava surpresa o desinteresse do ministro Serra, afinal foi ele, o superministro José Serra, que teve a iniciativa e a coragem de enfrentar o poderio dos grandes laboratórios para a questão dos medicamentos de tratamento da Aids, e também para a implantação dos medicamentos genéricos.

Mas, por que o ministro Serra não não regulamentou a lei das seringas descartáveis?! O ministro nunca disse uma só palavra sobre o assunto e sequer foi questionado por adversários nas campanhas eleitorais.

O engavetamento da Lei 9.273/96 levantou suspeitas. O lobby dos fabricantes teria prevalecido? Por outro lado, questionava-se o por quê do interesse dos fabricantes em "segurar" a lei. Afinal, se uma seringa pode ser utilizada apenas uma vez, e não inúmeras vezes como ainda acontece, o lucro dos fabricantes passaria a ser maior, porque o consumo aumentaria consideravelmente.

O que, então, estaria impedindo a regulamentação da lei?! Foi então que nos bastidores do Congresso Nacional surgiram comentários de que o grande lobby estaria existindo, sim, mas por parte dos laboratórios farmacêuticos multinacionais.

É que as dúvidas sobre o impedimento da regulamentação, lamentavelmente, levaram aos questionamentos sobre a influência da "indústria da doença"! Ou seja, com o dispositivo de segurança nas seringas, o número de pessoas infectadas por doenças transmissíveis reduziria naturalmente, o que diminuiria também o consumo de medicamentos.

Eu, particularmente, prefiro não acreditar na hipótese de existência da "indústria da doença", mas não me conformo com essa situação ignota: por que não regulamentar a lei?!

Em outubro de 2003 o deputado Wilson Santos (PSDB-MT), encaminhou à Mesa da Câmara requerimento de informações ao Ministério da Saúde, para esclarecimentos sobre o assunto.

O requerimento foi respondido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e pelo órgão DST/Aids, do Ministério da Saúde, abordando questões técnicas que inviabilizariam a medida. Chegaram também ao absurdo de dizer que as novas normas técnicas poderiam estimular o contrabando de seringas comuns de outros países.

Responderam que as infecções pelo vírus da Aids, com a utilização de seringas, estariam, hoje, com "redução de danos" para a população de usuários de drogas injetáveis, e que vêem "grandes dificuldades" para manutenção dos benefícios da atual política com as novas seringas. Argumentaram, ainda, que a impossibilidade de reutilizar seringas descartáveis acarretaria em mais despesas aos portadores de diabetes insulino-dependentes, em especial.

Ora, é preciso mais seriedade nessa questão. O Ministério da Saúde atém-se à questão da Aids desconsiderando outras sérias doenças transmissíveis, a exemplo da sífilis, Chagas e as hepatites virais, estas, hoje, tanto quanto graves.

Quanto aos diabéticos, também não justifica. Cada um deles pode ter sua seringa tradicional em casa para o seu tratamento. E não seria nada dispendioso ao governo o fornecimento grátis de seringas descartáveis aos portadores de diabetes.

Assim como o governo fornece "camisinhas" grátis, o mesmo poderia fazer com as seringas, um produto baratíssimo pela importância que representa. Além do que, o preço do produto poderia ser reduzido consideravelmente com incentivos fiscais.

A trajetória de vida do presidente Lula me leva a crer que ele não tem conhecimento dessa questão, do contrário, já teria se manifestado. A regulamentação dessa lei tem a cara do Lula, pelo seu alcance social. Mas o governo do presidente Lula já está pela metade e, até hoje, nada de novo. E o amanhã é tão distante!...



* Júlio Campos é conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso. Governou o Estado (1983/87), e foi senador pelo PFL-MT (1991/99).




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