O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo no Congresso Nacional, deputado Cláudio Puty (PT-PA), anunciou nesta quinta-feira que vai ao Paraná na próxima semana para verificar o resultado da operação desenvolvida ontem pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF) em Cambira, a 377 km de Curitiba. As autoridades flagraram paraguaios recrutados para trabalhar ilegalmente no frigorífico Nostra em situação equivalente ao trabalho escravo. Puty disse que vai solicitar, em regime de urgência, a convocação dos fiscais que atuaram na operação e dos proprietários do frigorífico.
"As declarações do Fabres (Luiz Fabres, da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT em São Paulo) indicam tráfico internacional de pessoas. Isso é gravíssimo", disse o deputado, que também pretende discutir o assunto com membros do parlamento paraguaio. "Deve haver punição exemplar para desencorajar a ilegalidade, caso sejam confirmada a situação", disse o deputado paraense.
A Embaixada do Paraguai em Brasília informou que o caso será acompanhado pelo Consulado em Curitiba. Até a tarde de ontem, de acordo com a assessoria do consulado, o órgão diplomático não havia recebido comunicação oficial sobre a situação dos paraguaios localizados em Cambira.
Procuradores do Ministério do Trabalho e da Polícia Federal localizaram novos alojamentos onde estavam hospedados 71 trabalhadores paraguaios que prestavam serviços sob suspeita de trabalho escravo no frigorífico Nostra em Cambira, na região Norte do Estado. Os paraguaios foram localizados em duas casas em Cambira, em um hotel em Maringá e em várias residências localizadas no interior do frigorífico.
A polícia ainda apreendeu 40 munições de calibres 12 e 38 no escritório da diretoria do frigorífico. Foram expedidas multas rescisórias de contratos de trabalho de quase R$ 700 mil aos proprietários do frigorífico Nostra. A multa aplicada aos trabalhadores paraguaios, no valor de R$ 2,4 mil por pessoa, também deverá ser paga pela empresa.
Brasileiros denunciaram
Funcionários brasileiros do frigorífico foram os principais responsáveis pela localização dos paraguaios que trabalhavam ilegalmente na empresa. A operação do Ministério do Trabalho e da Polícia Federal só foi organizada após uma funcionária da empresa, que reside em Maringá, reclamar sobre a situação com um taxista da cidade.
Membro da Guarda Municipal maringaense e taxista nos momentos livres, o homem gravou parte da conversa da passageira que se dizia chocada com o fato dos paraguaios trabalharem na ilegalidade com salários abaixo do mercado e ainda ter sucessivos descontos na folha de pagamento. No final de setembro, a gravação da conversa foi entregue à PF.
Outra funcionária do frigorífico, sem ser identificada, conversou com jornalistas e com membros do MPT através do telefone. Segundo ela, em conversas internas, os paraguaios revelaram que eram atraídos pela promessa de pagamento de salários de R$ 1,4 mil. O recrutador seria o encarregado da produção do frigorífico, identificado até o momento apenas como Marcos. O homem, que é brasileiro, já teria morado durante algum tempo no Paraguai.
A funcionária contou que os paraguaios desenvolviam jornadas que ultrapassavam 12 horas diárias, trabalhando inclusive em sábados e domingos. Disse que presenciou mulheres paraguaias em adiantado estado de gravidez trabalhando no frigorífico. Contou ainda que um dos paraguaios sofreu um acidente no interior da empresa e teve três costelas fraturadas, sem receber qualquer assistência médica. "Eles (os chefes) disseram aos paraguaios que quem se machucasse, teria os dias parados descontados", disse ela.
A mulher afirmou que as empresas fazem descontos constantes nos salários dos paraguaios, alegando que eram para o pagamento "de papel" para legalização. "Descontaram R$ 1,5 mil de alguns para fazer a carteira de trabalho", disse ela.
Ao ser indagada se conhecia casos de não pagamento de salários, a funcionária disse que um paraguaio recebeu, no mês passado, o pagamento de apenas R$ 0,45, depois de trabalhar o mês inteiro. "Eles trabalham direto. Sábado, domingo, feriado. Se não trabalharem são ameaçados. Os chefes dizem que quem não trabalhar tem que catar latinhas para voltar ao Paraguai", afirmou.
A funcionária revelou ainda que havia restrições a liberdade de locomoção. "Eles só podem sair no domingo, se não tiver trabalho", informou. Segundo ela, os paraguaios "eram tratados como bichos, pior que cachorro. Eram chamados de vagabundos o tempo todo". A mulher revelou que trabalha há um ano no local e a presença dos paraguaios vem ocorrendo há cerca de 5 meses.
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