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Kyoto, Putin e, talvez, Kerry
Novos e bons ventos parecem soprar na direção do Protocolo de Kyoto, a Convenção para a Mudança Climática da ONU já firmada por 121 países e pela Comunidade Européia, o que equivale a 44,2% das emissões de dióxido de carbono (CO2) dos países desenvolvidos, ainda abaixo dos 55% exigidos para que entre em vigência. Tudo depende da assinatura da Rússia (17,4% das emissões), Austrália (2,1%) ou Estados Unidos (36,1%).
Depois que a administração Bush declarou uma completa oposição ao tratado, a Rússia passou a negociar politicamente sua adesão e até hoje se negou a confirmá-la, colocando-se ao lado dos EUA apesar da forte pressão exercida pela Europa e pelos países em desenvolvimento. Enquanto isso, as emissões de CO2 no mundo aumentaram ao final do ano passado em 14% comparadas à já trágica situação constatada em 1990. Segundo a Organização Meteorológica Internacional, os três anos mais quentes conhecidos pela humanidade (medições desde 1880) foram, pela ordem, 1998, 2002 e 2003.
Vladimir Putin, que nunca se comprometeu oficialmente, declarou numa conferência de imprensa que “apressaremos os movimentos da Rússia para a ratificação do Protocolo de Kyoto”. É a sua contrapartida ao desejado apoio à entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), afinal assegurado pela União Européia (UE) por meio de seu Comissário de Comércio Exterior, o francês Pascoal Lamy, segundo o qual “o acordo bilateral relativo à OMC no campo da energia assegura a sustentação mútua dos objetivos de Kyoto”. Houve um condicionamento explícito: “o apoio da UE afeta positivamente nossa posição relativa a Kyoto”, completou Putin, numa mudança radical de atitude. Pouco antes, Andrei Illarionov, o principal assessor econômico do governo russo, que certamente falava com estímulo e pleno conhecimento do presidente, fazia o mundo estremecer quando dizia em alto e bom som que a Rússia não assinaria o Protocolo pois isso a condenaria à pobreza e ao atraso: “que vantagem teríamos ao arruinar nossa economia se os dois gigantes, China e EUA, continuarem livremente a poluir? Ou todos se comprometem, ou nenhum.”
A posição favorável de Putin não significa que o problema esteja resolvido, pois internamente precisará dos votos favoráveis da Duma (o Parlamento) e, em relação à OMC, terá de obter o apoio de outros parceiros relevantes, entre os quais os EUA. Contudo, vislumbram-se no horizonte possibilidades de mudança de postura dos dois atores que reiteradamente têm negado os princípios de Kyoto. Na Austrália o Partido Liberal de John Howard está enfraquecido por ter dado suporte à invasão do Iraque, podendo perder as eleições para dar lugar ao Partido Trabalhista que ratificaria o Protocolo.
A outra novidade situa-se nos próprios EUA, face à crescente chance de sucesso de John F. Kerry no pleito de 2 de novembro. Sua esposa, Teresa Heinz Kerry, é ambientalista profissional e tem se dedicado a uma firme defesa dos princípios do desenvolvimento sustentável e da utilização ampla de fontes de energia renovável. Seu filho, André Heinz, trabalha em Estocolmo na Natural Step (Caminho Natural), uma ONG que se propõe a construir um mundo ambientalmente sustentável, tendo entre seus clientes multinacionais como a McDonald (na Suécia, recicla 90% de seu lixo), a Matsushita e a Nike. Ela tem repetido, com orgulho, que o esposo assistiu a quatro conferências sobre o Protocolo de Kyoto, um recorde. Em uma delas, a Eco-92 no Rio de Janeiro, John e Teresa conheceram-se e descobriram que gostavam um do outro.
Por ora, na campanha, Kerry não deverá tocar no assunto, com receio de perder votos (muitos americanos temem por seus empregos e acham que os preços da energia podem subir caso o governo apóie o Protocolo) mas depois, no poder, talvez siga as idéias de Teresa, que tem falado em aceitar Kyoto com modificações, sem explicitar quais seriam. Num evidente sinal de que as idéias de Bush sobre clima e energia já não tem a mesma força, o projeto de lei dos senadores John McCain (republicano) e Joseph Lieberman (democrata) impondo regras similares às de Kyoto às empresas norte-americanas quase foi aprovado no último dia de outubro de 2003. Numa votação surpreendentemente apertada, conseguiu 43 votos (6 de republicanos) contra 55 no Senado. “O fatalismo que vejo nos que se opõem ao projeto é fundamentalmente anti-americano” disse Hillary Clinton em seu pronunciamento.
A ratificação pela Rússia colocaria a Convenção para a Mudança Climática em vigência imediata para o mundo todo. De acordo com especialistas como Iain Murray do Instituto Empresa Competitiva dos EUA, os negócios americanos em outros países seriam fortemente afetados, tendo de submeter-se à restrição na emissão de gases de efeito estufa ou comprar certificados de permissão para continuar a produzi-los. É possível que, então, o Protocolo seja introduzido nos EUA, queira Bush ou não, por força do direito internacional, hipótese que não pode ser descartada considerando que Washington formalmente assinou a Convenção, ainda que depois não a tenha ratificado.
Vitor Gomes Pinto Escritor, analista internacional Vitor.gp@persocom.com.br
Depois que a administração Bush declarou uma completa oposição ao tratado, a Rússia passou a negociar politicamente sua adesão e até hoje se negou a confirmá-la, colocando-se ao lado dos EUA apesar da forte pressão exercida pela Europa e pelos países em desenvolvimento. Enquanto isso, as emissões de CO2 no mundo aumentaram ao final do ano passado em 14% comparadas à já trágica situação constatada em 1990. Segundo a Organização Meteorológica Internacional, os três anos mais quentes conhecidos pela humanidade (medições desde 1880) foram, pela ordem, 1998, 2002 e 2003.
Vladimir Putin, que nunca se comprometeu oficialmente, declarou numa conferência de imprensa que “apressaremos os movimentos da Rússia para a ratificação do Protocolo de Kyoto”. É a sua contrapartida ao desejado apoio à entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), afinal assegurado pela União Européia (UE) por meio de seu Comissário de Comércio Exterior, o francês Pascoal Lamy, segundo o qual “o acordo bilateral relativo à OMC no campo da energia assegura a sustentação mútua dos objetivos de Kyoto”. Houve um condicionamento explícito: “o apoio da UE afeta positivamente nossa posição relativa a Kyoto”, completou Putin, numa mudança radical de atitude. Pouco antes, Andrei Illarionov, o principal assessor econômico do governo russo, que certamente falava com estímulo e pleno conhecimento do presidente, fazia o mundo estremecer quando dizia em alto e bom som que a Rússia não assinaria o Protocolo pois isso a condenaria à pobreza e ao atraso: “que vantagem teríamos ao arruinar nossa economia se os dois gigantes, China e EUA, continuarem livremente a poluir? Ou todos se comprometem, ou nenhum.”
A posição favorável de Putin não significa que o problema esteja resolvido, pois internamente precisará dos votos favoráveis da Duma (o Parlamento) e, em relação à OMC, terá de obter o apoio de outros parceiros relevantes, entre os quais os EUA. Contudo, vislumbram-se no horizonte possibilidades de mudança de postura dos dois atores que reiteradamente têm negado os princípios de Kyoto. Na Austrália o Partido Liberal de John Howard está enfraquecido por ter dado suporte à invasão do Iraque, podendo perder as eleições para dar lugar ao Partido Trabalhista que ratificaria o Protocolo.
A outra novidade situa-se nos próprios EUA, face à crescente chance de sucesso de John F. Kerry no pleito de 2 de novembro. Sua esposa, Teresa Heinz Kerry, é ambientalista profissional e tem se dedicado a uma firme defesa dos princípios do desenvolvimento sustentável e da utilização ampla de fontes de energia renovável. Seu filho, André Heinz, trabalha em Estocolmo na Natural Step (Caminho Natural), uma ONG que se propõe a construir um mundo ambientalmente sustentável, tendo entre seus clientes multinacionais como a McDonald (na Suécia, recicla 90% de seu lixo), a Matsushita e a Nike. Ela tem repetido, com orgulho, que o esposo assistiu a quatro conferências sobre o Protocolo de Kyoto, um recorde. Em uma delas, a Eco-92 no Rio de Janeiro, John e Teresa conheceram-se e descobriram que gostavam um do outro.
Por ora, na campanha, Kerry não deverá tocar no assunto, com receio de perder votos (muitos americanos temem por seus empregos e acham que os preços da energia podem subir caso o governo apóie o Protocolo) mas depois, no poder, talvez siga as idéias de Teresa, que tem falado em aceitar Kyoto com modificações, sem explicitar quais seriam. Num evidente sinal de que as idéias de Bush sobre clima e energia já não tem a mesma força, o projeto de lei dos senadores John McCain (republicano) e Joseph Lieberman (democrata) impondo regras similares às de Kyoto às empresas norte-americanas quase foi aprovado no último dia de outubro de 2003. Numa votação surpreendentemente apertada, conseguiu 43 votos (6 de republicanos) contra 55 no Senado. “O fatalismo que vejo nos que se opõem ao projeto é fundamentalmente anti-americano” disse Hillary Clinton em seu pronunciamento.
A ratificação pela Rússia colocaria a Convenção para a Mudança Climática em vigência imediata para o mundo todo. De acordo com especialistas como Iain Murray do Instituto Empresa Competitiva dos EUA, os negócios americanos em outros países seriam fortemente afetados, tendo de submeter-se à restrição na emissão de gases de efeito estufa ou comprar certificados de permissão para continuar a produzi-los. É possível que, então, o Protocolo seja introduzido nos EUA, queira Bush ou não, por força do direito internacional, hipótese que não pode ser descartada considerando que Washington formalmente assinou a Convenção, ainda que depois não a tenha ratificado.
Vitor Gomes Pinto Escritor, analista internacional Vitor.gp@persocom.com.br
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/379380/visualizar/
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