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Politica Brasil
Terça - 01 de Junho de 2004 às 08:24
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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Em frente a minha casa morava um velhinho. Companheiro como ele só, lentamente colocava uma cadeira na varanda de sua casa para apreciar a passagem dos transeuntes, nas noites quentes de Colider.

Ficávamos nos flertando, sem nada dizer, mesmo porque a avenida nos separava. Balançando, balançando, logo chegava a sua velhinha, e, cavalheiramente, arrastava uma outra cadeira para ela. Pacientemente, os via, juntinhos, quietinhos, indo pra frente e pra trás, acompanhando o ritmo do balanço das cadeiras.

Eu olhava pela sacada de minha casa, e ainda lá estavam, balançando, como quem dobra a exaustão, e revigora-se da paciência. Pegava eu o computador de mão, novos tempos, tempos de tecnologia, e ensaiava uma sentença - dobrava pra um lado, pro outro, aprisionava-me à causa sob julgamento, ficando absorto nela, e os velhinhos, trigueiros, ali, na minha frente, balançavam, tudo também assistiam, em silêncio.

Num instante parei – que será estão pensando? Deitei-me na rede, tomando o cuidado com o ângulo da visão para poder continuar assuntando os velhinhos. De súbito, traiu-me a consciência: e a invasão à privacidade alheia? No dia a dia, no mundo mágico dos seres já vividos, do lado de lá, e cá do ser por viver, resta a reciprocidade, a compensação de culpas, nada há que nos desabone; continuemos, então, o diálogo, silencioso, metafórico, figurado.

Dois mundos. O de lá, simplório e sábio ao mesmo tempo. O de cá, ainda com o atrevimento da idade - vontade de mudar. Observei que me olhavam, tentei achar-lhes os olhos. Não dava, a distância não permitia, a miopia da vida, do corre-corre, da cibernética, do social, do tudo, até o volume de trabalho, me impedia. Será que puseram a sorrir? O que pensam? Eis a curiosidade que me perseguia.

Por achar que o tempo, nos dá tempo, o passar permitia. E voltava, sempre, à cena do dia, dias após dias. Lá, permaneciam os velhinhos, juntinhos, que, em símbolo, me diziam. Mas o quê? Certamente não saberia, e talvez um dia, descobriria, o sentido da vida. Sentença nas mãos, a dor consumia, o perdedor me punia, ainda que pelo julgamento que fazia, sem leis, códigos, somente a gargalhada da ironia. Aliás, pra que as leis, os códigos, se o mundo julga, com sátira e sorrateiramente, os que julgam formalmente, ainda que com justiça?

Num dia, após dias, perguntei do velhinho que já não via. Disse a minha amada, que o velhinho partira, deixando a sua, sozinha. Descobri, por aí, sem mais correria, somente leitura, feita da vida, que o tempo, a todos castiga.

Meu velhinho, o tempo da minha vida, impediu-me que, a seu lado, balançando cadeiras, conhecesse a sua vida. Perdoa a este sem tempo, velhinho, a olvidar de Chaplin: “homens é que sois, e não máquinas”.

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é Juiz de Direito e escreve as terças no Diário e no RepòrterNews. gabn@estadao.com.br




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