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Politica Brasil
Segunda - 10 de Maio de 2004 às 07:40
Por: Vitor Gomes Pinto

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Mesmo os mais otimistas que assistiram a queda do muro de Berlim em 1989 nem de longe poderiam imaginar que menos de quinze anos depois a secularmente dividida Europa seria capaz de encontrar um caminho para unificar os destinos de vinte e cinco países, formando um bloco econômico de 453 milhões de pessoas que se estende por uma área de 4 milhões de km2 para chegar às portas da Rússia de Vladimir Putin e quase às da Turquia de Ahmet Sezer, os excluídos do baile realizado em Dublin.

Há ganhadores e perdedores nesta quinta ampliação da UE - União Européia (a última foi em 1995, quando entraram Áustria, Suécia e Finlândia), além de um importante conjunto de questões que permanecem à espera de solução.

São ganhadores: o eixo Londres-Paris-Berlim que ficará com a parte de leão no processo de aumento da movimentação financeira da região (os três países têm 44,5% da população da nova UE); a Alemanha pois a expansão ocorre basicamente na sua zona de influência; as grandes empresas européias que herdarão quase naturalmente a tarefa de modernizar os novos figurantes; o idioma inglês que deverá impor-se como a forma de comunicação e entendimento entre falantes de vinte línguas distintas; a igreja católica pois os novos países produzirão um aumento relativo de seus fiéis (nos 15 países da atual UE os católicos representam cerca de 60% da população e nos 10 novos são 75%); o euro, pois embora não seja compulsória sua adoção pelos novos membros, passa a ter uma área de circulação bem superior à do dólar que, junto ao iene chinês, é seu maior concorrente; os 74,1 milhões de habitantes dos dez países que agora ingressam, beneficiados pelos fundos de coesão que logo começarão a receber; o modelo de democracia com igualdade e paz social que se antepõe ao modelo imperial norte-americano. Talvez ganhem também, por outra via, os Estados Unidos, considerando o fato de que terão mais aliados na UE do que hoje pela forte influência que já exercem sobre as ex-colônias soviéticas, Malta e Chipre.

Não se deve desprezar o bloco de perdedores e seu poder de corrosão e bloqueio de ora em diante: trabalhadores de setores de alta relevância mas não competitivos dos novos aderentes (exemplos são os produtores de aço e os estaleiros poloneses) pois as empresas não conseguirão competir e terminarão sendo desativadas; trabalhadores de diversos setores da velha UE pois muitas empresas mudar-se-ão para o atrativo eixo oriental onde a mão-de-obra é boa e bem mais barata (Phillips e Nissan, entre outras, já estão de mudança); os países que têm se beneficiado dos fundos de coesão (como Portugal e Espanha), pois estes terão agora de ser divididos com mais sócios; o idioma francês; os protestantes, que reduzem representatividade; a Rússia pois definitivamente vê distanciarem-se aliados que desde os tempos de Lênin a acompanhavam; a Turquia, vítima das desconfianças que impedem a sua aceitação sob argumentos ligados aos 60 milhões de habitantes, muçulmanos quase todos, e ao não respeito dos direitos humanos.

Resta um punhado de temas a equacionar. As decisões, até aqui tomadas sempre por unanimidade, perdem praticidade e lógica. A Constituição a ser aprovada prevê voto qualificado segundo o peso populacional e econômico (10 votos cada para R.Unido, França, Alemanha e Itália; 8 votos para Espanha e Polônia; 5 votos para Holanda, Grécia, Rep. Tcheca, Portugal, Hungria e Bélgica; 4 para Suécia e Áustria; 3 para Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia e Lituânia; ademais de Chipre, Luxemburgo e Malta que terão 2 cada), mas existe resistência dos “prejudicados” e principalmente dos nanicos cuja poder de influência poderá ser irrelevante. São esperados prejuízos para a agilidade da UE tendo em vista o agigantamento crescente da burocracia com seus milhares de funcionários aquartelados em boa parte na sede central em Bruxelas.

Só as traduções obrigatórias dos textos legais e das propostas em debate para os 20 idiomas significarão um papelório nunca antes visto. A livre circulação de trabalhadores eslovacos, lituanos, etc. por toda Europa ainda demorará até 7 anos, dadas as restrições impostas pelo medo de uma invasão dos mercados de países já muito afetados pelo desemprego que é de 8% em média nos países da “velha” UE e pelo seu baixo crescimento econômico que foi inferior a 1%, também em média, em 2002 (no novo grupo: respectivamente 15% e 3,3%).

O nivelamento de salários, preços e de status econômico é um desafio difícil de ser vencido.

Nada consegue manchar a vitória dos europeus, nem a gozação de que entraram nove e meio e não dez, devido à negativa de adesão do lado norte de Chipre, onde vive 18% da população que é ligada ao governo turco.

Os próximos a se agregarem serão Romênia, Bulgária e Croácia. Resta perguntar: quando a lição de democracia e integração social e econômica da Europa será aprendida e seguida na América Latina? *Vitor Gomes Pinto - Escritor, Analista internacional. vitor.gp@persocom.com.br




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