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Cultura
Segunda - 12 de Abril de 2004 às 14:11
Por: Luiz Zanim Oricchio

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São Paulo - Jorge Luis Borges viveu muito e escreveu muito. Dedicou-se à literatura como um monge, escreveu o tempo todo e, quando ficou cego, passou a ditar. Vida longa, arte longa, de modo que este Jorge Luis Borges - Textos Recobrados 1956-1986 (Emecé, 400 páginas, R$ 100,00) pode ser considerado como uma magnífica raspa do tacho. O volume é o terceiro da série Textos Recobrados. Os dois primeiros abrangem os períodos de 1919-1929 e 1931-1955. Destaque-se o capricho, com as datas e veículos de publicação de cada escrito, índices temáticos e alfabéticos, notas explicativas.

Como é normal nesses casos, encontramos textos de importância variável. Há desde uma esplêndida análise do último capítulo do Quixote, parágrafo a parágrafo, até uma simples curiosidade, como o manifesto de apoio ao povo cubano, contra a ditadura, assinado por ele e outros intelectuais argentinos. Não, não se trata de um abaixo-assinado contra Fidel Castro. Data de 1959 e condena a ditadura de Fulgêncio Batista que, eles não sabiam, àquela altura estava com os dias contados.

Mas, em termos de curiosidade, para brasileiros, nada supera o artigo venenoso dedicado à adaptação que Carlos Hugo Christensen fez do conto de Borges, A Intrusa, história de dois irmãos que partilham a mesma mulher. Christensen foi um cineasta argentino que se radicou no Brasil a partir de 1954, aqui trabalhou, e morreu em 1999. Na revista Somos, edição de dezembro de 1981, Borges deplora a versão de Christensen sob o título significativo de Sí a la Censura. Acontece que o filme, produzido no Brasil, com elenco brasileiro e trilha de Astor Piazzolla, foi censurado na Argentina por atentado ao pudor. Borges diz que a censura deve ser deplorada, mas nem sempre (grifos dele), "porque a proibição do indecoroso muitas vezes induz à ironia, obriga o esforço para dizer as coisas de um modo indireto e não de maneira bruta".

Pelo livro, ficamos sabendo também que James Joyce não faz parte da galeria de heróis de Jorge Luis Borges: ele teria errado ao tentar escrever romances, sendo a poesia a sua vocação. Assim, Música de Câmara, livro de poemas do irlandês, seria melhor que Ulisses, e muito superior a Finnegan´s Wake.

A peça mais rica talvez seja Análisis del Último Capítulo del Quijote, em que Borges analisa, passo a passo, a preparação literária de Cervantes para a morte do seu herói. Temos aqui não apenas o Borges escritor, mas o notável professor de literatura, dono da ferramenta do seu ofício, um senhor anatomista do texto alheio. No caso, o texto básico da língua castelhana. Quixote é o livro dos livros para Borges, que o menciona em toda parte.




Fonte: Estadão.com

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