Plutão cada vez mais próximo e cada vez mais esquisito
De perto ninguém é normal, já dizia Caetano Veloso, mas Plutão parece levar isso ao extremo. Conforme a sonda New Horizons vai se aproximando a uma velocidade de mais de 1 milhão de quilômetros a cada dia que passa, as imagens que ela envia vão se revelando cada vez mais intrigantes.
Olha só.
Na imagem do post da semana passada dá para ver que Plutão tem uma mancha brilhante. Bem diferente dos pontos luminosos de Ceres, a mancha está sobre o polo norte de Plutão que atualmente vive seu verão. No mesmo “lote” de imagens, Caronte, a maior lua de Plutão mostra uma mancha escura em seu polo sul! Exatamente o contrário do que se vê em Plutão!
Plutão e Caronte se mostram muito diferentes um do outro, sendo que Caronte é muito mais escuro. Entretanto, os dois têm uma característica em comum, ambos mostram uma grande diversidade de terrenos. Que tipos de terrenos? Apesar da proximidade, ainda não é possível dizer, sabe-se apenas, ou melhor, espera-se que haja muito metano congelado em sua superfície.
Essa é outra característica bizarra de Plutão, ele possui uma atmosfera composta de metano muito rarefeito. A atmosfera parece existir apenas quando a temperatura por lá aumenta o suficiente para evaporar o metano congelado, num processo chamado sublimação. Isso acontece a -182ºC e a nuvem de metano se eleva sobre a superfície, formando uma espécie de neblina bem tênue.
Um dos objetivos dessa missão é o estudo dessa atmosfera intermitente, mas havia o temor de que ela estivesse congelada e não fosse detectada. Havia. No dia 29 de junho, Plutão passou na frente de uma estrela de fundo e por alguns instantes o planeta anão ocultou a estrela. Esse é o método de ocultação, usado por astrônomos para estudo de asteroides e objetos trans netunianos (TNOs), por exemplo. Ele é muito poderoso para se obter algumas características físicas, principalmente o tamanho do objeto. Basta medir o tempo do “apagão” da estrela de fundo, que com a velocidade do objeto, dá a exata medida do diâmetro do objeto. Com valores precisos do tempo de apagão e da velocidade, pode-se obter o tamanho do objeto com precisão de metros!
Outra coisa que pode ser obtida desse método é a existência ou não de atmosfera ao redor do objeto estudado. É simples, se não houver atmosfera, a luz da estrela simplesmente desaparece quando o objeto entra na sua frente. Se houver alguma coisa envolvendo o objeto, a luz da estrela cai rapidamente, mas de forma um pouco mais suave, conforme o gás vai ficando mais denso mais perto da superfície. E a boa notícia é que foi exatamente isso que aconteceu na semana passada! A observação da ocultação de uma estrela de fundo por Plutão revelou que sua atmosfera está, digamos, ativa. E sabe o que é mais legal nessa observação? Ela foi efetuada com um telescópio a bordo de um Boeing 747 da NASA adaptado! O nome dele é Observatório Estratosférico para Astronomia Infravermelha, SOFIA na sigla em inglês.
As ocultações são raras de acontecer, precisam de um alinhamento perfeito entre a estrela, o objeto e a Terra. Mas não é em toda a Terra que a ocultação pode ser vista, como em um eclipse, uma “sombra” é projetada sobre a superfície e apenas quem estiver nela poderá vê-la. A sombra dessa última ocultação se projetou sobre o oceano próximo à Nova Zelândia e se não tem telescópio no mar, manda um de avião! Essa observação não detectou o metano, propriamente dito, apenas confirmou a presença de gás. Quem fez a detecção foi a New Horizons, que usou mais um de seus instrumentos, chamado de Ralph, para fazer uma imagem da atmosfera.
Você já deve ter notado que astrônomos adoram fazer gracinhas, né? Um observatório chamado SOFIA, uma câmera Ralph, outra LORRI e mais um instrumento batizado de PEPSSI estão a bordo da New Horizons...
A câmera Ralph, diferente da LORRI, faz imagens coloridas, usando diversos filtros e tem uma resolução muito maior. A LORRI obtém imagens panorâmicas e é usada principalmente para a navegação da sonda, que, aliás, passou do ponto em que seria possível corrigir sua rota caso houvesse alguma coisa no caminho.
E veio da Ralph a última e intrigante imagem de Plutão. Ela mostra as duas faces do planeta anão que serão estudadas pela sonda, a face de aproximação, que terá as melhores imagens e a face oposta, que só será vista após a passagem da nave, quando ela estiver mais longe. As imagens mostram Plutão em tons alaranjados e Caronte muito mais escuro. Ambos mostram diferentes tonalidades de claro e escuro, mostrando a grande variação do terreno, que pode estar associado com depósitos de metano congelado, depressões na superfície ou outros acidentes geográficos, mas é a face oposta que nos mostra detalhes intrigantes.
Uma série de manchas simétricas e escuras, regularmente espaçadas surgiram com a melhora da resolução das imagens. Antes delas o que se via era uma grande mancha escura no hemisfério sul de Plutão. São 4 manchas aproximadamente retangulares dispostas lado a lado. Cada uma tem aproximadamente 480 km de comprimento e ainda não dá para se dizer muita coisa sobre elas.
Uma possibilidade, ainda que altamente especulativa, é que essas manchas sejam algum tipo de derramamento de material mais recente através da atividade de gêiseres. Existem evidências para essa atividade em Tritão, uma das luas de Netuno que é na verdade um TNO capturado. Plutão é também um TNO, mas que necessita de outro mecanismo para manter seus gêiseres ativos, pois não tem nenhum planeta por perto para impor forças gravitacionais de maré. Esse mecanismo estaria ligado com a poderosa colisão sofrida por Plutão e que deu origem a Caronte. Esse mesmo mecanismo teria criado e mantido gêiseres ativos em Caronte também, mas nesse caso 10 vezes mais intensos, espalhando o material escuro que cobre toda sua superfície.
E por que Plutão é tão bizarro assim? É bem simples, trata-se de um TNO, objetos que se formaram nas profundezas do Sistema Solar, o Cinturão de Kuiper, e que foram trazidos mais para “dentro” do sistema pela atração gravitacional dos planetas gigantes. O fato é que não sabemos quase nada sobre eles. Por exemplo, enquanto estamos acostumados a ver crateras de impacto cobrindo a superfície de planetas, luas e até mesmo asteroides, Plutão e Caronte não devem ter muitas delas. A cada dia que passa, a cada milhão de km mais próximo, mais novidades vão aparecendo.
A tão aguardada passagem pelo sistema de Plutão será dia 14 próximo e até lá as imagens vão chegar quase todos os dias. Apesar de todos nós querermos mais e mais imagens novas, a New Horizons tem que economizar espaço interno para guardar as imagens, já que ela só pode descarregá-las de vez em quando. Cada vez que ela precisa fazer isso, tem que se virar para a Terra, perdendo Plutão da mira.
Comentários