Com câncer há 7 anos, pesquisadora sonha conciliar pós-doc com terapia
Claudia Rodrigues, de 30 anos, já perdeu as contas de quantas sessões de quimioterapia fez desde 2008, mas não deixa prevalecer sinais disso. Em uma conversa, prefere falar dos planos, dos estudos. Doutora em química pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a pesquisadora de Rio Claro se prepara para o pós-doutorado nos Estados Unidos e espera encontrar no exterior o que tanto procurou aqui: a cura para o Sarcoma de Ewing.
O câncer foi descoberto por acaso. Na graduação, ela participava de um grupo de teatro da UFSCar e se preparava para viver a Wendy em uma releitura de Peter Pan com passagens circenses quando caiu do trapézio. Dias depois, caiu na coxia e começou a sentir dor no ombro. “Surgiu um calombo. Fiz meses de fisioterapia, usei tala e nada. Uma aluna do laboratório me levou ao ortopedista e a filha do médico tinha tido o mesmo tipo de câncer”, contou. Desconfiado, o especialista pediu uma biópsia e o resultado saiu 10 dias depois do baile de formatura. A peça nunca foi encenada.
O ortopedista tinha contatos em Barretos e Claudia passou a ser atendida no Hospital de Câncer da cidade. Na unidade, passou por cirurgia e sessões de quimioterapia. Começaram a surgir nódulos no pulmão e vieram mais duas cirurgias e mais quimioterapia. Em meio ao tratamento, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e teve trombose.
Enquanto se tratava, a quimioterapia específica para seu tipo de sarcoma deixou de ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e os médicos recomendaram uma radioterapia específica. O plano de saúde não quis pagar e Claudia entrou na Justiça. Durante a espera por uma definição, os nódulos se espalharam e, quando ficou definido que o plano pagaria o tratamento no Hospital Santa Catarina, em São Paulo, a radioterapia já não era indicada. Teve que voltar para a quimioterapia.
Em 2012, o trâmite de entrar com uma ação contra o plano se repetiu, mas para a realização de um transplante de medula autólogo, realizado com as próprias células saudáveis do paciente. Depois do procedimento, Claudia acreditava que estava curada e com esse pensamento viajou para a Alemanha para dar andamento ao seu doutorado. “Ninguém me tratava como doente e foi muito bom para a minha vida profissional”, afirmou.
Mas as dores voltaram e o que a princípio os médicos alemães julgaram ser uma infecção nos rins se mostrou um novo nódulo, reduzindo para sete meses o período de um ano que a pesquisadora deveria passar no exterior. Começava uma nova fase do tratamento.
Apoio
De volta ao Brasil, Claudia ouviu dos médicos o que já sabia: que o desenvolvimento da doença em seu organismo era diferente da maioria dos casos. Só não imaginava que eles diriam também que ela teria que conviver com o câncer. Foi aí que a estudante que se manteve durante anos com os pensamentos positivos perdeu o chão.
“Sempre me falaram que o tratamento vai muito do psicológico e eu acho que ficar na ativa, fazer a pós, pensar em outras coisas ajuda. Nunca me senti doente. Tratava? Tratava. Meu cabelo caía? Caía. E em cada época o organismo responde de um jeito. Acho que se me afastasse ia ser pior para mim. Sempre achei que ia tratar e me curar. Me via orientadora, avó”, relatou.
Foi com esses pensamentos que ela continuou a pós-graduação. “Os professores nunca me beneficiaram, sempre cobraram o mesmo e acho que isso é bom, mas entendiam as ausências, os horários. Se eu dissesse ‘nesta semana vou estar em Barretos’, eles entendiam”, afirmou. “Às vezes, terminava a quimioterapia na quarta e vinha trabalhar no laboratório na quinta”.
Para isso, Claudia sempre contou com o apoio do veterano que se transformou em namorado e marido, dos pais, das irmãs, de familiares e dos amigos da universidade com os quais compartilhou conhecimento. “Ela sempre ajuda. Quando cheguei, não sabia nada do laboratório, ela me ensinou”, contou Beatriz Nogueira. “A Claudia está sempre ajudando todo mundo”, completou a pós-graduanda Kátia de Oliveira.
Também contou, desde o início, com o apoio do professor Alzir Azevedo Batista, seu orientador. Foi ele, inclusive, que dirigiu o carro para levar Claudia e a família para Barretos após a descoberta da doença. Acreditava que eles não estavam em condições e assumiu o volante.
Nova fase
Graças a essa rede, Claudia conseguiu os R$ 18 mil que precisava para fazer seu último exame. Ao saber que ela precisava do valor e prevendo mais uma batalha judicial, o grupo organizou uma festa julina beneficente na UFSCar e conseguiu reunir 200 pessoas em prol da mesma causa. O teste foi feito e acabou sendo reembolsado pelo plano de saúde, permitindo que o dinheiro arrecadado fosse destinado para o próximo passo, um tratamento nos Estados Unidos.
Sem conseguir se encaixar em nenhum tipo de pesquisa sobre a doença, Claudia percebeu que a opção que restava era uma terapia com anticorpos específicos oferecida na América do Norte. O exame foi o início disso e deve apontar quais são as mutações presentes nos genes de células tumorais que não constam nas sadias, permitindo aos médicos definir quais são os anticorpos que combatem apenas as células doentes. “Preciso de duas sortes. A primeira, que as minhas mutações já tenham sido mapeadas e estejam no banco de dados e, a segunda, que haja anticorpos definidos”, disse Claudia.
Campanha
Confiante, ela decidiu não esperar o resultado para começar os planos da viagem. Com seu currículo e os artigos publicados ao longo da carreira, conseguiu uma bolsa de pós-doutorado na Virgínia, em um campus onde é oferecido o curso de medicina. Ela espera conseguir pagar as passagens e a estadia com esse auxílio, mas falta o dinheiro para o tratamento, que pode atingir milhares de dólares.
Para ajudar, seu marido criou a campanha de arrecadação “My wife Claudia Rodrigues needs cancer treatment” no Indiegogo e a página “Claudia's cancer treatment” no Facebook, onde explica como funciona o procedimento.
“A campanha não tira a obrigação de cobrar isso do Estado. Estou com advogado e ele está vendo tudo isso, mas sei por causa própria que a Justiça demora”, disse Claudia, que planeja fazer o tratamento, voltar curada e assumir o posto de professora em uma universidade do Paraná, onde foi aprovada em concurso. “Eu espero realmente que funcione porque eu não aguento mais”.
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