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Domingo - 04 de Junho de 2017 às 10:49
Por: André Garcia Santana/Olhar Direto

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A repercussão no caso recente de desaparecimento e tentativa de suicídio da estudante de arquitetura Kedma Oliveira, 23, suscita, além do debate acerca do suicídio, o questionamento sobre os efeitos do massacre virtual experimentado por pessoas envolvidas em situações semelhantes. Carregados de emoção, os comentários na internet transmitem muitas vezes um posicionamento agressivo com opiniões quase sempre infundadas sobre assuntos delicadas. No caso de suicidas em potencial, o perigo é intensificado pela condição de fragilidade na qual a vítima já se encontra.

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No campo onde a doença confunde os sentimentos e a falta de esperança aponta para uma única solução possível, a enxurrada de críticas, insinuações vazias e ofensas torna o cenário ainda mais propício à tragédia. É o que explica o Psicólogo Douglas Amorim, que lida rotineiramente pacientes em circunstâncias parecidas. Embora a garota não tenha sido diagnosticada com depressão, é possível estabelecer um paralelo com outros casos parecidos.

Em um quadro de depressão, no qual o paciente se vê sem capacidade emocional para lidar com suas questões, o risco se agrava diante da percepção de que suas atitudes se tornaram alvo de ódio e chacota na internet. Com Kedma, as manifestações de apoio estiveram ao lado de acusações de que ela estaria apenas “querendo chamar a atenção”. Os absurdos se estenderam a sua irmã e ex-namorado. Diante de uma possível tragédia, ele avalia que este tipo de comentarista, pode ser considerado como responsável contribuíram para a morte de alguém.

“Essa perseguição deixa muito evidente o quanto os usuários são emocionais e se envolvem e julgam assuntos que acham que dominam. Falando especificamente sobre suicídio, isso significa a mesma coisa que dar um motivo para a pessoa, contribuindo para que ela fique ainda mais perdida em lidar com seus problemas. Então não há exagero em atribuir esta culpa a quem age desta forma”, afirma o psicólogo.

Com relação à doença e ao seu estágio mais grave, no qual o suicídio é cogitado, Douglas destaca que o principal desafio é fazer com a pessoa entenda que existe solução para os seus problemas. Há ainda que se destacar que na maioria das vezes a tentativa de suicídio é um pedido de socorro. “Nem todo suicida sofre de depressão, pode ser um ato isolado de desespero. No entanto, na maioria dos casos, quando a pessoa pensa em se matar, ela não consegue de primeira. Essas ações são pedidos de ajuda.”

O psicólogo também destaca a importância da prevenção e de um cuidado maior com nossa saúde mental, por vezes negligenciada. Sendo assim, o tema deve ser tratado de maneira natural. “As pessoas precisam entender que todos nós já pensamos em suicídio alguma vez na vida. Imaginamos como seria a vida de quem nos cerca sem a nossa existência. Isso se torna uma questão de saúde a partir do momento no qual essa possibilidade passa a ser considerada como uma solução”, fala.

Em consonância com estas compreensões, o atendimento psicológico deve passar a ser encarado como algo normal, sem tabus que distanciem o individuo do tratamento. “A gente tem que acabar com essa ideia que psicólogo é coisa pra louco, que é caro ou que é algo supérfluo. Também é preciso entender que se você está passando por algum problema assim, não é fazendo compras ou viajando que você vai solucioná-lo.”

Para familiares e amigos próximos a quem passa por esta situação, o primeiro passo é abrir espaço para que a pessoa fale sobre suas angústias, sem julgar ou classificar como “frescura”. A partir daí passa-se a mostrar o caminho, apontando para o tratamento.

Epidemia mundial e cartilha

Considerado como assunto tabu em quase todos os meios, o debate acerca do suicídio ganha status de urgência, tornando-se caso de saúde pública no país. Em Mato Grosso, um levantamento recente da Secretaria de Estado de Segurança Publica (Sesp), mostrou um aumento de 50% na média mensal de casos registrados entre 2015, quando houve 109 mortes, e 2016, com 60 registros até abril. Assim, os números para este ano correspondem, até o momento, a 15 suicídios por mês, enquanto que os do ano passado chegaram a 10, no total.

No início do mesmo o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lançaram a cartilha Suicídio: informando para prevenir. O objetivo é orientar os médicos e profissionais da área de saúde em casos de tentativa de suicídio ou para identificarem possíveis casos em seus pacientes. O documento aborda mitos acerca do suicídio, como preveni-lo, fatores de risco, dentro outros. Para acessar basta clicar aqui.

O caso

A estudante de Arquitetura, Kedma Oliveira, 23 anos, desapareceu no fim da tarde desta quarta-feira (03), em Cuiabá, após deixar uma mensagem de despedida no Facebook. Familiares e amigos iniciaram uma campanha na tentativa de encontrar a jovem. Em sua postagem, ela disse amar os pais e pediu para que eles cuidem bem da filha: “Mamãe, tá doendo mais saber que não vou estar presente no primeiro aniversário da Yasmin. Aniversário que eu sonhei tanto em fazer. Só diga a minha filha todos os dias que eu amo ela, que ela não tem culpa de nada”.

Na postagem, ela pede desculpa para os país e conversa diretamente com a sua mãe, lamentando não poder estar no aniversário da filha: “Mamãe, eu não queria fazer isso, mas tá doendo muito. Eu não sei lidar com isso. Tá doendo muito. Eu não entendo o que eu fiz de tão grave (...) Mamãe, tá doendo mais saber que não vou estar presente no primeiro aniversário da Yasmin. Aniversário que eu sonhei tanto em fazer. Só diga a minha filha todos os dias que eu amo ela, que ela não tem culpa de nada. Ela foi a melhor coisa que me aconteceu”.

CVV

O Centro de Valorização da Vida (CVV) de Cuiabá está disponível todos os dias, 24 horas, e encoraja a busca por qualquer um precise ser ouvido. Recente uma das voluntárias, Isaura Titon, falou ao Olhar Direto sobre o aumento de casos envolvendo jovens e adolescente, e também alertou para que os mais próximos estejam atentos. “É preciso discutir esse tema cada vez mais. O suicídio já éconsiderado um problema de saúde pública, e no CVV temos um lema, de que se uma vida for salva, todo o trabalho já valeu a pena", explica.

Ela conta que a ajuda também se estende aos sobreviventes e familiares, uma vez que, para cada morte, há pelo menos seis pessoas enlutadas. Para isso, os grupos se reúnem semanalmente na Rua Comandante Costa, nº 296, no bairro Centro Sul. O atendimento por telefone é realizado pelo número 141 (Cuiabá e Várzea Grande) e (65) 3321-4111 (interior de Mato Grosso). Todos os atendentes são voluntários que atuam em diversas áreas





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