Reforma trabalhista
Em 2 anos, processos trabalhistas caem pela metade em MT Especialista atribui queda no número de processos a “honorários de sucumbência”
Desde a implantação da Lei № 13.467 em novembro de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, Mato Grosso reduziu quase pela metade o número de novos processos trabalhistas ingressados no Tribunal Regional Trabalhista (TRT) do Estado.
Um levantamento feito pelo MidiaNews no site do TRT aponta a redução 48,19% nos processos ingressados dos últimos três anos. O recorte leva em contra o mês de março dos anos de 2017, 2018 e 2019.
Em março de 2017, quando a legislação ainda não estava em vigor, foi registrado o ingresso de 4.387 processos. No ano seguinte, com a lei já em vigor há quatro meses, foram registrados 2.883 processos novos, o que representa uma redução de 34,28%.
Já em março de 2019, foram protocolados 2.273 novos processos trabalhistas no Estado. Isso representa uma redução de 21% em relação ao ano anterior, e 48% se comparado com 2017.
A redução do número de processos é decorrente das despesas que a parte reclamante passa a ter se ele perder a ação. Por exemplo, honorários de sucumbência
A advogada Valéria Baggio Richter, que atua na área trabalhista, atribui a redução aos “honorários de sucumbência”. Ela explica que, com a reforma, caso o trabalhador que ingressou com um processo contra a empresa perca a ação, deverá arcar com a custa processual.
Em 2017, os defensores da nova legislação vislumbravam uma melhora nos nível de emprego no País. No entanto, isso não aconteceu. Para a especialista, serão necessárias outras políticas públicas para o aumento dos índices.
“Em um primeiro momento, a reforma não teve o impacto que ela prometia, mas isso está ligado à questão da economia de um modo geral. Não depende só de uma reforma trabalhista”, afirmou.
Confira detalhes da entrevista com a especialista:
MidiaNews – Houve uma queda significativa no número de processos trabalhistas em todo País e, em Mato Grosso, não foi diferente. Ao que se deve essa redução?
Valéria Baggio - A redução do número de processos é decorrente das despesas que a parte reclamante passa a ter se perder a ação. Por exemplo, honorários de sucumbência. Se o reclamante não ganhar 100% da ação, ele, independente de ser beneficiado com a Justiça gratuita, será condenado aos honorários de sucumbência para os advogados das empresas para o qual ela demandou. Mesmo os beneficiários da Justiça gratuita podem ser condenados aos honorários de sucumbência e ainda aos honorários periciais. Esse se dá quando essa perícia foi desfavorável ao empregado. Ele também terá que pagar os honorários do perito.
Se a ação for julgada improcedente e ele condenado ao pagamento de honorários e não tenha crédito a receber em nenhum processo trabalhista, a cobrança dos honorários fica suspensa por até dois anos, ou até que se comprove que o reclamante tenha crédito ou bens.
Outro exemplo: vamos supor que uma ação seja julgada procedente em parte. Ele pediu R$ 100 mil e ganhou R$ 50 mil. Sobre os R$ 50 mil que ele perdeu, ele irá pagar o honorário de sucumbência. Então, os outros R$ 50 mil que ele tem para receber, a Justiça já deduz do crédito dele e retém no processo.
MidiaNews - Há ainda dificuldades, nos tribunais, de alguns entendimentos quanto à Legislação? Isso gera insegurança jurídica?
Valéria Baggio - Ainda existe uma insegurança jurídica, pois há magistrados que ainda não aplicam a lei conforme foi estabelecida na Reforma Trabalhista. E muitos processos ainda não chegaram à instância superior, que é o TST [Tribunal Superior do Trabalho]. Então, a jurisprudência ainda não está consolidada. Nós não temos decisões unânimes no TST para dizer: olha, esse tema será aplicado dessa forma ou de outra. Ainda existe uma resistência muito grande de alguns tribunais em aplicar a integralidade das normas que estão na reforma.
MidiaNews – Você pode citar o exemplo de algum entendimentos ainda não pacificados?
Valéira Baggio - A reforma estabelece determinadas condições, por exemplo: a jornada in itinere. Que é quando você sai da sua residência até seu trabalho, em uma situação em que a empresa está em um local de difícil acesso. Pela antiga CLT, o deslocamento até o local de trabalho, onde não passa transporte público, é considerado hora extra. Com a reforma trabalhista isso caiu.
Só que pela reforma não ficou estabelecido se o empregado que trabalhava sob a norma, continua trabalhando, se ele tem ou não o direito de continuar recebendo. A lei não é clara no sentido de que aquele contrato que estava em vigência continua valendo após a lei, se há um marco de interrupção. Se dali para frente o que vale é a nova legislação, ou como ele já estava recebendo determinado direito, continuará recebendo mesmo após a reforma. Isso gera uma insegurança jurídica. Cada tribunal tem um entendimento.
MidiaNews - Mas o que poderia ser feito em relação a essa insegurança jurídica?
Valéria Baggio - Teriam que ser baixadas normatizações e instruções normativas do Tribunal Superior do Trabalho, na minha opinião. Seria uma forma de decidir o que é e o que não é aplicável. E isso vai se consolidar com o passar dos anos. A jurisprudência vai passar a decidir: vai ser dessa forma ou daquela forma. Isso só vai se consolidar ou com instruções normativas ou por decisões do TST ou através de normatizações do próprio Ministério do Trabalho.
MidiaNews - Após um ano e meio de reforma, quais são os maiores ganhos?
Valéria Baggio - Houve alguns pontos muito positivos. Por exemplo, o teletrabalho [trabalho remoto], que possibilita que a pessoa que não tem condições de trabalhar presencialmente na empresa desenvolva um trabalho em casa. Como, por exemplo, uma mãe que tem filhos pequenos ou uma pessoa com deficiência que não pode se deslocar. Há também o fracionamento das férias em até três vezes e a rescisão por mútuo acordo, que também é uma inovação da reforma trabalhista.
MidiaNews – Houve ainda mudanças quanto à contribuição sindical. Como isso modificou o cenário?
Valéria Baggio - A contribuição sindical passou a ser facultativa, não é mais obrigatória. O empregado precisa autorizar por escrito e o pagamento tem que ser diretamente ao sindicato pelo funcionário. Com isso, os sindicatos acabaram enfraquecendo e está tendo a necessidade de demostrar que ele realmente luta pelos funcionários, porque, infelizmente, a gente não conseguia ver isso com a contribuição compulsória.
MidiaNews - Uma das promessas da nova legislação era a diminuição dos índices de desemprego, e isso não aconteceu. Por quê?
Valéria Baggio - Em um primeiro momento, a reforma não teve o impacto que ela prometia, mas isso está ligado à questão da economia de um modo geral. Não depende só de uma reforma trabalhista. Recentemente, houve até uma medida provisória do Governo Bolsonaro estabelecendo a abertura das empresas aos domingos e feriados. Isso é uma tentativa de facilitar o aumento do número de postos de trabalho.
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