Único defensor público no julgamento livra 1º réu do mensalão
Entre advogados de renome, como Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, o destaque para o décimo dia de julgamento do processo do mensalão foi para um defensor público, que conseguiu livrar o primeiro réu do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros foram unânimes ao confirmar nesta quarta-feira a nulidade do processo contra o empresário Carlos Alberto Quaglia, permitindo que a ação seja retomada na Justiça de primeiro grau.
Quaglia era dono da corretora Natimar e, segundo a acusação, usava a empresa para lavar dinheiro do mensalão distribuído ao PP. O empresário começou o processo defendido pelo advogado Dagoberto Dufau, que deixou o caso em 2008, substituído pelo advogado Haroldo Rodrigues. Único defensor público a representar um réu do mensalão, Haman Córdova argumentou que a mudança foi anunciada durante um interrogatório da ação na Justiça Federal em Santa Catarina, mas que a troca de advogados não foi oficializada no processo. Por esse motivo, as testemunhas convocadas pelo novo advogado não foram ouvidas, deixando a defesa falha.
Os ministros concordaram que a defesa do réu foi cerceada. "Passou despercebido pela secretaria do STF esse caso. (...) O direito de defesa foi cerceado, como disse o defensor público", afirmou o revisor da ação penal, ministro Ricardo Lewandowski. Relator do processo, Joaquim Barbosa mudou de opinião e concordou que houve erro e que cabia retornar o processo à Justiça de primeira instância.
Dirigente máximo da Defensoria Pública no País, Haman Córdova assumiu o posto de defensor-geral federal em 2011, para um mandato que vai até 2013. A sua sustentação oral na última sexta-feira foi elogiada por especialistas em Direito e até pelo réu, um argentino que recorreu ao serviço da defensoria por alegar não ter condições de arcar com os custos de um advogado. "Já conhecia a Defensoria Pública e sempre fico admirado com isso de não cobrar nenhum centavo para defender o cidadão", disse Quaglia em entrevista ao Terra após a repercussão da atuação de Córdova.
Em sua sustentação oral, além de contrapor os argumentos que acusam o réu dos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, Córdova destacou que Quaglia tem 67 anos, mora em um bairro simples de Florianópolis (SC) desde que mudou da Argentina para o Brasil e que ainda enfrenta dificuldades financeiras.
Lula como réu
Outra questão preliminar apresentada pelo relator nesta tarde pedia a inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como réu no processo. A questão, que já havia sido discutida em decisões anteriores, foi rejeitada por todos os ministros da Corte. "O Ministério Público é o titular da ação penal. Mesmo que quiséssemos, não poderíamos arguir o procurador-geral da República a incluir um réu", justificou o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo.
Além disso, os ministros também votaram contra a preliminar que solicitava o impedimento do relator da ação, Joaquim Barbosa, feito pela defesa do empresário Marcos Valério, que alegou que o ministro teria antecipado mérito ao afirmar que Valério era "expert" em lavagem de dinheiro. Após isso, Barbosa criticou a conduta de outros defensores, que teriam feito ataques contra a sua pessoa em suas sustentações orais.
Segundo Barbosa, os advogados teriam pinçado trechos de entrevistas concedidas pelo ministro a jornais e distorcido suas palavras nas alegações finais apresentadas para a defesa dos reús Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg. "Segundo os reclamantes, todo juiz que não fizer o que o advogado de um deles quer que seja feito, que ouse discordar do posicionamento por eles defendido, deve ser taxado como parcial", disse ao solicitar aos demais colegas o encaminhamento de uma representação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra os defensores Antônio Sérgio Pitombo, Leonardo Magalhães Avelar e Conrado Almeida Gontijo. O pedido, no entanto, foi negado pelos demais ministros.
Com a rejeição da representação contra os advogados, Barbosa chegou a bater boca com os outros ministros e ainda lamentou a posição da maioria. "Cada País merece a Justiça que tem. Justiça que se deixa ameaçar por uma guilda já sabe o fim a que é destinado", disse.
Ainda nesta quarta-feira, os ministros voltaram a negar a preliminar que pedia o desmembramento do processo e também recusaram questão preliminar apresentada pelos advogados dos réus Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg para que o julgamento do mensalão fosse suspenso até a análise da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Barras de cereal proibidas
Na primeira etapa da sessão desta quarta-feira, advogados de três réus fizeram suas sustentações orais de defesa. Último a falar, Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, homenageou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por manter a independência do Ministério Público Federal (MPF), negou o mensalão e até disparou contra a proibição de comer uma barra de cereal dentro do STF. Ao dividir a defesa do publicitário Duda Mendonça e de Zilmar Fernandes com o colega Luciano Feldens, Kakay ainda criticou a atuação do procurador-geral da República. "O MPF tem o dever de acusar de forma precisa, de forma concisa, sem adjetivar. O primeiro direito do cidadão é ser bem acusado, é saber do que está sendo acusado", afirmou.
Quem abriu os trabalhos da tarde foi Roberto Pagliuso , advogado do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, que voltou ao STF para defender José Luiz Alves, ex-chefe de gabinete do titular da pasta. Pagliuso disse que o MPF cometeu um equívoco ao atribuir a Alves a conduta de 16 saques suspeitos. Alves admitiu apenas quatro saques do Banco Rural e alegou que o dinheiro foi usado para saldar dívidas da campanha de Adauto para deputado federal em 2002.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
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