Destruição & Descaso
Governo gasta só 6% da verba contra fogo em área de conservação Estudo mostra como conflitos fundiários e grileiros contribuem para avanço de incêndios em áreas de conservação
Apesar dos incêndios recorrentes na estação seca dos biomas, o Governo Federal gasta apenas 6% de sua verba destinada a controle de fogo em unidades de conservação em políticas preventivas.
A imensa maioria dos recursos — 94% — saem do caixa apenas quando as queimadas já começaram.
O estudo inédito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisou o número de brigadistas e o orçamento para incêndios florestais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entre 2012 e 2016 — último período em que os dados necessários à modelagem estavam disponíveis para os pesquisadores.
O levantamento considerou a situação da Amazônia e do Cerrado.
Em média, entre 2012 e 2016, a Amazônia teve 318 brigadistas e orçamento de R$ 1,55 milhão por ano para atuar em unidades de conservação (UCs) federais. Já no Cerrado, no mesmo intervalo, trabalharam 526 agentes com um gasto anual de R$ 2,7 milhões.
Nas áreas públicas da Amazônia, as ações dos brigadistas reduziram a área queimada dentro das unidades de conservação em mais de 63% em quatro das cinco regiões estudadas, em relação às UCs que não foram receberam socorro.
No Cerrado, a redução foi de 11,6%.
A diferença mostra a necessidade de investir em técnicas preventivas contra incêndios no Cerrado.
A melhor estratégia é conhecida como "fogo amigo" - a queima de vegetação rasteira (gramíneas) no final da estação chuvosa, evitando que ela contribua para a disseminação das queimadas durante a estação seca.
"Estamos literalmente apagando incêndios. Há locais onde ações de prevenção poderiam ser suficientes, como a Serra da Canastra, em Minas Gerais", descreve Britaldo Soares Filho, professor do Departamento de Cartografia da UFMG e coautor do estudo.
"Precisamos investir em inteligência territorial. É melhor do que esperar a chegada do fogo e gastar dinheiro com aviões para apagá-lo".
De acordo com Soares Filho, as unidades de conservação do Cerrado são repletas de problemas fundiários, porque muitas famílias que habitam a região foram desapropriadas durante a criação dos parques nacionais, mas ainda não indenizadas.
Os incêndios de origem criminosa são comuns, por exemplo, na Chapada dos Veadeiros, em Minas Gerais.
"Muitas pessoas provocam queimadas, como uma forma de vingança. Os brigadistas sabem quem são e onde estão estes incendiários, e enfrentam situações perigosas".
Para Aline Oliveira, autora principal do estudo e pesquisadora de Incêndios Florestais da UFMG, ao menos 90% do fogo no país é induzido pela ação humana — seja de forma criminosa ou incidental, ou seja, quando uma queima autorizada pelo Estado perde o controle.
"O Brasil não é um país propício a pegar fogo. A Amazônia é tropical e muito úmida. O Cerrado tem incêndios naturais, que são benéficos às espécies. Mas, nos últimos anos, vemos queimadas recorrentes que estão mudando o ecossistema, e assim a floresta vira pastagem", destaca.
CORTES - O levantamento permite comparar a situação preocupante vivida pelo ICMBio nos últimos anos, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro. Os cortes atingiram quase 60% em regiões fronteiriças da Amazônia, conhecida como o Arco do Desmatamento.
"Embora o país tenha começado a traçar uma política nacional para reduzir danos devido a incêndios florestais em 2017, os grandes cortes no Orçamento pararam com essas políticas", alerta a pesquisa da UFMG.
"Portanto, os resultados do estudo sugerem que o atraso do governo federal na contratação de brigadistas florestais do ICMBio em 2020 pode ter agravado a situação das queimadas observadas nos meses agosto e setembro".
Valéria Santos, membro da coordenação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, destaca que o bioma é um dos alvos do lobby pela flexibilização das normas ambientais.
Esta iniciativa, segundo ela, ganhou força no Congresso, durante o Governo Bolsonaro, cujo discurso diminui a gravidade dos impactos provocados por queimadas e atribui sua autoria a povos indígenas e quilombolas.
Ainda de acordo com Santos, a tragédia ambiental vista este ano já era esperada, considerando os severos incêndios observados em 2019.
No entanto, em vez de receberem infraestrutura para seu trabalho, brigadistas e bombeiros foram retirados de campo, dando ao avanço de atividades econômicas ilegais.
"Parte da expansão do fogo ocorre porque ele é usado por grandes pecuaristas para a limpa de pastagem. É a mesma prática investigada atualmente pela Polícia Federal no Pantana", destaca.
"Em maio e junho, vimos grileiros provocando incêndios para desflorestar unidades de conservação, como as chapadas dos Veadeiros e dos Guimarães. Há uma relação direta entre o desmatamento e os incêndios".
Santos, que também é agente da Comissão Pastoral da Terra, avalia que há poucos recursos para enfrentamento imediato destas ações e inquérito. A marginalidade não se restringe aos danos provocados diretamente ao bioma. De acordo com ela, há uma lista crescente de defensores de terras que já sofreram tentativas de assassinato devido aos conflitos fundiários.
PRIVADO - Além das ações do ICMBio, a UFMG também estudou a eficácia de brigadistas controladas pela ONG Aliança da Terra, que combate incêndios em 1.058 fazendas na Amazônia e no Cerrado.
Devido à ação do grupo, houve uma redução no risco de incêndios em 17% dos imóveis rurais analisados entre 2012 e 2016.
As terras privadas investem, em média, R$ 42 hectares por ano em manejo do fogo — o triplo do visto no Cerrado (R$ 14,09), e 30 vezes mais do que na Amazônia (R$ 1,35) para a mesma área.
Oliveira acredita que, apesar dos gastos, o resultado é tímido porque muitos fazendeiros atuam muito tempo com as queimas e não abrem mão deste método e seus territórios.
O incêndio de terras públicas têm gastos inflados pela falta de agilidade para o envio de brigadistas.
O ICMBio usa helicópteros cuja hora de voo custa até R$ 5 mil. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, despejou u um composto químico, chamado retardante de fogo, para conter as queimadas na Chapada dos Veadeiros.
O uso do produto é visto com ressalvas pelo Ibama, porque exigiria a suspensão de agua, pesca, caça e consumo na região atingida por até 40 dias.
O ministro planejou comprar 20 mil litros da substância para aplicá-la em outras unidades de conservação, mas recuou do plano, diante da repercussão negativa do caso na Chapada dos Veadeiros.
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