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Domingo - 22 de Agosto de 2021 às 08:14
Por: Michael Esquer/Olhar Direto

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Na última semana, a Secretaria Adjunta de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon-MT) anunciou a aplicação de multa de mais de R$ 3 milhões contra a companhia aérea Latam. O motivo, quatro infrações, uma delas envolvendo a família de Richard Malek Hanna, de 46 anos, em dezembro de 2020. Naquele dia, o que era um sonho, se tornou um pesadelo: ele e a esposa não embarcaram para a cidade de Pindamonhagaba, em São Paulo, porque o filho, Gabriel Vieira Malek Hanna, de 9 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), foi barrado porque não usava máscara.


“Foi um misto de impotência, de humilhação. Dá a impressão de que as leis para pessoas com deficiência não funcionam em lugar nenhum, que os conselhos, os órgãos responsáveis por defender os direitos da pessoa com deficiência não funcionam”, conta ao Olhar Direto o pai, ao relembrar a experiência que resultou na aplicação da multa contra a Latam.



A frustração do pai diz respeito, principalmente, à lei federal 14.019/2020, promulgada em julho do ano passado. O documento dispensou do uso de máscara pessoas com TEA, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências que as impeçam de fazer o uso adequado de máscara de proteção facial. Isto conforme declaração médica, que pode ser obtida por meio digital, bem como no caso de crianças com menos de três anos de idade.



“Era a primeira vez do meu filho indo viajar de avião. Era a primeira vez minha indo à praia. Era a primeira vez da família toda pegando férias para viajar. Teve toda uma preparação, ele [o filho] levantou de manhã, tava todo feliz, ai o que aconteceu. Quando a gente chegou lá, [os agentes da Latam] falaram que desconheciam, que não sabiam da lei, que não haviam sido comunicados”, comenta Malek.



Pai diz que direitos do autista são pouco divulgados. (Foto: Rogério Florentino)


Hipersensibilidade do autista



A hipersensibilidade é um dos sintomas do autismo que, apesar de não ser uma regra para todos os casos de TEA, se manifesta em diferentes graus dependendo de cada indivíduo. No caso da família Malek, essa característica apareceu muito cedo no filho, Gabriel: quando ele ainda se amamentava na mãe.



Se as mães e os pais não colocarem a sua voz para ser ouvida dessa forma que a gente fez, nunca vão ser ouvidos.

“Ele tinha muita sensibilidade tátil. Para ele amamentar a gente teve que comprar um bico de silicone. Ele só mamava no peito através do bico de silicone, ele não conseguia colocar pele com pele. Ele não vinha no meu colo sem camisa, tinha que vir [quando eu estava] com a camisa toda fechada, inclusive nos braços”, relata Malek.
Esse comportamento foi o estopim para que a família procurasse apoio profissional na Associação de Pais e Amigos do Excepcionais (APAE), em Cuiabá. Lá, ele e a esposa foram orientados a procurar o Centro de Apoio Psicossocial Infantil (Capsi), onde o filho do casal teve o diagnóstico de autismo e iniciou o acompanhamento médico.



Com a chegada da pandemia, o pai relembra que a família já suspeitava que Gabriel não conseguiria usar a máscara, devido a sua condição de hipersensibilidade. Diante daquela situação no Aeroporto Internacional Marechal Rondon, ele e a esposa, que faleceu no começo do ano vítima da Covid-19, ainda tentaram convencer o filho de utilizar o item, porém, sem sucesso.



"Quando a gente passava a mão no cabelo dele, quando colocava um boné, ele não gostava, nada que ficasse assim, por exemplo o travesseiro, ele não gosta porque encosta no rosto”, diz Malek. “O da máscara a gente sabia já que ele não ia usar. Tentamos várias vezes, continuamos tentando fazer com que ele use a máscara, mas não dava“.



Malek e a esposa tiveram o diagnóstico de Gabriel quando ele ainda tinha um ano. (Foto: Arquivo Pessoal)


Intervenção do Procon



De acordo com o pai, era 15 de dezembro, quando a família se dirigiu até o Aeroporto Internacional Marechal Rondon, para embarcar em um voo direto que tinha como destino a cidade de Pindamonhangaba. Com receio de que fosse enfrentar algum atrito com a companhia aérea, Malek chegou a ligar para a Latam uma semana antes, para informar sobre a situação, onde recebeu uma resposta positiva.



Naquela terça-feira, porém, diferente do que foi dito por telefone, a companhia não permitiu que seu filho embarcasse. “Quando chegou para embarcar, eu falei [sobre a situação], apresentei o laudo, apresentei a lei, a moça lá no balcão disse que eles desconheciam a lei. Aí eu perguntei pra ela onde estava o protocolo e ela disse que isso estava escrito no site”, conta.



Malek e a esposa, então, ligaram para a Polícia Militar, que não compareceu no aeroporto. Sem respostas, o casal foi até a sede da Polícia Federal do campo de aviação. Na corporação, eles foram informados de que deveriam acionar a Secretaria Adjunta de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon-MT).



Uma equipe de representantes da pasta imediatamente se dirigiu até o local e teve início ali, uma luta que terminou recentemente, com a condenação a multa de R$ 3.192.300,00 milhões da Latam, que respondeu por três processos no Procon-MT. Ainda naquele dia, entretanto, após muita insistência, a companhia aérea entendeu que o que a família exigia era o cumprimento de uma lei federal que eles não haviam compreendido.



Segundo Malek, na madrugada do dia seguinte, uma quarta-feira, a família embarcou em outro voo. Desta vez, com um tratamento completamente diferente do que eles haviam recebido no dia anterior. Apesar disso, o estresse já havia sido causado e, sobretudo, uma cicatriz que sempre acompanhou a família, e que é muito comum para aqueles que possuem filhos autistas: a humilhação para fazer valer um direito garantido.



“Total falta de divulgação.”, conta Malek. “Já é difícil com a lei escrita, [mas] se não tiver alguém que vai lá e aplique ele, que entregue a lei, que chegue lá e fala ‘assine esse documento aqui que você tá sabendo da lei e você tem a responsabilidade’, [fica pior]”, pontua o pai ao destacar a falta de promoção pelo Poder Público dos direitos do autista na sociedade brasileira.



“Vitória pra mim seria eu não precisar chamar o Procon”



“Se as mães e os pais não colocarem a sua voz para ser ouvida dessa forma que a gente fez, nunca vão ser ouvidos. O que seria a vitória pra mim? Seria eu não precisar chamar o Procon, não precisar chamar a polícia, não precisar entrar com ação de nada”, conta o pai ao reconhecer o marco da ação contra a Latam para a comunidade autista. Com a ressalva, porém, de que uma conquista maior ainda seria nunca ter tido a necessidade de acionar meios jurídicos para tal finalidade.



Para ele, enquanto pai de um filho autista, o Poder Público, apesar de recentes avanços, ainda tem uma atuação sintomática e pouco efetiva no que se refere aos direitos da pessoa com TEA. “Não tratam a causa, eles vão lá e só tratam o efeito”, diz ele referindo-se ao fato de que a experiência ruim atravessada com o filho não teria ocorrido caso existisse uma ampla campanha de conscientização sobre o tema.



Para os pais de filhos autistas, assim como ele, a mensagem que ele deixa é: “Não desanima não, porque se você for atrás e a pessoa falar um não pra você e você aceitar, qualquer lugar que você for você vai receber um não. Eu já passei por isso. Procure órgãos que façam a coisa acontecer, procure o Procon, bata na porta das associações se você for associado, vá direto no Coned [Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência] se for preciso ”.



O aprendizado dessa experiência para o filho, por sua vez, Malek sintetiza na necessidade de ter força para cobrar os seus direitos enquanto pessoa. Em uma frase breve endereçada à Gabriel ele enfatiza: “Sempre ande de cabeça erguida, sempre levantando a cabeça em todos os desafios que tiver, porque o desafio que você vai enfrentar quando adulto, não são os mesmos que você está enfrentando quando criança, e quando alguém fechar a porta pra você, três portas vão se abrir”.





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