Senado derrota governo e rejeita pacotão trabalhista A medida foi alvo de críticas dos senadores, não só pelo pouco tempo para discussão das ações, mas também pelo risco de fragilização da CLT
O Senado impôs uma derrota ao governo e rejeitou por 47 a 27 o pacotão de medidas trabalhistas que eram a aposta da equipe econômica para impulsionar a geração de empregos. A medida foi alvo de críticas contundentes dos senadores, não só pelo pouco tempo para discussão das ações, mas também pelo risco de fragilização das relações trabalhistas mediante a possibilidade de contratação sem carteira assinada. Lideranças do MDB e do PSD, os dois maiores partidos do Senado, defenderam a derrubada do texto.
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) apresentou parecer favorável à aprovação da medida provisória 1.045, que reinstituiu o programa que permite redução de jornada e salário ou suspensão de contratos na pandemia. A versão do texto, que já tinha sido aprovada na Câmara dos Deputados, tornava a política permanente em períodos de calamidade pública e ainda previa a criação de outras três políticas para incentivar a geração de empregos. Para vencer resistências entre os próprios senadores, Confúcio disse que excluiu todos os dispositivos inseridos pela Câmara e que buscavam fazer alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado / Estadão
Senado derrota governo e rejeita pacotão trabalhista que permitia contratação sem carteira assinada
Os "jabutis" (matérias estranhas ao texto) incluíam mudanças em horas extras de categorias profissionais como professores, advogados e jornalistas, ampliação da carga horária de mineiros e mudanças na assistência judiciária gratuita a trabalhadores. "As mudanças na CLT serão objeto de projeto de lei a ser apresentado pela Câmara", disse Confúcio.
Embora tenha afastado os jabutis, o relator acatou a criação dos novos programas de emprego e defendeu as medidas como iniciativa para ampliar a empregabilidade de jovens. Os senadores, no entanto, rejeitaram esses três novos programas.
O texto previa três programas: o Priore, que queria desonerar a contratação de jovens de 18 a 29 anos e pessoas com mais de 55 anos, o Requip, que concedia bolsas de qualificação para os profissionais mais jovens ou aqueles que estão há muito tempo fora do mercado de trabalho, e o serviço social voluntário, pelo qual prefeituras terão flexibilidade para absorver mão de obra jovem ou com mais de 50 anos.
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), declarou voto contrário ao texto. O MDB é dono da maior bancada no Senado, com 16 senadores. A declaração surpreende, já que Confúcio, relator da MP, é membro do MDB.
Braga disse não ter confiança de que a Câmara manteria o texto acordado com o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que se comprometeu pela aprovação do parecer com a retirada de todos os trechos que alteravam a CLT. O problema é que a Câmara tem ignorado todas as mudanças propostas por senadores em medidas provisórias e retomado o texto inicialmente aprovado pelos deputados.
"Nenhum senador da República neste plenário quer tirar direitos do trabalhador. Queremos, sim, um amplo debate para modernizar as leis trabalhistas, mas não para tirar direito do trabalhador", afirmou. "O Senado como casa revisora não consegue dar um passo à frente. Isso é grave."
Braga afirmou que o PSD, dono da segunda maior bancada do Senado, com 11 senadores, também se posicionou contra qualquer reforma trabalhista que seja feita por meio de medida provisória, o que seria "um atalho sem debate nacional". A posição contrária do PSD havia sido colocada pelo vice-líder da legenda na Casa, senador Omar Aziz (AM).
Vestindo uma camiseta com a frase "sem emprego e renda não há dignidade", o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou um requerimento para excluir os novos programas do texto, alegando que também são "jabutis" e não têm pertinência com a medida originalmente proposta. A proposta, no entanto, foi rejeitada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Paim questionou ainda a ausência de discussão aprofundada sobre as medidas. "Todos estão dispostos a discutir os programas, mas queremos conhecer, aprimorar", afirmou. O senador acrescentou que ninguém sabe ao certo como funcionarão, por exemplo, as bolsas de incentivo à inclusão produtiva (BIP) e à qualificação (BIQ).
"O que é BIQ? Não sei, vou ter que ver... me lembrou a caneta", disse Paim, em referência à marca de caneta Bic. "Não dá para votar uma matéria nesses moldes. Colocaram jabuti, sucuri, sei lá mais o que colocaram nessa medida provisória".
Aliado do governo, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) apoiou o adversário político. "O Priore tudo bem. Ainda que haja alguma redução de direitos, é o primeiro emprego", disse. "Mas eu não consigo entender o Requip, porque a demanda é a mesma (de público alvo), só que pega esses meninos que estão há dois anos sem carteira e não dá direito nenhum, muito menos assinatura na carteira. Quatro anos depois vai terminar o Requip e não vai ter anotação na carteira de trabalho. Ele não vai encontrar emprego em lugar nenhum, vai empurrar o problema com a barriga", criticou Portinho. Ele sugeriu que, como os jovens podem ser contratados pelos dois programas, o Requip vai "matar" o Priore, pois o empresário escolherá a opção sem necessidade de assinar carteira.
O senador Lasier Martins (Podemos-RS) também teceu críticas e chamou a inclusão dos programas de "contrabando legislativo". Integrantes da oposição, os petistas Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Rocha (PT-PA) chamaram as iniciativas de "jabutis", como são apelidadas as matérias estranhas ao texto original.
"Tem jabuti do tamanho de jacaré. E jacaré morde, morde direitos trabalhistas", afirmou Prates. "Colocaram jabuti, sucuri, sei lá mais o que colocaram nessa medida provisória", disse Rocha.
O senador Otto Alencar, que preside a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, defendeu que a medida perca validade. O prazo para a votação é 7 de setembro. Ele explicou que, mesmo que Senado retirasse os temas polêmicos, não haveria garantias de que permanecerá assim na Câmara. O temor é que os deputados voltassem a incluir os programas e outras mudanças na CLT.
"Não confio que a Câmara vá acatar o que for aprovado", disse Alencar. "Na Câmara, é confiar desconfiando. Serão recolocados todos os temas que forem retirados", afirmou o senador, que classificou os programas de "carteira verde e amarela disfarçada", em referência à política defendida por Guedes. "Minha posição é totalmente contra, e não tem que ter nem impugnação, essa MP tem que caducar", defendeu.
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