Pantaneiros ficam de fora das discussões sobre o Estatuto do Pantanal Debates foram conduzidos por biólogo, juristas, advogados, engenheiros e professores, deixando de lado os moradores da região
Os produtores rurais do Pantanal Mato-grossenses dizem que não foram chamados para participar de forma efetiva das discussões relativas ao projeto de Lei nº5.482/2020, que pretende instituir o novo Estatuto do Pantanal. Na quarta-feira (10) iniciou-se a Conferência sobre o tema na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, mas nenhuma das organizações vinculadas aos setores produtivos ou que representem o homem pantaneiro foi convidada a compor as mesas de debate.
Na programação, estavam na liderança das mesas 19 especialistas de diferentes áreas como biólogo, juízes de direito, advogados, engenheiros (agronomia e florestal), professores e a desembargadora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Porém, mais uma vez o povo pantaneiro foi ‘descartado’.
Vale lembrar que as novas regras vão impactar diretamente a rotina das propriedades, das pessoas que moram no local, bem como do desenvolvimento da pecuária, que tem uma tradição de mais de 300 anos.
Para o presidente do Sindicato Rural de Poconé, Raul Santos, o pantaneiro está invisível e foi desconsiderado como parte do ambiente físico e integrante dos grupos de comunidades tradicionais.
Santos lembra que no mês de outubro, a minuta do projeto foi encaminhada a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e, na ocasião, o texto passou por uma série de avaliações técnicas e algumas contribuições foram formalizadas ao autor do projeto, o senado Wellington Fagundes (PL).
Contudo, quase nada foi aproveitado e ainda houve a inserção de trechos que comprometem ainda mais a atividade, que passa por uma situação de crise, que está materializada nas inúmeras áreas abandonadas pelos donos, que não tiveram condições financeiras de mantê-las.
Os espaços são hoje um complicador do combate aos incêndios no Pantanal por conta do abandono, da dificuldade de acesso e já houve muitas tentativas junto ao poder público de se criar políticas públicas para a retomada.
Porém, além dos custos de operação, causados pela falta de infraestrutura logística, e das limitações legais, como as regras rígidas para limpeza de pastagens, uso controlado do fogo e plantio de novas gramíneas, os pantaneiros precisam conviver com a falta de escolas e atendimento em saúde, o que causa o esvaziamento e envelhecimento das comunidades tradicionais.
Santos ainda lembra que o pantaneiro é um dos grandes responsáveis pela preservação do bioma e a comprovação disso foi o período de estiagem, que este ano teve uma redução no número de focos em mais de 80%.
Uma parceria firmada entre governo do Estado, Municípios e proprietários de áreas resultou na força-tarefa de grande eficiência. “Os pantaneiros fizeram cursos e voluntariamente transformaram-se em brigadistas. Eles fizeram ações custeadas por eles mesmos e deram todo o apoio aos agentes públicos que atuavam no combate”, ressalta.
Para os proprietários rurais, segundo Santos, o Estatuto do Pantanal pode tanto representar um apoio no desenvolvimento do pantanal, como um pontapé para o esvaziamento total da área, o representaria o fim da cultura pantaneira.
“Não há condições de se discutir o futuro do pantanal sem ouvir quem está aqui. Queremos poder mostrar como é a realidade diária e apresentar nossas propostas. Reivindicamos ter visibilidade por conta da nossa importância para a preservação do bioma e porque seremos os mais afetados pelas resoluções”, finaliza.
Pantaneiros dizem ser negligenciados pelos políticos
O Pantanal Mato-grossense integra 15 municípios – Barão de Melgaço, Cáceres, Cuiabá, Curvelândia, Figueirópolis D’Oeste, Glória D’oeste, Ititquira, Jucimeira, Lambari D’oeste, Mirassol D’oeste, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Porto Esperidião, Santo Antônio de Leverger e Várzea Grande. Todas as áreas juntas têm um rebanho estimado de 3,8 milhões de cabeças, segundo os dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
A presidente do Sindicato Rural de Cáceres, Ida Beatriz Machado, disse que foi surpreendida pelo evento e que foi informada por uma notícia, a qual teve acesso pelo whatsapp. Ela acredita que a ausência dos produtores mostra a omissão do poder público em relação a quem mora na região e é dona da terra.
Por mais que nem todos os espaços sejam empregados em atividades produtivas, Ida lembra que mais de 90% de todo bioma Pantanal está dentro de uma propriedade privada, dos mais diversos portes. “Eu acredito que todos são relevantes para discussão, principalmente a Embrapa, que sempre está junto de nós. Mas, não dá para o morador da área ficar de fora”, argumenta.
Segundo Ida, os pantaneiros são favoráveis a mudanças na legislação e a construção de um protocolo adequado e exequível para o uso das áreas dentro do Pantanal. Porém, este material deve ser construído em conjunto com a população que está aqui dentro e suas comunidades tradicionais.
“Se os moradores locais não são chamados para debater em um evento aqui. Logo teremos políticos de fora, que não conhecem a nossa realidade, querendo legislar e tomar decisões em nossa casa”, acrescenta.
A presidente do sindicato explica que a pecuária pantaneira não pode ser comparada com de outras por conta das suas peculiaridades trazidas pelos períodos alagados e estiagem, bem como os laços afetivos construídos entre os moradores por conta das dificuldades.
“Ainda temos regiões que ficam isoladas por 6 meses e que chegamos para levar mantimentos de barco ou de avião. Família que acabam compartilhando as dificuldades, alegrias, religiosidades e cultura”, descreve.
Tanto os representantes dos sindicatos de Cáceres como de Poconé defendem que sem a participação dos pantaneiros, o tão esperado Estatuto do Pantanal irá “sacramentar” o fim das comunidades pantaneiras.
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