Assaí Atacadista não poderá limitar ida de empregados ao banheiro Liminar obtida pelo Ministério Público do Trabalho em Rondonópolis estabelece multa caso a empresa descumpra a decisão judicial e continue restringindo o uso do banheiro pelos empregados
O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Mato Grosso obteve liminar em face do Assaí Atacadista (Sendas Distribuidora), rede de atacado de autosserviço com quase 200 lojas em todo o Brasil, para impedir que a empresa continue restringindo a ida de empregados ao banheiro. A decisão, válida para as unidades de Rondonópolis, é do dia 26 de novembro. A Justiça do Trabalho atendeu ao pedido do MPT e fixou multa de R$10 mil por cada obrigação descumprida.
Além de não poder restringir o uso do banheiro pelos seus empregados — permitindo que saiam de seus postos de trabalho a qualquer momento da jornada para satisfação de suas necessidades fisiológicas, independentemente da quantidade de vezes e do tempo necessários, sem repercussão sobre suas remunerações ou avaliações —, a empresa não poderá exigir que os funcionários dependam de autorização dos supervisores, de filas ou listas de espera. Também não poderá exigir compensação pela carga horária referente às pausas.
O MPT ajuizou a ação após apurar denúncia encaminhada pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de Rondonópolis noticiando irregularidades trabalhistas. Em julho deste ano, no curso do inquérito, foi expedida uma notificação à empresa, contendo recomendações para evitar condutas que poderiam caracterizar assédio moral, e designadas audiências administrativas para a oitiva de ex-empregados, escolhidos aleatoriamente.
Os depoimentos colhidos demonstram que a empresa cria entraves para liberar o uso do banheiro. Os óbices impostos para a liberação dizem respeito à prévia autorização (e não mera comunicação), momento oportuno, quantidade de vezes por dia e tempo de uso.
No curso da investigação, o Assaí manifestou desinteresse em assinar Termo de Ajuste de Conduta, afirmando que a conduta se enquadra no poder diretivo da empresa. O MPT, por sua vez, defendeu que a necessidade de prévia autorização e o controle de vezes e de tempo que se pode despender no banheiro caracterizam abuso desse poder, bem como ofensa à dignidade, à liberdade, à intimidade e à integridade física e psíquica do trabalhador.
Testemunhos
Uma das testemunhas ouvidas pelo MPT, que trabalhou por dois anos nas funções de empacotador e operador de caixa, confirma que, para ir ao banheiro, precisava pedir autorização para sua chefia, sendo orientada a ir apenas duas vezes durante o expediente, por não mais de cinco minutos.
Outra testemunha, ex-operadora de caixa, também confirma as restrições. Ela conta que chegou a trabalhar com a calça suja, durante o seu período menstrual, por não poder ir ao banheiro. Relata, inclusive, que já chegou a utilizar seu horário de almoço para trocar de roupa em casa, por estar suja. Segundo a ex-funcionária, havia receio de sofrer advertência caso fosse muitas vezes ao banheiro e que, para fazê-lo, precisava acender a luz e aguardar a autorização da fiscal.
“O poder diretivo do empregador é inconteste, mas não ilimitado. Isso quer dizer que, embora o empregador disponha do direito de organizar o funcionamento da empresa, estabelecendo regras e diretrizes de atuação para o coletivo e para cada um dos trabalhadores, tal direito não é absoluto, encontrando limite em outras regras do ordenamento jurídico e, especialmente, no rol dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados”, ressalta o MPT.
Segundo o órgão, o exercício pelo empregador, de forma abusiva, do seu poder diretivo, com a utilização de práticas degradantes, caracteriza a violação dos direitos de personalidade e da própria dignidade da pessoa humana. “Pela simples condição humana, o trabalhador está revestido de uma série de direitos e garantias, de modo a preservar a sua dignidade, dentre os quais a garantia de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante.”
O MPT também aponta os riscos à sua saúde física pelo não atendimento de necessidades fisiológicas impostergáveis. “A literatura médica aponta que conter a urina por longo período pode gerar cistite e outros problemas fisiológicos, não podendo os trabalhadores consentirem com o possível comprometimento de sua saúde.”
Na decisão liminar, o Juízo da Vara do Trabalho de Rondonópolis asseverou que “inexiste qualquer dúvida sobre a obrigação do empregador de garantir a saúde, a dignidade, a integridade física e moral dos seus empregados dentro do ambiente de trabalho (...) e, nesse sentido, enquadra-se o direito de usar o banheiro, sempre que necessário, sem qualquer restrição ou necessidade de permissão”.
O MPT aguarda a decisão final e a análise do pedido de condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.
ACPCiv 0000456-79.2021.5.23.0023
Comentários