Projeto oferece sessões de psicanálise a moradores de rua A clínica funciona nas instalações e com apoio do Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (MISC)
Um projeto no Centro Histórico de Cuiabá tem oferecido apoio psicológico a moradores de rua. Trata-se do "Psicanálise na Rua", que funciona no Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (Misc).
A clínica atende normalmente de cinco a dez pessoas por semana. Os pacientes que procuram normalmente buscam o atendimento pelo próprio Misc, ou através do conhecimento do trabalho pelo Fórum Pop Rua, quando é oferecido o serviço nas ruas.
“A ideia era poder fazer a psicanálise ocupar espaços sociais com pessoas que precisam efetivamente se tratar pela via da palavra para poder sair de seus ‘abismos’”, conta a psicanalista Adriana Rangel, fundadora e coordenadora do projeto.
A iniciativa nasceu em 2016 a partir da pesquisa de doutorado de Adriana e se tornou extensão da UFMT em 2017.
“Percebi que existia um movimento de rapazes e mulheres em situação de rua, que viviam ali no Beco do Candeeiro (onde antes funcionava o projeto). E aí eu botei um papelão no chão, levei um chá, uma bolacha e comecei um trabalho de aproximação e escuta”.
No âmbito da pesquisa de doutorado, Adriana conta que sua hipótese inicial foi desfeita.
“Eu fui para pesquisa buscando encontrar uma ‘droga-dependência’ e encontrei a segregação da expropriação capitalista. O que existe na rua é uma massa de desempregados e não uma massa de ‘noiados’. É a primeira coisa que leva a segunda e não o contrário”, diz.
Nesse ano o projeto realiza uma parceria com a Secretaria Municipal de Esporte, Cultura e Lazer (Secel).
“O resultado disso foi trazer uma visibilidade para o povo da rua, começar a discutir com eles as questões que atravessavam eles, e discutir essas questões inclusive numa perspectiva coletiva”, aponta.
Em alguns casos dos atendimentos, quando algum paciente solicita algum remédio, ou fica excessivamente agitado, em surto ou à beira de um, são feitos encaminhamentos para médicos psiquiatras.
Em casos de agressão recente, doença grave contagiosa ou crônica, o encaminhamento não somente é feito como também pode haver a condução de alguns pacientes.
Dois locais que receberam recentemente pacientes do projeto foram a Policlínica do Planalto e a UPA Morada do Ouro. O Caps de Várzea Grande também acompanha, psiquiatricamente, os pacientes.
“A luta do projeto se alinha muito a luta antirracista também, porque temos que entender que os sujeitos que estão na rua são negros, e que os negros têm um lugar diferente mesmo na rua", diz Gabriela Rangel, psicanalista que participa do projeto.
“É preciso conhecer a História brasileira para saber porque são negros que estão onde estão e parar de ter uma ideia individualista e profundamente racista de que ‘não dei certo porque sou um lixo’”.
Um caso que chamou muito a atenção da equipe de psicanálise foi o de uma mulher que deu à luz em condição de rua e teve seu bebê levado pelo Estado.
Segundo relato, após levarem o bebê, nenhuma assistência psicossocial foi oferecida a moradora de rua, nem mesmo disseram a ela para onde levariam a criança, ou deixaram algum contato.
Após o episódio, ela passou a andar totalmente nua na rua, além de reproduzir cenas sexuais.
“As pessoas pensam que ela está delirando, mas está repetindo o que houve com ela. Sem poder falar, ela encena o que viveu", diz Adriana.
“As pessoas pensam que a pessoa surta por causa do uso de drogas, mas é a violência que faz surtar".
O projeto está atualmente em colaboração com o Ocupação Psicanalítica, coletivo que reúne UFMG, UFRJ e UFES que nacionalmente articula coletivos que tratam em e de clínicas de bordas.
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