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Agronegócios
Segunda - 23 de Janeiro de 2023 às 07:19
Por: Eduardo Gomes/Diário de Cuiabá

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Mayke Toscano
O agrônomo Hortêncio Paro há mais de 40 anos ensaia o cultivo do trigo em MT
O agrônomo Hortêncio Paro há mais de 40 anos ensaia o cultivo do trigo em MT

Forças ucranianas lutam desesperadamente para conter o avanço russo em seu território parcialmente ocupado desde fevereiro de 2022. Enquanto a guerra deixa rastros de sangue, dor e luto naquele país, Mato Grosso, do outro lado do mar Negro, do Mediterrâneo e do Atlântico, em paz e distante 11 mil quilômetros, prepara-se para literalmente entrar em campo na expectativa de produzir trigo, inicialmente para cobrir parte da demanda interna por aquele cereal, do qual a Ucrânia é o oitavo produtor mundial e grande exportador – e mais tarde para mostrar ao mundo sua vocação de exportador. Entre um míssil de Moscou acertando o alvo e outro derrubado pela defesa antiaérea, entre tiros, mortes e sepultamentos, o país invadido resiste, mas perde a capacidade de cultivar suas lavouras. Importante polo da política de segurança alimentar mundial, o agronegócio mato-grossense entra em cena, disposto a subir de duas para três lavouras na mesma área em um ano. "É uma boa aposta", observa o agrônomo Hortêncio Paro que há mais de 40 anos ensaia o cultivo daquele cereal.


Líder nacional na produção de algodão, milho e soja, Mato Grosso vê no trigo a terceira lavoura anual, dentro do calendário agrícola, sem prejuízo ao cultivo da leguminosa, e da rotação de culturas com algodão ou milho. A chamada lavoura três em um, defendida por Paro completa-se com o trigo irrigado, semeado em maio e colhido em setembro, período que coincide com o vazio sanitário da soja em razão da ferrugem asiática. O mesmo ciclo é adotado com trigo de sequeiro.

A incorporação do trigo será um dos mais importantes avanços do agronegócio mato-grossense. O Brasil consome anualmente 12 milhões de toneladas (t) do cereal e produz cerca de 5 mi/t fora de Mato Grosso. A nova lavoura, na avaliação de Paro, no primeiro momento, não zeraria a importação nacional, mas algumas safras depois, sim.

Para ganhar escala de produção em Mato Grosso o trigo terá que contar com a adesão de produtores que possam cultivá-lo com irrigação ou em lavouras de sequeiro. A primeira depende de pivôs. Paro estima que Mato Grosso tenha 150 mil hectares irrigáveis por pivotamento, dos quais 40 mil em Primavera do Leste, onde de olho do trigo um grupo criou a Associação dos Irrigantes de Primavera do Leste e o prefeito Leonardo Bortolin aposta todas as fichas na ampliação do leque de produção agrícola.

Em Primavera o trigo não é novidade, muito embora sua produção seja modesta. A família Borghetti o cultiva há algumas safras na fazenda Sandra e sua produção é escoada para Rio Verde (GO), por falta de moinho em Mato Grosso.

Paro explica que o emprego do pivô no cultivo do trigo deve ser feito em áreas com altitude inferior a 600 metros acima do nível do mar, e que além desse referencial a lavoura deve ser de sequeiro. Mesmo com Mato Grosso caracterizado pela grande depressão do Pantanal, onde há altitude inferior a zero em relação ao nível do mar, existem extensas regiões agricultáveis em Alto Taquari, Chapada dos Guimarães e no chapadão entre Alto Garças e a Serra da Petrovina (de Pedra Preta) acima de 600 metros, o que permite bons resultados nas lavouras de trigo. Segundo a Embrapa, a média nacional de produtividade com irrigação é de 5.000 kg/ha, e de 3.500 kg/ha para o cultivo de sequeiro.

Mato Grosso, até então, nunca demonstrou grande interesse no cultivo do trigo, pelo qual Paro bate cabeça desde os anos 1970. O bom desempenho das lavouras tradicionais nunca motivou a inclusão daquele cereal no sistema produtivo. Porém, o cenário mundial leva o agronegócio a correr contra o relógio. A última safra colhida pela Ucrânia, de 26,5 milhões de toneladas de trigo, foi 26% menor do que a anterior. Além da queda na produção, o presidente Volodymyr Zelensky denunciou na ONU que a Rússia teria saqueado parte de sua produção e a levado numa ação que Zelensky qualificou como crime de guerra e pediu investigação internacional.

Mesmo com o até então desinteresse mato-grossense pelo trigo, Paro nunca desistiu de sua produção no cerrado. Ele destaca que seu primeiro experimento foi em Chapada dos Guimarães, no ano de 1979. Acrescenta que em experimentalmente cultivou 50 ha de trigo na fazenda Sossego, de Lino José Ambiel, em Nova Mutum, a uma altitude de 420 metros e que a produtividade alcançou 70 sc/ha o correspondente a 4.200 kg/ha.

A agricultura que Mato Grosso desenvolve lhe permite cultivar trigo. Além disso, existem áreas para tanto e espaço no calendário agrícola, muito embora o Estado não tenha política setorizada para o cereal, que nunca ganhou o centro das atenções e que viu o esvaziamento da Comissão Técnica do Trigo na Assembleia Legislativa.

Por injunções internacionais o trigo cai no colo do produtor mato-grossense, que para abraçar sua cultura terá que fazer investimento e contar com apoio da política agrícola. Investimento por conta da aquisição de máquinas e implementos, em alguns casos, e da contratação de mão de obra. Um investimento assim exige logística de transporte para escoamento e mercado garantido. O mato-grossense ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que acaba de assumir o cargo torna-se peça-chave nesse contexto; Fávaro além de produtor rural presidiu entidades classistas do sistema produtivo. Porém, parte do agronegócio que apoia o ex-presidente Jair Bolsonaro questiona a nomeação de Fávaro. Enquanto o calendário agrícola avança, maio, que é a época da semeadura do trigo, se aproxima, parte dos produtores continua lambendo feridas políticas e a lavoura que se anuncia fica em segundo plano.

Moisés Sachetti, que opera uma corretora de commodities e produz, acende a luz para a disparada dos preços internacionais dos produtos agrícolas por conta da guerra na Ucrânia e da recentemente anunciada previsão da redução da área cultivada com milho, soja e algodão nos Estados Unidos. Sachetti observa que a União Europeia ainda tem 'gordura' de estoques de trigo e milho, mas que em breve será necessária a reposição e os olhares dos importadores se voltarão para o Brasil e a Argentina; o excedente do milho brasileiro para consumo interno terá mercado internacional garantido e os preços serão elevados, e paralelamente o pãozinho terá preço mais salgado pelo efeito em cascata de guerra na Ucrânia, que atinge em cheio os fertilizantes que Mato Grosso importa da Rússia e outros países.

Sachetti teme que o mundo enfrente uma crise violenta por falta de alimentos por conta da guerra na Ucrânia e a incapacidade de o produtor atender à demanda mundial. Segundo ele, Mato Grosso pode ocupar um bom nicho de mercado do trigo, independentemente de crise mundial ou não. Sachetti tanto defende a terceira safra, com o trigo, quanto a substituição do milho por esse cereal. Lembra que Cristalina e Luziânia (GO) formam um polo triticultor com excelente média de produtividade, o que pode se repetir em Mato Grosso tanto pelo cultivo irrigado quanto pela lavoura de sequeiro.

O senhor 'trigo"

Agrônomo formado pela Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, pesquisador, extensionista, incansável, Hortêncio Paro trabalha em Mato Grosso desde 1972, pois naquele ano ao trocar o Paraná, onde vivia, por uma experiência no Centro-Oeste, desembarcou em Fátima do Sul, que mais tarde passaria a pertence a Mato Grosso do Sul. Ainda naquele Estado desmembrado do território mato-grossense, Paro trabalhou em Dourados e Três Lagoas. Em 1976, a Associação de Crédito e Assistência Rural de Mato Grosso (Acarmat) o levou para seus quadros de pesquisadores, em Cuiabá.

Mal chegou, a Acarmat foi extinta, nascendo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Mato Grosso (Emater), empresa pública, vinculada ao governo estadual, Em 1992, a Emater foi engolida pela Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), que nasceu da fusão da Emater com a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Empa) e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola (Codeagri). Oriundo da Emater, Paro acompanhou as mudanças nas empresas e permaneceu nos quadros da Empaer até a aposentadoria em 2021.

De Cuiabá, Paro entrou em cena para criar a cultura da soja em Mato Grosso. Foi ele quem trouxe os primeiros cultivares, desenvolvidos pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). O primeiro agricultor assistido e orientado foi o pioneiro no cultivo da soja mato-grossense, Adão Riograndino Mariano Salles, da fazenda São Carlos, em Rondonópolis, e a primeira safra comercial em 1977.

Desde que chegou, Paro nunca descansou um dia sequer. Esteve presente em todas as regiões, difundindo a soja e outras lavouras. Quando Munefumi Matsubara resolveu cultivar a leguminosa abaixo do Paralelo 13, na fazenda Progresso, em Sorriso, Paro estava ao seu lado.

A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) sempre foi um de seus destinos. "Sempre colaborei com ela (UFMT), mas nunca fui seu professor formalmente", revela com naturalidade.

Reconhecido nos meios dos produtores e entidades rurais, Hortêncio Paro, 79 anos, é paulistano de berço, mas Cidadão Mato-grossense pela Assembleia Legislativa. Caso esqueçam seu nome, podem chamá-lo de Senhor Trigo.





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