Cinzas no rio: cientistas investigam como incêndios afetam a água no Pantanal Pesquisadores percorrem lagoas remotas em barcos-laboratório para entender o impacto das queimadas na qualidade da água e na vida aquática
Um estudo realizado dentro do Parque Nacional do Pantanal está abrindo uma nova frente de investigação científica: o monitoramento dos efeitos das cinzas deixadas pelos incêndios florestais nos rios, lagoas e baías do bioma. A pesquisa busca compreender como a fuligem acumulada nos corpos d’água está alterando a qualidade da água e, consequentemente, afetando os organismos microscópicos e a biodiversidade aquática da região.
Rio Paraguai em MT/MS. (Foto: Reprodução)O trabalho é liderado por pesquisadores de diferentes instituições, como a Universidade Estadual de Maringá, em parceria com órgãos ambientais e grupos locais, e se concentra em áreas de difícil acesso, como as grandes lagoas Uberaba, Mandioré e Gaíva, no trecho entre Cáceres (MT) e Corumbá (MS).
Medições em campo
Para investigar os impactos, os cientistas estão coletando amostras diretamente nos rios e lagoas usando barcos-laboratório equipados com sensores e reagentes químicos. São medidos parâmetros como pH, turbidez, oxigênio dissolvido e condutividade elétrica, que funcionam como indicadores da qualidade da água.
Segundo a pesquisadora Érica Oliveira de Lima, após a coleta, o material é imediatamente preservado com formol e outros produtos químicos a bordo da embarcação. “Isso evita a degradação das amostras até que possam ser analisadas com mais rigor em laboratório”, explica.
Esses dados ajudam a entender como o acúmulo de cinzas influencia a presença e o comportamento de microalgas, que são organismos fundamentais para a cadeia alimentar aquática responsáveis pela produção de oxigênio e pela base da nutrição de pequenos e grandes peixes.
O papel silencioso do Rio Paraguai
Ao mesmo tempo em que observam os efeitos das cinzas, os pesquisadores também explicam o papel vital do Rio Paraguai, considerado o “arquiteto do Pantanal”. Ele nasce em Mato Grosso, na Chapada dos Parecis, e percorre cerca de 2.600 km até desembocar no Rio Paraná, na Argentina. A declividade extremamente baixa, de apenas 3 a 5 centímetros por quilômetro, faz com que a água desça devagar, permitindo o alagamento da planície.
Rio Paraguai é um dos afluentes mais importantes. (Foto: Reprodução)“A forma como o rio escorre é parte do segredo do Pantanal”, explica a coordenadora do grupo de pesquisa, Carolina Joana. “A água se acumula lentamente, se espalha e forma ambientes únicos como lagoas, campos alagados e áreas de transição. Mas quando essa água carrega resíduos de incêndios, a dinâmica pode mudar”.
Um ecossistema sob risco
A preocupação dos cientistas é que as cinzas dos grandes incêndios florestais, como os que atingiram o Pantanal em 2020, possam alterar a composição química da água, prejudicando organismos sensíveis e desencadeando um efeito cascata em toda a cadeia ecológica.
Bombeiro combatendo o fogo no Pantanal. (Foto: Bruno Rezende)Além disso, o desequilíbrio provocado pelo excesso de matéria orgânica em decomposição pode agravar processos como eutrofização, que reduz o oxigênio disponível na água e ameaça a sobrevivência de espécies aquáticas.
Tecnologia e tradição lado a lado
O comandante Pedro Ortega, responsável pela condução de uma das embarcações de pesquisa, relata os desafios da expedição. “O trajeto exige muita atenção. As curvas do rio, a mudança repentina do vento e os trechos estreitos tornam a navegação bastante técnica”, afirma.
A pesquisa também conta com o apoio de comunidades locais, guias e engenheiros florestais que ajudam na logística e na coleta de dados, criando uma rede de colaboração essencial para alcançar as áreas mais isoladas do bioma.
O futuro das águas pantaneiras
Embora ainda em andamento, o estudo representa um avanço inédito na compreensão da saúde hídrica do Pantanal. Os dados colhidos devem orientar políticas públicas, estratégias de conservação e novas formas de mitigar os efeitos das queimadas sobre os ambientes aquáticos.
Rio Paraguai em Mato Grosso do Sul“A água é o fio condutor de toda a vida no Pantanal”, resume a professora Simone Loverde. “Entender como ela está mudando é essencial para proteger esse patrimônio natural.”

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