Em se tratando de protestos, o jovem egípcio Mustafa al Sorour, 21 anos, pode ser considerado um homem de sorte e de azar. Nos arredores da praça Tahrir, para onde se dirigia, ele mostrou ao Terra uma cicatriz no abdômen e o curativo em seu olho direito, frutos de dois momentos distintos contra o poder no Egito. Azar por ter sido atingido duas vezes; sorte por ter escapado com vida nas duas ocasiões.
Em fevereiro deste ano, durante o levante popular para derrubar o então presidente Hosni Mubarak do poder, al Sorour foi atingido por uma bala de borracha na barriga durante confrontos com a polícia no centro do Cairo. "O policial atirou a curta distância e eu tive uma perfuração sueperficial, mas que sangrava muito. Fui parar no hospital e, após um dia, já estava nas ruas de novo protestando", contou ele, que trabalha como auxiliar em um escritório comercial.
No dia 19 de novembro, quando chegaram notícias de que forças policiais haviam tentado remover dezenas de manifestantes na praça Tahrir que protestavam contra a junta militar que controla o país, jovens se dirigiram para o local vindos de vários bairros da capital. "Eu estava de folga e em casa quando vi a notícia pela televisão. Imediatamente peguei minha mochila, coloquei uns pertences, toalhas e água, que usamos para nos proteger do gás lacrimogênio, e segui para a praça Tahrir", relembrou.
Ao chegar, al Sorour disse que já havia notícia de alguns mortos em confrontos com as forças de segurança. "Disseram que a polícia estava usando um tipo mais forte de gás lacrimogênio e que disparava balas de borracha mirando na cabeça das pessoas".
Ativistas, organizações de direitos humanos e fontes médicas acusaram a polícia egípcia de usar munição letal e gases extremamente nocivos ao sistema nervoso contra os manifestantes. O governo negou.
Capacetes e pedras
Na rua Mohamed Mahmoud, onde fica o Ministério do Interior, símbolo da repressão e medo de sua polícia secreta dos tempos de Hosni Mubarak, jovens tentavam chegar ao prédio "para mostrar o poder das ruas", de acordo Hosni Ahmad al Ghazir, mecânico e amigo de al Sorour, também participante dos protestos.
"A polícia protegia fortemente o local, e de um lado nós estávamos decididos que aquele prédio era nosso prêmio maior", salientou al Ghazir. Outro amigo, o frentista Mohamed al Hajj, falou que a maioria dos jovens que estavam na rua para confrontar a polícia estavam bastante "enraivecidos e dispostos a furar o bloqueio de todas as formas". "Cada um se equipou do jeito que dava. A maioria carregava pedras e paus, alguns jogavam coquetéis molotov na polícia e outros até tinham capacetes para se proteger", disse al Hajj.
Segundo os três jovens, centenas de pessoas se aglomeravam an rua para avançar sobre a polícia. "A rua estava tomada por uma fumaça preta por causa dos lixões que ateamos fogo. Além disso ahavia o cheiro de gás lacrimogênio. Sobre nossas cabeças, os tiros de espingardas com balas de borracha eram constantes", contou al Sorour.
Segundo ele, os manifestantes não recuaram e continuaram a jogar pedras e coquetéis molotovs contra a polícia. "Eles (policiais) se protegiam atrás de escudos de ferro e veículos blindados. Nós nos protegíamos atrás de placas de madeira. Eles atiravam com armas, nós jogávamos pedras e algumas bombas caseiras".
Alvejado no olho
Mas em um dado momento, tudo mudou quando alguns jovens começaram a cair na rua com ferimentos na cabeça e poças de sangue surgiam em vários pontos.
"Foi aí que percebemos que a polícia mudou de tática e passou a disparar na cabeça da gente. Eu vi um manifestante cair com ferimento no rosto e ser levado por pessoas para a praça Tahrir. Ele já parecia morto pois sangrava incessantemente e não se movia", contou o amigo al Ghazir.
Al Sorour relembrou que ouviu muitos gritos de desespero e, naquele instante, a multidão corria para escapar dos tiros. "Eu havia me deitado no chão para me proteger e foi quando levantei para correr que fui acertado na região do olho. Só lembro um zunido no meu ouvido e tudo ficar preto. Caí e esciutei o som de pessoas gritando para que me carregassem", contou ele.
Levado ao hospital, al Sorour foi informado pelos médicos que teve muita sorte pois o tiro atingiu o olho a poucos milímetros da córnea. "Disseram que eu poderia ter morrido e que mesmo sobrevivendo, poderia ter perdido o olho".
Ele contou que ficou um dia no hospital em recuperação e que dois dias depois, já na terça-feira, dia 22 de novembro, já estava na praça Tahrir para protestar novamente. "Acho que eu abuso da sorte. Ou melhor, do azar", disse ele, rindo.
Portando uma bandeira do Egito, ele e amigos caminhavam na ponte sobre o rio Nilo em direção ao centro do Cairo para mais um dia de protesto para exigir a renúncia da junta militar que governa o Egito. Sobre se ele iria para mais confrontos com a polícia, ele responde prontamente. "Assim que me recuperar totalmente do olho, vou com certeza".
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