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Internacional
Terça - 08 de Novembro de 2011 às 18:41

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Atgaa, 10 anos, e sua irmã Reemya, 8, estão prestes a se casar com homens na casa dos 60 anos. Atgaa será a quarta esposa de seu marido. Suas festas de casamento estão marcadas para esta semana; terão lugar na cidade de Fayaadah Abban, em Qasim, na Arábia Saudita.

As meninas vão se casar porque o pai delas passa por dificuldades financeiras e precisa do dinheiro de seus dotes. Meninas dessa idade podem render até US$40 mil cada.

Muitos leitores talvez fiquem chocados com a notícia. Como é possível que isso seja permitido por lei? A resposta é que na Arábia Saudita não há idade mínima para o casamento. A lei permite que se case até uma criança que acaba de nascer.

Três ministérios sauditas compartilham a culpa por permitir e facilitar os casamentos de crianças. O Ministério da Saúde é encarregado de fazer exames genéticos nos casais que pretendem se casar. A lei saudita requer que os noivos e noivas potenciais forneçam certificados de exames genéticos, antes que o casamento possa ser realizado legalmente.

O Ministério da Justiça regulamenta o processo nupcial e emite as licenças de casamento. E o Ministério do Interior cadastra famílias e documenta os relacionamentos entre familiares. Ele é também o mais poderoso órgão do governo; sua autoridade se estende sobre todos os outros Ministérios, cujas atividades pode comandar.

Como é o caso de muitas práticas nocivas, o casamento infantil não existiria sem o apoio e a aprovação tácitos da liderança do país. Longe de condenar os casamentos com crianças, a própria monarquia saudita tem um longo histórico de casamentos de seus integrantes com meninas muito jovens.

Sarah, que hoje é uma médica saudita brilhante, me disse que mal completara 12 anos quando o falecido príncipe Sultan a pediu em casamento, depois de vê-la caminhar na base militar onde ela vivia com seu pai. Por sorte, seu pai teve a presença de espírito de dizer que ela era uma doente crônica, levando o pedido a ser rapidamente revogado.

Os festivais de camelos, promovidos nesta época do ano na Arábia Saudita, assistem à prática conhecida como "akheth" ("tomada"), em que meninas de 14 a 16 anos são "dadas de presente" aos membros da monarquia, geralmente idosos, por alguns dias ou semanas. Esta prática, que lembra o infame "droit du seigneur" na Europa medieval, é conservada até hoje, sob a proteção da monarquia.

A Arábia Saudita provavelmente tem o maior número de casamentos infantis entre todos os países do Oriente Médio; no entanto, a prática não tem suscitado quase nenhum ultraje ou objeção internacional. Eu, pessoalmente, já enviei duas cartas a Ann Veneman, diretora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), sobre a prática saudita e pedi a ela que divulgasse seus pontos de vista sobre a questão, como ela fez no caso do Iêmen.

Ao invés disso, a Unicef louvou os esforços sauditas para proteger os direitos das crianças e chegou a homenagear o príncipe Naif, cujo Ministério do Interior é um dos órgãos que promove os casamentos infantis. Portanto, não surpreende que a família real saudita sinta confiança na continuidade da prática.

O governo americano vem sendo igualmente indiferente ao sofrimento das meninas na Arábia Saudita obrigadas a se casar. Em abril de 2009 eu escrevi a William Burns, o subsecretário de Estado, sobre o caso de Sharooq, de 8 anos, também de Qasim. Nunca tive uma resposta dele.

Em uma conferência pública, perguntei ao ex-senador Chuck Hagel (sentado ao lado do príncipe Turki al-Faisal, ex-chefe da inteligência saudita), se ele pessoalmente ou os Estados Unidos aceitariam a amizade ou ser aliados de uma família que permite o casamento infantil. A resposta foi chocante: "Não podemos decidir por outros países o que é ou não apropriado", disse Hagel.

Até agora nenhum organismo da ONU, como a Unicef ou o conselho de direitos humanos, divulgou um único comunicado sequer condenando os casamentos de crianças na Arábia Saudita. Na realidade, nenhum país deu uma declaração sobre o assunto para o conselho de direitos humanos, e nenhum governo ocidental pediu à monarquia saudita que acabe com a prática. Desse modo, a tradição repulsiva do casamento de crianças continua com a ajuda da monarquia saudita e seus apologistas no Ocidente.

Se algum governo, especialmente no Ocidente, estiver seriamente preocupado com esta prática bárbara e medieval, deveria proibir a entrada em seu país dos ministros sauditas da Justiça, do Interior e da Saúde. Se essa ação fosse tomada contra líderes governamentais que facilitam crimes contra crianças, veríamos esse problema ser resolvido em pouco tempo.

É preciso pressionar a Arábia Saudita para que defina uma idade mínima para o casamento e salve crianças como Atgaa e Reemya.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN






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