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Internacional
Domingo - 09 de Outubro de 2011 às 17:21
Por: Gustavo Chacra

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A crise na Síria não pode ser resumida a um regime massacrando manifestantes que lutam pela liberdade depois de quatro décadas de reinado da família Assad. Apesar de centenas de defensores da democracia terem sido mortos e torturados pelas forças de segurança, o cenário que mais bem se encaixa ao que acontece nesta nação árabe é o do embrião de uma guerra civil.

Em cidades como Duma, no subúrbio de Damasco, e Homs, a terceira maior do país, Exército e milícias pró-governo enfrentam diariamente grupos armados com apoio do exterior. Na vanguarda dos levantes que eclodiram em março, Hama e Deraa estão sob rígido controle militar do governo desde as operações contra facções armadas e manifestantes civis da oposição em agosto.

No restante do país, o temor é de que o conflito se expanda e transforme o território sírio em um novo Iraque ou no Líbano dos anos 1980, com disputas sectárias. "As pessoas estão com medo do que poderá acontecer. Poucos têm coragem de dizer isso para você, que é estrangeiro. Mas todos os sírios sentem medo do que está por vir", disse um sunita de uma família tradicional de Damasco, dono de uma loja de antiguidades na parte antiga da cidade. "Eu amo Bashar, ele é a única salvação da Síria", afirmou o cristão Elias, no centro da capital.

"O regime ainda está intacto e Assad não corre risco nos próximos seis meses. Mas um conflito civil de baixa intensidade prosseguirá de forma crônica", diz Ayham Kamel, especialista em Síria da consultoria de risco político Eurasia.

Os opositores armados, antes do fracasso de uma resolução condenando o regime sírio no Conselho de Segurança, mantinham a esperança de uma ação internacional nos moldes da Líbia para derrubar o regime. Segundo a ONU, 2,9 mil civis foram mortos pelo governo, que rejeita esse número e argumenta que grupos armados mataram 700 membros das forças de segurança.

Na crise síria, os mais radicais a favor de Assad são cristãos, muçulmanos alauitas e drusos. Seculares da maioria muçulmana sunita defendem o governo, com reticências.

Os opositores dividem-se em diversas facções, incluindo sunitas mais conservadores do interior, uma elite intelectual nas maiores cidades e jovens inspirados pelos protestos pró-democracia da Praça Tahrir, no Cairo, além da minoria curda. Uma parcela da população silencia à espera dos acontecimentos.

Em áreas cristãs, como o bairro de Bab Touma, na capital síria, os cartazes de Assad estão pendurados em todas as paredes e falar mal do líder sírio é tabu. Já nos meios intelectuais, ocorre o inverso. Não se pode defender o governante da Síria. No mercado Hamidiyeh, uma área comercial da era otomana, com a presença dos tradicionais comerciantes sunitas de Damasco, o gigantesco outdoor na entrada com a imagem de Assad foi retirado. Ele tampouco aparece em fotos nas lojas e mercados.

Milícias. Nas vilas alauitas, sunitas e cristãs ao redor de Homs, os moradores estão se armando. Há histórias de decapitações e mutilações, até mesmo de mulheres e crianças. O centro, de onde partiu a maior parte dos imigrantes para o Brasil, está repleto de barricadas.

Quem visitar Damasco e vir seus novos cinemas e shoppings achará que está em um país estável. Em uma sexta-feira, quando mais ocorrem protestos no mundo árabe, a reportagem circulou por praças da cidade e viu apenas crianças brincando em balanços, senhoras sentadas em bancos e jovens namorando no gramado. Havia policiamento, mas sem tanques e tropas de choque. Estrangeiros residentes na capital síria confirmaram que tem sido assim desde o início, a não ser por atos de apoio a Assad.

O Estado não teve autorização do Ministério da Informação da Síria, que monitora a reportagem a maior parte do tempo com um acompanhante, para circular pelo subúrbio de Duma ou de viajar para Homs. O argumento era que a segurança do repórter estaria em risco. Membros da oposição dizem que a proibição do governo pretende "impedir jornalistas de observar as forças de segurança atacando manifestantes indefesos". Ainda assim, a reportagem esteve em Duma em um táxi normal, sem a presença do governo. Foi possível cruzar três postos de controle, sem sinal de protestos. No quarto, perto do centro de Duma, um sargento determinou o regresso, por segurança.

Versões de que os participantes dos protestos seriam pacíficos, como diz a oposição, ou de que seriam todos integrantes de gangues armadas, como afirma o governo, não correspondem à realidade. Há opositores genuinamente pró-democracia. Por outro lado, em um hospital da capital síria, foi possível conversar com cerca de dez feridos em combates com a oposição.

"Havíamos saído para almoçar quando motociclistas passaram e começaram a atirar contra a gente", disse o sargento Mohammad Youssef. Em Deraa, a reportagem viu instalações do governo destruídas. Mais de uma pessoa afirmou que "os manifestantes na realidade eram pessoas encapuzadas e bem armadas".

DIVISÃO SECTÁRIA

Muçulmanos sunitas. Seita majoritária do Islã é professada por 74% da população síria. Grande parte da base do Exército é formada por sunitas

Muçulmanos alauitas. Praticado por 12% da população, tem rito próximo ao xiismo. É a seita da família Assad e da cúpula das forças de segurança do país

Muçulmanos drusos. Esse ramo minoritário do Islã (com cerca de 1,2 milhão de praticantes em todo mundo) é relevante na Síria, onde perfaz 4% da população do país

Cristãos. Cerca de 10% dos sírios se dividem entre gregos ortodoxos, melquitas e ortodoxos siríacos

Comunidade cristã síria apoia Assad

Temendo um regime radical sunita, os cristãos da Síria estão entre os mais árduos defensores de Bashar Assad. Segundo uma série de seguidores e líderes cristãos, a queda do líder sírio poderia significar o fim do cristianismo nas terras de São Paulo e do túmulo de São João Batista, dentro da Mesquita dos Omíadas.

"Todos os dias, das 5 horas às 7 horas, rezamos pela estabilidade de Assad no poder. Queremos tranquilidade. O que os EUA e a França querem? Diga a eles que vivemos bem. O nosso presidente é muito bom. O Exército está preparado para respeitar a religião cristã", afirmou a madre Frevonia Nabham, uma cristã grego-ortodoxa, chefe do convento de Sadnaya, o mais importante do país. Ela fez questão de mostrar os quadros de Assad, um muçulmano alauita de viés laico, em meio a imagens de santos na parede. George, um cristão siríaco-ortodoxo de Damasco, disse que "os alauitas, como Assad, entendem as liberdades dos cristãos". "Mas isso acabará se os sunitas chegarem ao poder. Estamos com muito medo do que pode acontecer se Bashar for derrubado. Gostamos muito dele e o defenderemos até o fim."

Assim como o Líbano, a Síria é um dos últimos redutos onde os cristãos ainda são fortes no Oriente Médio. Os do Iraque passaram a ser perseguidos depois da ocupação americana e a queda de Saddam Hussein; igrejas são queimadas no Egito; e os palestinos de cidades como Belém imigram culpando a ocupação israelense da Cisjordânia e o radicalismo do Hamas na Faixa de Gaza. A preocupação com o destino dos cristãos levou até mesmo o patriarca da Igreja Cristã Maronita no Líbano, Beshara Rai, a defender Assad em uma série de declarações. Os patriarcas cristãos ortodoxo grego, católico grego, siríaco e assírio de Damasco manifestaram abertamente apoio ao líder sírio. Caldeus, fugindo do Iraque, também dizem que a Síria é seu último refúgio. Armênios fazem questão de afirmar que os sírios e os libaneses os receberam depois do genocídio turco.

Conspiração. Entre os cristãos da Síria, que representam cerca de 10% da população, ganha força uma teoria da conspiração, propagada pela imprensa oficial, envolvendo um suposto plano de França, EUA, Arábia Saudita e Israel para expulsar os cristãos do mundo árabe. E, segundo eles, além de Assad, quase ninguém apoia estes cristãos sírios, palestinos, libaneses e iraquianos - no Líbano, porém, o líder sírio sofre oposição de algumas facções políticas cristãs.

"(Nicolas) Sarkozy disse que nos dá passaporte e visto (para os cristãos). Quem disse que queremos? Somos cristãos e estamos bem aqui, com Assad. Não queremos os EUA e a Europa se metendo nas nossas vidas. Somos cristãos e sírios. Mas os americanos e franceses querem nos tirar daqui. Querem limpar esta região dos cristãos", afirmou Youssef Massad, líder dos moradores da cidade de Maloulla, um dos centros do cristianismo oriental que ainda mantém o aramaico como idioma das conversas do dia a dia.

Procurada, a missão francesa na ONU afirmou que essas declarações são absurdas. Historicamente, a França sempre defendeu o cristianismo no Líbano e na Síria.

Para os cristãos sírios, o Brasil é fundamental para a salvação deles neste momento porque o país contém uma das maiores comunidades de imigrantes sírios em todo o mundo. "Avise aos brasileiros que os cristãos da Síria apoiam Bashar", disse o cristão Michel Khoury em Damasco.

Massad, dos cristãos de Maloulla, também atacou os opositores. "Falo de boca cheia. Eles pedem liberdade? Para quê? Querem democracia? Para quê? Eles não dão liberdade nem mesmo para as famílias deles. Minha mulher e minha filha podem se vestir do jeito que quiserem. E as deles?", questionou em clara alusão aos radicais islâmicos sunitas - como tem sido pintada a oposição síria internamente.






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