Pesquisas abastecem polêmica ao avaliar os limites da generosidade em macacos, chegando a conclusões quase opostas
Bondade, segundo os chimpanzés
Em termos da evolução humana, muita coisa dependeu da bondade de estranhos. Nossa espécie é particularmente cooperativa. Ajudar outras pessoas é uma ação rotineira – sejam parentes ou estranhos – mesmo quando não recebemos uma recompensa imediata.
A preocupação que os humanos têm pelos outros faz parte dos alicerces das sociedades complexas, de vizinhos a nações. Os cientistas têm se perguntado há quanto tempo nosso comportamento pró-social evoluiu. Em estudo publicado nesta semana em Proceedings of the National Academy of Sciences, uma equipe de pesquisadores da Universidade Emory aborda essa questão estudando os chimpanzés, um de nossos parentes vivos mais próximos.
Ao contrário de testes laboratoriais anteriores, os cientistas da Emory concluíram que os chimpanzés realmente estão dispostos a fazer favores pelos outros. Portanto, nosso comportamento pró- social pode remontar a vários milhões de anos. “Esses novos resultados sugerem que os chimpanzés podem ajudar os outros de forma proativa simplesmente porque entendem que eles precisam de ajuda”, disse Brian Hare, antropólogo da Universidade Duke.
Os pesquisadores da Emory decidiram levar o estudo a cabo por causa de uma contradição na literatura científica. Alguns experimentos de laboratório com chimpanzés falharam ao mostrar a disposição em ajudar, mas primatólogos que observavam chimpanzés na natureza selvagem viram muitos exemplos do que parecia ser ajuda.
“Eles dividem comida e se ajudam em brigas – havia um grande descompasso entre o que estava acontecendo em campo e no laboratório”, afirmou Victoria Horner, principal autora do estudo. Ela e seus colegas suspeitaram de que o formato dos primeiros estudos de laboratório fosse complexo demais para os chimpanzés entenderem. “Parecia-nos que os chimpanzés não compreendiam o que estava acontecendo”, disse Horner. Eles formataram o que acreditam ser uma experiência muito mais simples.
Num estudo anterior, eles treinaram chimpanzés cativos a lhes dar fichas coloridas em troca de comida. Para o presente estudo, eles usaram as fichas para que sete fêmeas tivessem a chance de ajudar colegas chimpanzés. Em cada experimento, dois chimpanzés se sentavam um ao lado do outro, capazes de se verem em jaulas adjacentes.
Elas receberam 30 fichas, metade de uma cor e metade da outra. Se um chimpanzé desse aos cientistas uma ficha de determinada cor, recebia um pacote de comida e o parceiro ficava sem nada. Se desse da outra, ambos comeriam. Pela previsão dos cientistas, se os chimpanzés não se importassem com o bem-estar de seus similares, eles pegariam as duas cores com a mesma frequência. Não foi o que ocorreu.
Todas as fêmeas mostraram maior probabilidade de escolher a cor generosa, em 66,7% das vezes. Elas não demonstraram preferência por parentes sobre chimpanzés não aparentados. Os pesquisadores também efetuaram sessões de controle, nas quais os chimpanzés ganhavam comida somente para si mesmos, independentemente da cor escolhida. Nessas sessões de controle, não havia tendência na escolha de cores.
“Isso agora tem a ver com as evidências vistas na natureza selvagem”, disse Horner. Ela especula que o humano que ajudava evoluiu a partir do tipo de tendência que ela e os colegas veem nos chimpanzés, à medida que a probabilidade de ajudar aumentou em nossos ancestrais.
“Não quer dizer que tenhamos uma habilidade única, mas o número de exemplos de quando o fazemos é completamente diferente”, assegurou.
Habilidade
Vários especialistas elogiaram Horner e seus colegas. “Pela primeira vez, eles conseguiram duplicar o que os pesquisadores de campo já sabiam ser uma habilidade natural dos chimpanzés”, declarou Christophe Boesch, primatólogo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, da Alemanha.
Já Michael Tomasello, também do Instituto Max Planck, achou que o estudo tem um formato deficiente. “Os resultados não são interpretáveis”, afirmou. Ele observou que os cientistas da Emory realizaram as sessões de controle após as experimentais. “Talvez os chimpanzés estivessem somente cansados de escolher entre dois tipos de comida quando ocorreram as sessões de controle”. Tomasello e seus colegas publicaram experimentos próprios sobre o comportamento pró-social em chimpanzés, o mais recente na edição de julho da Nature.
Sua pesquisa o levou a uma conclusão diferente da de Horner. “Os chimpanzés se ajudam, mas não abrem mão de comida para que outros possam comer”, disse Tomasello. “Assim, eles são pró-sociais quando não é custoso, mas quando é, não são tanto assim”
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