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Nacional
Quarta - 10 de Agosto de 2011 às 11:29

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Em oito anos do programa Bolsa Família, 5 milhões de famílias deixaram o programa, que hoje atende 12 milhões de lares em todo o país. A parcela beneficiárias que abriu mão do auxílio porque efetivamente melhorou de renda e deixou de fazer parte do público-alvo, porém, não chega à metade.

A estimativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) mostra que apenas parte dos objetivos do Bolsa Família são cumpridos. Apesar das prerrogativas do programa incluírem o desenvolvimento das famílias e a superação da situação de vulnerabilidade social, o alívio imediato da pobreza, por meio da transferência de renda, ainda permanece como o principal eixo do Bolsa Família. Hoje, os valores mensais pagos variam de R$ 32 a R$ 242, dependendo da renda da família e do número de crianças e adolescentes em casa.

Como contrapartida, as famílias devem assumir compromissos, garantindo a presença das crianças e jovens na escola e acompanhando a saúde infantil de perto. São essas condições que acabam por retirar algumas famílias do programa – em julho, 15 mil tiveram os repasses cancelados porque os filhos são reincidentes em ausências à escola. Mesmo os impactos dessas condições, porém, são colocados em xeque por pesquisadores.

Educação

Desempenho escolar não melhora

Um estudo apresentado pelo economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rogério Bianchi Santarrosa, divulgado pelo jornal Folha de São Paulo no início dessa semana, mostra que o impacto sobre o aprendizado de estudantes paulistanos integrantes do programa Bolsa Família e do projeto municipal Renda Mínima foi nulo em Português e Matemática. Os dois programas condicionam a transferência de renda para as famílias à frequência escolar.

Segundo o estudo, alunos benefiados pelo Bolsa Família e pelo Renda Mínima apresentam desempenho pior ou semelhante a outros estudantes de mesmo perfil socioeconômico. O economista da FGV, porém, reforça que os programas, se não ajudam a qualificar o ensino, pelo menos garantem que as crianças e adolescentes mais pobres frequentem a escola.

Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Eliana Magalhães, as condições exigidas pelo Bolsa Família, como a frequência escolar e a atenção à saúde infantil, acabam sendo um contrasenso em algumas regiões do país, onde o próprio estado não oferece a estrutura adequada às famílias. “O programa não traz necessariamente consigo outros serviços que, inclusive, são colocados como condição. Pesquisas mostram que nem todas as famílias conseguiram acesso ao Bolsa Família, e até chegaram a perder o benefício, justamente porque não conseguiram ter acesso a esses serviços, principalmente na área da saúde”, relata.

Renda insuficiente

“Se eu não trabalhar, como vou viver?”

Ao invés de um quintal, um depósito. No pátio em frente à casa de alvenaria do casal Elvira e Job da Rosa César, moradores da Vila 23 de Agosto, no Bairro Ganchinho, em Curitiba, restos de papelão, garrafas plásticas, armações de metal e pedaços de madeira atravancam a passagem até a porta da casa, comprada há um ano. O material reciclável é o principal sustento dos dois. Nesse caso, os tradicionais papéis familiares se invertem: é Elvira quem, às 6h30, acorda diariamente para recolher os restos pelo bairro, enquanto Job permanece em casa, ainda sofrendo as consequências de um atropelamento sofrido anos atrás. O orçamento familiar, há um mês, sofreu um bem-vindo acréscimo. O casal é uma das 43,4 mil famílias beneficiadas com o Bolsa Família em Curitiba.

O valor se enquadra no benefício básico, destinado às famílias consideradas extremamente pobres, mesmo sem crianças ou adolescentes em casa. No total, são repassados R$ 70. Pouco para custear necessidades como compra de remédios, móveis ou, principalmente, uma cesta básica mais “gorda”. No entanto, como garante Elvira, é um “dinheirinho que faz diferença”, utilizado geralmente para pagar as contas de luz e água da casa. O restante do tímido orçamento – cerca de R$ 200, arrecadados com a venda dos recicláveis – tem destino certo: comida.

“A gente sofre bastante, mas fazer o quê? Se eu não trabalhar, como vou viver?”, indaga Elvira. Questionados sobre perspectivas para o futuro, eles se olham, como se trocassem confidências silenciosas. “Quero ver se conseguimos nos aposentar. Enquanto isso, pro arroz e feijão de cada dia damos um jeito”, responde Job.

O programa

O Bolsa Família foi criado em outubro de 2003, por meio de uma Medida Provisória (MP). No ano seguinte, foi instituído por lei. Veja como funciona:

Finalidade

Por meio da transferência de renda, promover o alívio imediato da pobreza, assegurando a alimentação adequada.

Público-alvo

Famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, com renda familiar por pessoa de até R$ 140.

Valores

Variam de R$ 32 a R$ 242 por família, dependendo da renda, do número e da idade dos filhos.

Condições

Na área da saúde, famílias devem acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças até 7 anos. Na educação, todos entre 6 e 15 anos devem estar matriculados e com frequência escolar mensal mínima de 85%. Para estudantes entre 16 e 17 anos a frequência deve ser no mínimo de 75%.

Beneficiários

Para a assessora política do Instituto de Estudos Socio­econômicos (Inesc), Eliana Ma­galhães, apesar de o Ministério do Desenvolvimento Social pregar a emancipação das famílias por meio do programa, o resultado do Bolsa Família neste quesito “ainda é uma incógnita”. “Como meio de transferir renda para suprir as necessidades básicas das famílias, o Bolsa Família cumpre seu papel. Agora, não se pode cobrar mais nada dele. A integração de políticas públicas para alavancar o desenvolvimento das famílias não se fez presente nesses oito anos”, avalia a pesquisadora.

Função

O economista Rodrigo Coelho, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Es­­tadual de Campinas (Unicamp), reforça que só se pode cobrar do Bolsa Família “aquilo a que o programa se propõe e está organizado para dar”. Nesse sentido, na visão do pesquisador, o benefício atinge seu objetivo, considerando que o programa tem como fim oferecer recursos para as famílias mais pobres sobreviverem. “Quando você fala em po­­breza, não fala só da emancipação financeira”, defende Coelho. “Para a família conseguir sair dessa condição, é preciso atingir níveis adequados de saúde, moradia e educação, questões que não se pode cobrar do Bolsa Família, que é um programa que transfere dinheiro para as pessoas”.

Para pesquisadores da área, é consenso que a transferência de renda por si só, apesar de necessária, precisa ser integrada por serviços oferecidos pelos próprios municípios, principalmente na área assistencial. A mestre em Sociologia Jucimeri Isolda Silveira, professora do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), lembra que é preciso resistir à tentação de promover uma “gestão da pobreza”, ao acreditar que repasses financeiros, sozinhos, resolvem o problema do Brasil. “Sem políticas de desenvolvimento sociais efetivas o Bolsa Família deixa de ser potencializado. O fato de o Brasil ter reduzido a pobreza não significa que estamos dando saltos significativos na redução da desigualdade”, afirma.

Projeto prevê trabalho voluntário para bolsista

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira o projeto de lei que condiciona o recebimento do Bolsa Família à prestação de trabalho voluntário. Segundo a proposta do deputado Lincoln Portela (PR-MG), ao menos uma pessoa da família deverá se engajar em projetos sociais. O objetivo, de acordo com o parlamentar, é “estimular a solidariedade e a consciência de cidadania”.

O projeto, aprovado em caráter conclusivo, passará por votação agora no Senado. O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) afirma que vai acompanhar a tramitação do projeto, mas já adianta que é contra a proposta. O ministério avalia que as condições devem ser universais e que o fato de nem todos os municípios oferecerem trabalhos voluntários dificulta a aplicação da proposta.

A obrigatoriedade do trabalho voluntário também encontra resistência de profissionais que atuam em entidades assistenciais sem fins lucrativos e ONGs. Advogado especializado em Direito Público e Tributário e Terceiro Setor, Arcênio Rodrigues da Silva afirma que, caso seja aprovado no Senado, o projeto será mais uma lei sem aplicação prática. “O voluntariado, pelo seu próprio conceito, não pode ser uma obrigatoriedade. O trabalho voluntário parte de uma decisão tomada de livre e espontânea vontade”, defende. “O governo não terá como cobrar essa obrigação dessa família, multá-la ou retirá-la do programa”.

A crítica é compartilhada pela analista do Centro de Ação Voluntária (CAV) de Curitiba Maria de Lourdes Peixoto Drabik, que há 13 anos intermedia a ação de voluntários junto a entidades sem fins lucrativos. “Antes, teria que haver uma conscientização, um trabalho mais profundo com essas pessoas. O voluntário não pode ver sua atuação como uma obrigação, mas sim como algo prazeroso.”






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