Arenas erguidas para o torneio da Fifa se tornam desafio gerencial por causa dos altos custos. Prejuízo financeiro é compensado pelo benefício psicológico à população
Estádios usados no Mundial 2010 fortalecem o orgulho dos sul-africanos
Ainda não se encontrou uma solução definitiva para evitar o constante prejuízo que a maioria dos novos estádios impõe a municípios e governo. As menores arenas, com capacidade média de público de 45 mil pessoas, como Polokwane, Nelspruit e Port Elizabeth, têm custo anual de manutenção de cerca de R$ 2,5 milhões para cada um. Já para as maiores praças, como no caso do Soccer City (Johannesburgo) e dos estádios de Durban e Cidade do Cabo, esse valor mais do que dobra.
Matemática
A prova de que os estádios sul-africanos estão sendo subutilizados, ao menos para o futebol, é obtida nos números. Sete estádios usados na disputa da Copa do Mundo 2010 também abrigaram jogo da Premier League sul-africana. Juntos, eles têm capacidade para receber um total de 362,7 mil pessoas. As sete médias somadas resultaram em um público de 123,3 mil. Isto significa dizer que para cada cadeira ocupada, duas ficaram vazias.
Em contrapartida às cifras, quanto mais o Mundial fica para trás, mais as imponentes construções ganham importância no imaginário da população em geral. Um efeito psicológico difícil de mensurar. Fator que explica não só o afastamento temporário da ideia de demolir os estádios, como também o estado impecável em que cada um ainda se encontra. Mesmo os locais pouco utilizados após o torneio da Fifa passam por uma faxina geral quase diariamente.
“Os estádios ainda são como eram durante a Copa do Mundo: impecáveis. Alguns críticos disseram que eles iriam se tornar elefantes brancos. No entanto, exceto o Estádio Nelson Mandela Bay, em Porto Elizabeth, todos os outros estão sendo utilizados para grandes eventos. Até porque esses estádios têm um lugar especial em nossos corações e a própria população não aceita que sirvam para qualquer finalidade”, explica o jornalista da revista KickOff, Tiany Mabasa.
Ele conta que 13 dias depois de o Soccer City ser utilizado para o concerto do U2 (dia 13/02), a Arena recebeu o maior clássico do país, entre Kaiser Chiefs e Orlando Pirates. O jogo, contudo, acabou virando notícia secundária quando o torcedor percebeu o estado do gramado. “O campo foi deixado em uma condição muito ruim e as pessoas ficaram um pouco chocadas com o estado do gramado. No dia seguinte, esse era o comentário geral”, lembra.
Essa exigência por seletividade, por parte do público, pode ser uma das explicações para que os estádios tenham sido subutilizados nos campeonatos locais. Na Premier League, por exemplo, que começou logo após a Copa e terminou faz duas semanas, das 240 partidas da competição, apenas 48 ocorreram nas arenas do Mundial. Isso equivale a exatamente 1/5 das partidas – ou 20%. A média de uso é parecida no restante das competições no país. O Mandela Bay, caso extremo de desprezo, não teve nem um jogo sequer de futebol até agora.
Mas um outro motivo para a pouca ocupação, e mais plausível, é que tanto as taxas de manutenção – para o caso de os clubes assumirem o estádio, como fez o Botafogo com o Engenhão –, como o aluguel se tornam inviáveis no atual estágio do futebol sul-africano.
“Todos os clubes da África do Sul alugam estádios para jogar. Mas eles não precisam de 40 mil lugares, quanto mais 80 mil. É só ver que muitos jogos realizados nos estádios da Copa estavam vazios. São grandes demais para abrigar cinco mil pessoas”, conta Zeca Marques, comentarista e auxiliar-técnico do Moroca Swallows.
A análise de Marques é comprovada pelos números da Premier Soccer League (PSL). A primeira partida depois da Copa do Mundo jogada no reformado Royal Bafokeng Stadium, em Rustemburgo, por exemplo, nem de longe lembrou o seu confronto mais badalado em 2010, entre EUA x Inglaterra. Com Platinum Stars e Santos em campo, era difícil achar as cerca de 100 pessoas que compareceram para ver o duelo em meio às quase 45 mil cadeiras.
Há também o outro lado da moeda. Antes da Copa, nunca uma partida de futebol na África do Sul havia levado mais de 90 mil pessoas a campo. E isso ocorreu no Soccer City, no tal jogo com o gramado estragado pelo show do U2. No clássico Chiefs x Pirates, o borderô confirmou 92.515 pessoas.
É um caso raro, mas na África do Sul, ultimamente, a exceção parece estar prevalecendo. “A Copa deixou um grande desafio para nós, mas, quando vemos os nossos estádios, lembramos que temos forças para seguir em frente e realizar coisas que todos duvidam”, afirma Tomas Nqabeni. O rapaz estava no meio do Soweto, em uma feira livre, quando gentilmente correu até a reportagem para avisar que se ficássemos mais tempo ali com a câmera fotográfica à mostra seríamos assaltados.
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