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Opinião
Quinta - 11 de Dezembro de 2025 às 00:00
Por: Soraya Medeiros

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Há encontros que a vida marca com letras miúdas, quase invisíveis, e a gente só entende depois. No meu caso, veio de quatro patas, pelo queimado de sol e olhos âmbar que pareciam guardar segredos antigos. Um cachorro caramelo. Aquele tom entre terra molhada e café com leite, como se tivesse absorvido todas as tardes quentes do mundo.

Existem muitos iguais a ele por aí, espalhados pelas ruas e pelos quintais alheios. Mas o meu não é só um caramelo. É o Bob.

Bob tem uma coisa rara: acredita, com toda a convicção canina, que é um pitbull. Medo? Ele desconhece. Entra em qualquer confusão de peito aberto; late para o vento, para o carteiro, para o mundo inteiro, se for preciso. É valente no jeito de puxar a coleira, no olhar atento, no rabo que abana até quando o dia está nublado. Ele enfrenta o que for — menos o meu silêncio. Porque a verdadeira coragem dele é outra. É feita de afeto. De presença. De alma.

Foi numa daquelas fases em que a gente desce tanto dentro de si que o fundo parece não ter fim. Tudo desabava, e eu já nem lembrava como era respirar sem esforço. O silêncio da casa era pesado, úmido, sufocante. Me encolhi no que pude, me escondi até de mim.

Até que ele chegou. Ou melhor: até que eu permiti que ele me encontrasse ali. Bob não pediu licença. Ele nunca pede. Apenas se aproximou e fez o que sabe fazer melhor do que qualquer ser humano que já conheci: latiu para o meu silêncio.

Não era um alarde. Era um chamado. “Eu estou aqui”, dizia aquele latido rouco. “Eu te vejo”.

Bob me tirou do fundo do poço. Não com palavras — que muitas vezes só machucam quando a gente está quebrado. Ele me levantou com o calor do corpo, com o peso da cabeça encostada no meu peito, com o rabo que batia no chão como quem tenta acordar uma alma adormecida. Ele me resgatou com vida. Com insistência. Com amor.

Aprendi com ele algo que ninguém havia me contado: ser forte não é não sentir dor. É caminhar com ela. É aprender a respirar mesmo quando o peito pesa. É abaixar para afagar um pelo quente enquanto tudo dentro de você tenta desabar. O amor dele é assim: não apaga a tristeza, mas ilumina o caminho por onde ela passa.

Bob me salva todos os dias — e às vezes, sem perceber, me salva de mim mesma. No toque da cabeça pedindo carinho, na bolinha que ele insiste em trazer nos momentos mais improváveis, como quem diz: “Vem. A vida está te chamando de novo”.

Quando achei que a história estava completa, o universo, sempre generoso em seus mistérios, trouxe a Kakau. Ela é uma dama: calma, doce, amável. Tem passos leves e alma macia. Uma princesa que cuida com o olhar, que acalma só de existir. Ela espalhou ternura onde antes havia cansaço acumulado.

E depois veio a Luna. Ela não chega — ela explode. É um furacão em forma de cachorra, uma tempestade cheia de alegria e luz. Bagunça a rotina, vira tapetes, abre espaço onde não tem. Luna é energia pura, um lembrete constante de que viver também é saltar, correr, se jogar sem medo.

Hoje, olho para os três: Bob, deitado com a dignidade de um leão sábio. Kakau, serena como uma manhã de sol manso. E a Luna, correndo atrás da própria felicidade em círculos pela sala.

Vejo, neles, um mapa da minha própria alma. Bob me resgata, Kakau me suaviza e a Luna me desperta. Juntos, eles me ensinam — todos os dias — que o amor verdadeiro é simples, profundo e silencioso. Não exige. Não pesa. Não cobra. Apenas acontece. Invade. Cura.

E talvez essa seja a mensagem, escrita em tom caramelo, em latidos, em patinhas que passeiam pela casa: o amor tem muitas formas de chegar. Alguns vêm devagar. Outros arrombam a porta. Todos transformam.

No meu caso, ele veio correndo, com o rabo abanando e olhos que insistem: “Fica. Ainda vale a pena”. E desde então, a vida me salva em tom caramelo. E eu carrego essa cor dentro de mim!

*Soraya Medeiros é jornalista.



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