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Repórter News - reporternews.com.br
Economia
Sábado - 21 de Maio de 2005 às 19:25
Por: Mylena Fiori

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São Paulo – Enquanto juristas e diplomatas discutem os prós e contras da judicialização do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio-OMC, o economista Renato Flores, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas e especialista em temas de comércio internacional, põe lenha na fogueira e defende a inclusão de 2 economistas entre os 7 juízes do Órgão de Apelação. Segundo ele, os juristas não estão preparados para interpretar os acordos entre os países-membros à luz de novos conceitos econômicos, como a concorrência imperfeita e a regulação de serviços.

"Nestes 10 anos de atuação, enquanto no lado jurídico o Órgão de Apelação mostrou muita criatividade e inteligência, o conteúdo da parte econômica foi bem mais pobre", disparou no último dia da conferência "OMC aos 10 - Órgão de Apelação em Perspectiva", que reuniu dezenas de especialistas em comércio internacional em São Paulo.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Renato Flores revelou seu temor quanto à transformação do Órgão de Apelação da OMC em um verdadeiro tribunal. O economista acredita que a imposição de penas e a consolidação de jurisprudência – como nos processos judiciais - engessam o sistema, e sugere a adoção de compensações alternativas, como o perdão de dívidas por parte do país perdedor.

Agência Brasil: O sistema de solução de controvérsias da OMC está cada vez mais jurídico e menos diplomático. Qual sua opinião sobre a judicialização do sistema a partir da criação de um Órgão de Apelação?

Renato Flores: Ao juridicizar o sistema você libera um pouco da pressão política, mas isto tem que ser moderado. O Órgão de Apelação foi um sucesso, mas receio que a judicialização venha engessar o sistema e isto é perigoso. É preciso compreender que o foro da OMC é um foro absolutamente particular. Nós não podemos, e meus colegas advogados às vezes fazem isso, trasladar o procedimento de uma corte local ou uma corte nacional para a OMC. Estão até querendo entrar com procedimento de direito penal – quem errou tem que pagar, tem que ser punido. Sou absolutamente contra. Se a OMC entrar nesta linha, será uma catástrofe. Acho que devemos criar mecanismos proativo e não punitivos. Se entrarmos na idéia da punição, vamos enrijecer o sistema.

ABr: O sistema atual já prevê a compensação (imposição de retaliações em setor diferente daquele em que ocorreu a disputa) como forma alternativa de cumprimento da decisão. Este tipo de mecanismo não é eficiente?

Renato: Não acho que tenhamos que abrir mão da compensação. Mas temos que ser criativos e pensar coisas que ajudem, porque a compensação também está mal feita. Se Granada, por exemplo, ganhar um caso contra os Estados Unidos, é piada achar que imporá tarifa aos produtos norte-americanos como compensação. Até mesmo para o Brasil isto é um problema.

ABr: Foi o que aconteceu no caso Bombardier x Embraer, envolvendo Canadá e Brasil, em que os dois perderam e abrirão mão de aplicar retaliações...

Renato: Neste caso, a Bombardier ganhou a primeira e a Embraer ganhou a segunda disputa. O Canadá tem u comércio muito pequeno com o Brasil e se quiser cobrar, será contraproducente para seus interesses. Idem para o Brasil. Como ficou? Cada um tem aquilo na mão, como um crédito. Amanhã, se houver algum outro problema, podem usar.

ABr: O que funcionaria como compensação?

Renato: A idéia que estou elaborando é que devemos procurar reparações além do âmbito comercial. Uma compensação na dívida externa, por exemplo. Ou então criar um mecanismo de opções, um tipo de mecanismo de créditos. Sou contra a Bolsa de trocas, aqui proposta, que é passar o crédito para outro país.

ABr: O senhor também discorda da formação de Jurisprudência (que vincula a decisão do Órgão de Apelação a decisões anteriores), defendida por alguns juristas como forma de acelerar as decisões. Por que?

Renato: Todos sabemos que o teor vago dos acordos da OMC é a garantia de flexibilidade do sistema. Temo que o acúmulo de decisões leve a uma consolidação de Jurisprudência através do Órgão de Apelação e isto acabe com a flexibilidade do sistema. Uma certa dose de flexibilidade é importante, o que não exclui melhorias.

ABr: Que tipo de melhorias?

Renato: Certos conceitos terão que ser aplicados cada vez mais uma vez que a OMC entra em temas que vão além do comércio, como Serviços e Propriedade Industrial. A complexidade dos casos só vai aumentar e me dá um pouco de pavor que fiquem apenas sob responsabilidade dos juristas. Sugiro que dois dos 7 juízes do Órgão de Apelação sejam economistas, nomes de peso, reconhecidos internacionalmente.

ABr: Por que?

Renato: O Órgão de Apelação trata das questões legais e também da interpretação legal, por isso se justifica que seja em geral composto de juristas. Mas, em que pese isto, quando você chega na interpretação, caso a caso, do texto dos acordos que estão regulando uma atividade econômica, é inevitável que se tenha que lançar mão de conceitos econômicos. Ora, os conceitos econômicos nesta área estão evoluindo muito rápido. Coisas que no passado achávamos que eram boas, hoje , sob o ponto de vista econômico, já não as achamos tão boas.

ABr: O senhor poderia mencionar algum exemplo?

Renato: Acho que a questão da concorrência perfeita é um bom exemplo. Sempre achamos que os mercados em concorrência perfeita são bons porque há briga de preços, o preço cai, o consumidor aumenta seu bem estar. Mas na prática, a partir dos anos 90 começou a se verificar que estes mercados que se aproximam da estrutura de concorrência perfeita não se importam com qualidade. É o caso dos postos de gasolina. Essas coisas não valem como regra para o comércio internacional, mas hoje sabemos que há situações em concorrência imperfeita que melhoram o bem estar do país. Em um painel, onde você está estudando o conflito de um país contra o outro, pode ser que este novo conceito se aplique melhor à interpretação do caso.

Outro exemplo de origem puramente econômica é a questão da propriedade intelectual. Quando se faz uma nova descoberta, o certo seria que tal descoberta fosse socializada, mas quem descobriu quer ser pago pelo investimento que fez nas pesquisas. O conceito de propriedade intelectual protege a descoberta por algum tempo, para ele se ressarcir, e depois socializa. Mas qual a medida deste tempo? Não pode ser muito curto para ele não ter prejuízo nem muito longo de forma que a sociedade custe a usufruir da descoberta. Já no casos dos países em desenvolvimento, tem que haver maior flexibilidade pois não podem ficar atados ao pagamento de royalties. São questões delicadas economicamente. Dois economistas de peso, no Órgão de Apelação, ajudariam neste tipo de questão.

ABr: A complexidade aumenta com a introdução de novos temas nas disputas... Renato: E presença de economistas se amplia na medida da complexidade dos temas. A maioria dos casos, até hoje, têm sido sobre comércio de bens. Mas podemos apostar que começará a haver uma série de casos e painéis no comércio de serviços, uma área que todos nós conhecemos pouco. Tem a área da regulação, por exemplo, que é nova. Isto ficar só na mão dos juristas é um empobrecimento. O mesmo vale para a propriedade intelectual e a questão dos subsídios agrícolas. São temas delicados, por isso o meu pleito.





Fonte: Agência Brasil

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