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Politica Brasil
Quinta - 24 de Março de 2005 às 05:38
Por: Nestor Fernandes Fidelis

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É indubitável que o princípio da moralidade tornou-se um marco em nosso direito, materializando a idéia de que ninguém pode se locupletar a custa alheia, principalmente quando se está em jogo o interesse público.

Nos últimos dias tal princípio vem sendo invocado para fundamentar alegações e fomentar discussões sobre o tema “nepotismo”, uma vez que muitos prefeitos eleitos no pleito de 2004 e que, portanto, iniciam um novo mandado de quatro anos vêm trazendo para o quadro de funcionários públicos pessoas com as quais mantém vínculo de parentesco.

A imprensa noticia, como é seu dever, essas contratações com grande destaque, apontando o fato com imoral.

Recentemente, noticiou-se que o prefeito de um grande Município de Mato Grosso teria contratado, no limiar de sua gestão, pelo menos sete pessoas com as quais mantém vínculo de parentesco, o que veio a causar certo constrangimento tanto para o gestor público quanto para as pessoas apontadas como contratados, além de seus pares, outros Chefes do Executivo em outras localidades.

Antigamente, “nepotismo” era um termo usado para definir a autoridade que os sobrinhos e outros parentes de certos papas exerciam na administração eclesiástica, ou ainda, ou o favoritismo para determinadas pessoas ligadas à autoridade. Gramaticalmente, hoje em dia, por extensão, o vocábulo refere-se à proteção excessiva dada por certos governantes aos seus parentes.

Seria então merecedora de reprovação social a medida adotada pelo referido governante municipal? A nosso ver, não, e fundamentamos nosso entendimento.

O presente tema deve ser analisado com simplicidade e sem “sensacionalismo”.

A priori, temos que reconhecer a importância de ser falar sobre o tema, razão pela qual enxergamos como merecedora de aplausos a iniciativa da imprensa, que nada mais faz do que o seu papel de “boa imprensa”, principalmente quando faculta à pessoa objeto de sua matéria o direito de tornar claro o seu ponto-de-vista, uma vez que não há mal algum em “tocar no assunto”, desde que isso seja feito de modo imparcial.

No Brasil a lei superior é a Constituição da República, por isso ela é também chamada de Lei Maior. Todas as demais normas jurídicas não podem afrontá-la, mas sim devem estar em consonância com seus ditames, porquanto consagramos o princípio do escalonamento hierárquico das normas.

Assim, vejamos o que estabelece nossa Constituição Democrática, verbis:

“Art. 37 - ...” “II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado de livre nomeação e exoneração;”

“V – as funções de confiança, exercida exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;”.

Os dispositivos constitucionais supra mencionados nos mostram que, como forma de coibir os excessos que havia na Administração Pública, no que tange à ocupação dos cargos em comissão ou de confiança por familiar ou amigo do Chefe do Executivo, ou mesmo de qualquer outro agente político, o legislador constituinte aprovou a obrigatoriedade de realização de concurso público para que houvesse o regular ingresso de interessados em laborar junto ao Poder Público.

É de notarmos, também, que para os casos em que provimento no cargo seja de livre nomeação e exoneração, não há a necessidade de se realizar o exame seletivo, devendo o agente nomeador agir de acordo com o seu poder discricionário, observando a real capacidade técnica do agente nomeado, com vistas à eficiência dos serviços públicos e à razoabilidade que devem reger os atos administrativos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em seu límpido magistério assevera que, verbis:

“Não se justifica o concurso para os cargos em comissão, tendo em vista a ressalva contida na parte final do inciso II, e a norma do inciso V, que, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, exige apenas que os mesmos sejam preenchidos “por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei”. Isto significa que a lei que vier a disciplinar esse dispositivo deverá assegurar que um mínimo de cargos de confiança seja ocupado por servidores de carreira” (Direito Administrativo, 14ª ed., Atlas, São Paulo, 2002, p. 144).

Torna-se claro, para nós, que no Município onde ainda não houver a lei à qual se refere à Constituição da República, disciplinando os percentuais e a condições mínimas para que os servidores de carreira ocupem os cargos comissionados, cabe ao Prefeito Municipal, dentro da moralidade e proporcionalidade, escolher a pessoa que entender ser a mais capaz de bem desempenhar as funções atinentes ao referido cargo, porque o consagrado princípio da legalidade, cuja observância se faz inevitável para a Administração Pública, estabelece que ninguém poderá fazer ou deixar fazer algo quando não houver uma lei regulamentando a matéria.

Por outro lado, naqueles Municípios onde já existam leis limitando a ocupação de cargos em comissão por pessoas alheias ao quadro de funcionários, tal parâmetro deve ser respeitado, salvo se houver excesso na referida lei, ocasião em que a mesma poderá ser atacada pela medida judicial cabível.

Ressaltamos que somente uma lei municipal poderá tratar dessa matéria, devendo o Município repudiar a ingerência ou a aplicação de normas de outros entes federativos.

O cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, destina-se às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo que o agente que exerce essa função não adquire direito de continuidade no labor público, ou seja, não pode considerar-se efetivo, como pode ocorrer nos cargos de carreira.

Desse modo, o gestor público deve ter o cuidado de somente nomear pessoas qualificadas e tecnicamente especializadas para ocupar os aludidos cargos de “confiança”, levando-se em conta que a Administração Pública deve buscar uma incessante otimização dos serviços que presta à coletividade.

De acordo com o princípio da eficiência, constitucionalizado pela Emenda Constitucional nº 19/98, é obrigação do Poder Público proporcionar o aperfeiçoamento na prestação dos seus serviços, preservando-se, com isso, o interesse público.

Insta salientar que, motivado pelo princípio da eficiência, a Associação Matogrossense dos Municípios – AMM, como legítima representante do municipalismo em Mato Grosso, incrementou sua equipe técnica, cuja a missão é estar juntos aos servidores públicos municipais, trocando informações e solucionando problemas administrativos, além de ministrar cursos, seminários e palestras em seu Centro de Capacitação ou in locu, edificando uma cultura de liberdade pelo conhecimento.

Então o Chefe do Poder Executivo vê-se obrigado a atender o binômio “eficiência” e “confiança”.

Não é segredo que dentro da vida pública o agente político tem muitos pseudo-amigos enquanto portador de um mandato, ao passo que nas vésperas de encerar-se o prazo de sua gestão esse elevado número de companheiros já é bem menor. Após a entrega para o próximo Administrador Público o, agora, ex-gestor se encontrará, geralmente, envolto por muitos processos e poucos amigos.

Ao longo da história e também nos dias atuais não são poucos os governantes forçados a demitir funcionários que ferem o dever de fidelidade com seu superior hierárquico, “fabricando erros” que possam causar futuros ajuizamentos de ações contra o Chefe do Executivo, que teria, in casu, culpa in eligendo.

Outrossim, não é novidade que o gestor probo não se enriquece por estar temporariamente ocupando um cargo eletivo, mas, ao contrário, deixa de crescer financeiramente, porquanto dedica-se ao extremo em zelar pela coisa pública, relegando seus negócios e profissão para outrem.

Por tudo isso a lei permite que o Administrador Público chame para ocupar os cargos em comissão pessoas de sua extrema confiança, ou seja, aqueles que lhe darão o necessário apoio técnico e moral para cumprir o mandato que lhe foi conferido pelo povo, desde que os mesmos demonstrem documentalmente a imprescindível habilitação para tanto.

Em muitos casos, portanto, que se falar em nepotismo. Por exemplo, já é muito natural em nosso Estado, em nossos Municípios e no Brasil verificarmos que em diversas Administrações Públicas a primeira dama tem ocupado o cargo de chefia e direcionamento da pasta da ação social, lidando com a promoção social de competência estatal.

No caso que provocou a exposição do presente artigo a regra é a mesma, posto que cargos de extrema importância para um bom desenvolvimento da Administração devem ser ocupados por pessoas altamente qualificadas e que estejam acima de qualquer suspeita.

O direito possibilita ao Administrador Público agir, em certos casos, com a maior margem de liberdade, sem que esteja agindo ilegalmente, justamente para que possa optar por várias ações possíveis, sempre dentro da legalidade (competência, forma e finalidade). A essa faculdade da Administração dá-se o nome de discricionariedade.

A discricionariedade se justifica por uma questão prática, porque em certos casos o gestor poder lançar mão de um juízo de oportunidade e conveniência, elegendo a melhor medida a ser adotada, caso contrário, não seria necessário ter um governante escolhido democraticamente, que tenha suas características próprias e seu modo peculiar de administrar, sendo mera máquina cumpridora de regras formalíssimas.

Há entes da Federação que legislaram no sentido de vedar o ingresso de parentes do Chefe do Executivo em cargos de direção e chefia, como é o caso do Estado do Rio Grande do Sul (Emenda Constitucional n.º 12).

Porém, enquanto não houver uma lei local disciplinado a matéria, não podemos conceber a idéia de que estaria ocorrendo um desrespeito ao direito.

Um exemplo disso é o posicionamento ilibado do Supremo Tribunal Federal, conforme julgado abaixo, verbis:

“A Turma, aplicando a orientação firmada pelo Plenário no julgamento da ADIn 1.521-RS, deu provimento a recurso extraordinário para reconhecer a constitucionalidade do art. 25 da Lei Orgânica do Município de Tupanciretã do Estado do Rio Grande do Sul - que veda a nomeação, para cargos de confiança, de cônjuges ou parentes consangüíneos ou afins até o terceiro grau ou por adoção, do prefeito, vice-prefeito, secretários e vereadores do município, ressalvada a hipótese de serem servidores públicos efetivos - que havia sido declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça estadual que entendeu ser a mesma ofensiva à iniciativa privativa do chefe do poder executivo para a propositura de norma referente a regime jurídico dos servidores públicos (CF, art. 61, II, b). Precedente citado: ADIn 1.521-RS (DJU de 17.3.2000). RE 183.952-RS, rel. Min. Néri da Silveira, 19.3.2002.(RE-183952)” (STF, RExtr. Nº 183952, origem RS, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 03/04/2002).

Destarte, constatamos que, quando há uma lei, podendo ser a Constituição do Estado ou a Lei Orgânica Municipal, proibindo a nomeação de familiares do agente político superior na Administração Pública, realmente existirá o dever de não fazer, por uma questão de legalidade, conforme afirmado alhures.

No entanto, em não havendo uma norma vedando a nomeação nesses moldes, pelo mesmo fundamento jurídico, não há impedimento para tal ato.

Por derradeiro, ressaltamos que, levando-se em consideração, contudo, o princípio do “bom senso”, como é conhecido entre os operadores do direito a razoabilidade, e o princípio da eficiência, sempre deve ser verificada, caso a caso, a necessidade, a conveniência da situação e, sobretudo, a capacidade da pessoa contratada, equacionando-se a questão discricionariamente.

Nestor Fernandes Fidelis é Advogado em Cuiabá. OAB/MT 6.006 Coordenador Jurídico - AMM




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