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Internacional
Terça - 01 de Março de 2005 às 07:56
Por: Spensy Pimentel

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Montevidéu - Reinaldo Gargano, de 70 anos, é o presidente do Partido Socialista, o mesmo do novo presidente uruguaio, Tabaré Vázquez. Exilado na Espanha à época da ditadura, Gargano é senador pelo PS desde 1985. Ele será o novo chanceler do Uruguai, cargo também conhecido como ministro das Relações Exteriores, e concedeu uma entrevista exclusiva à Agência Brasil, alguns dias depois de encontrar-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de fevereiro, no Brasil.

Gargano falou sobre a política externa do novo governo, principalmente das relações com o Brasil, o caso do Haiti e a volta das relações com Cuba. Defendeu a integração sul-americana e comentou as eleições para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde Brasil e Uruguai disputam a vaga. Pelo lado brasileiro concorre o embaixador Luis Felipe Seixas Corrêa, enquanto pelo Uruguai candidata-se Pérez del Castillo, que já foi presidente da instituição. Apesar dos dois países integrarem o Mercosul, Castillo desagradou o Brasil (e os outros países do grupo chamado G-20) ao defender, na reunião ministerial da OMC em Cancún, em 2003, um texto base para negociações agrícolas que era contrário aos interesses de abertura dos mercados dos países desenvolvidos. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil: Como foi o encontro com Lula?

Reinaldo Gargano: A entrevista foi muito cordial, fraternal. Eu e o presidente Lula nos conhecemos há 20 anos, nos encontramos em 2003 numa entrevista com o atual presidente eleito do Uruguai (Jorge Battle), mas agora fui visitá-lo a convite do chanceler Celso Amorim, para conversar sobre os problemas da transição do Mercosul.

Conversamos fundamentalmente sobre o tema da integração regional e sobre os esforços que temos que fazer para adotar essa integração regional com sólida infra-estrutura desde o ponto de vista econômico e a possibilidade de avançar rapidamente e consolidar o Mercosul, e de dar bases sólidas a essa comunidade sul-americana de nações que está nascendo agora. Os temas discutidos foram temas de integração. Um país com 180 milhões de habitantes como o Brasil e este pequeno país que é o Uruguai, com 3,5 milhões de habitantes, unem esforços para solidificar o processo de integração nacional.

Agência Brasil: Qual é a avaliação sobre os governos da América do Sul?

Reinaldo Gargano: Criou-se um arco virtuoso, que começa no Chile e termina na Venezuela, passando pela Argentina e pelo Uruguai, quando tomar posse Tabaré Vázquez. Brasil com Lula e Chávez na Venezuela, com suas diferenças e peculiaridades, que na minha opinião é o correto, eles não têm porque mudar para que compartilhem ao mesmo tempo uma mesma idéia de construção de espaço econômico sul-americano. Dizem que vivemos no continente mais rico do planeta: temos petróleo da Venezuela, do Brasil e da Argentina, gás da Bolívia e da Argentina. Com certeza, aqui também deve haver gás na plataforma continental ou petróleo. Temos alimentos capazes de alimentar não 400 milhões de habitantes, mas um bilhão de habitantes.

Temos todos os minerais que queiram, temos pesca. Dos três aqüíferos mais importantes do mundo, um se encontra nos territórios onde estão o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Entretanto, temos 200 milhões de pobres, o que é uma espécie de insulto à inteligência e à dignidade humana. É a primeira vez que se apresenta a oportunidade de independência, de que exista um arco de governos progressistas que possam tentar cumprir uma tarefa juntos, unindo-se em uma identidade comum de progresso.

Agência Brasil: Não seria necessário também construir a união física da América do Sul?

Reinaldo Gargano: Nisso estamos de acordo com o presidente Lula. Precisamos realizar obras de infra-estrutura básica, como unir o pacífico com o Atlântico através de três ou quatro vias terrestres ou férreas. Temos também que vincular o Caribe ou o Atlântico Norte com o Rio da Prata, através de vias navegáveis, e religar os países que ficam fora dos circuitos. É preciso dar esses passos. Temos governos diferentes. Na Europa, foram os governos de centro e centro-direita que forjaram isso, aqui temos que forjar isso com governos progressistas, mas fazê-lo de maneira que se há mudança de governo, não se possa voltar atrás. Não é imitar ninguém, é aprender com os outros o que é bom.

Agência Brasil: Como ficam as relações com Cuba?

Reinaldo Gargano: Em 1985, quando recuperamos a democracia, fizemos logo duas coisas, que foram retomar as relações com a Venezuela, que estavam rompidas, porque havia sido seqüestrada uma uruguaia em território da embaixada venezuelana e restabelecer as relações com Cuba, porque haviam sido rompidas em outro governo antes da ditadura. Cuba pertence à América Latina, é necessário que tenha relações diplomáticas com todos os países da América Latina, o que é bom para América Latina e é bom para Cuba. Nós, países da América do Sul, temos que contribuir para o desenvolvimento de Cuba e lutar contra seu isolamento, porque isso não é bom.

Agência Brasil: O governo que toma posse agora aprova a iniciativa da Organização das Nações Unidas no Haiti?

Reinaldo Gargano:A força política que integro aprovou a ida ao Haiti. Segundo a norma do capítulo sexto da Carta das Nações Unidas, aprovou-se que as forças que intervém têm a possibilidade de impor a paz, impô-la mediante o uso das forças armadas. No começo, não apoiávamos isso, mas foi adotada a decisão logo que se ampliou o contingente uruguaio, de votar e apoiar essa questão humanitária. Que se consiga contribuir para normalizar a situação no Haiti, já que ali funciona um governo eleito pelo povo, e que se solucionem os problemas fundamentais como a pobreza, a falta de empregos para a população, a falta de saneamento. Acho muito importante que nós, os latino-americanos, nos ocupemos de solucionar isso – e não os outros.

Agência Brasil: Houve alguma conversa sobre a Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, com o presidente Lula, no sentido de barrar a proposta norte-americana?

Reinaldo Gargano: Sobre a Alca, não conversamos nada a respeito com o presidente Lula. Falamos de nós. Não estamos construindo políticas contra ninguém, mas a favor.

O processo de integração que ambos propomos não é contra os Estados Unidos, mas a nosso favor e a favor do equilíbrio mundial, porque um espaço econômico sul-americano será um fator muito importante no reequilíbrio das coisas no mundo. Por exemplo, o que assinamos na sexta-feira passada com os partidos que integram a oposição, o partido colorado, o partido blanco e o partido independente, reafirma o multilateralismo. A unidade sul-americana não contribuirá apenas para solucionar o problema do desenvolvimento econômico, da fome, da maior capacidade negociadora na Organização Mundial de Comércio, mas também alimentará um mundo de paz com maiores garantias, onde predomine o multilateralismo e não o unilateralismo.

Agência Brasil: Como vê a disputa entre o candidato uruguaio e o candidato brasileiro à cadeira de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, a OMC?

Reinaldo Gargano: Manteremos nosso voto a favor do candidato uruguaio, Carlos Pérez de Castillo. O governo brasileiro está a par e nós sabemos que o Brasil vai apoiar o seu candidato. É uma realidade e vamos esperar para ver como tudo ocorrerá. Vamos integrar o grupo dos 22, o grupo dos vinte será de 21. A política do governo vai unir-se ao grupo dos 22 e manter-se no grupo de Cains e tratar que na OMC se solucione o capítulo V, que é o capítulo agrícola. O que tem que ser solucionado são as tarifas extremamente pesadas que há na Europa e nos Estados Unidos para nossos produtos, porque fomos chamados a abrir as nossas economias e se admitiu a lei de patentes, e se admitiram todos os pontos do tratado de Marrakesh, menos no capítulo agrícola.

Estou de acordo que eles defendam o que é deles, mas nós também temos que defender o que é nosso, e conjuntamente.

Agência Brasil: Como devem seguir as relações do Uruguai com o Fundo Monetário Internacional, o FMI?

Reinaldo Gargano: Estivemos falando com os organismos financeiros internacionais. A proposta do presidente eleito Vázquez foi de que todos os ministros, os vice-ministros e os diretores-gerais fôssemos à reunião com a delegação do FMI que veio aqui, depois com a delegação do BID e com a do Banco Mundial. Essas entrevistas foram muito sinceras e muito boas, no qual acredito que vai haver um novo tipo de relacionamento, franco, onde obviamente não se contabilizam as obras de infra-estrutura como gasto, para que assim se permita chegar ao equilíbrio fiscal mais facilmente - e não com um superávit primário de quase 4% para pagar os juros da dívida. Isso seria um passo muito importante, vamos tratar de brigar por isso, mas ainda não vejo luz no túnel.

Agência Brasil: O que espera da situação argentina?

Reinaldo Gargano: Vamos ver o que acontece. O presidente Kirchner e seu ministro Lavagna estão muito otimistas com relação à recuperação do crédito internacional. A Argentina é um país muito rico, tem 40 milhões de habitantes e três milhões de quilômetros quadrados, além de todas as riquezas possíveis. Se resolverem esse tema, seria mais fácil sua recuperação.





Fonte: Agência Brasil

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