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Repórter News - reporternews.com.br
Educação/Vestibular
Segunda - 21 de Fevereiro de 2005 às 10:46
Por: Danie Freitas

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Moisés Batista Santos, 4 anos: acesso à educação infantil graças à solidariedade de Zilar Moreira, 82, patroa da mãe do garoto

As aulas na rede municipal de ensino começam hoje, mas isto não significa que todas as crianças vão realizar o sonho de poder estudar. Pequenos com idade entre 3 e 6 anos, enquadrados na educação infantil, ficarão sem ir à escola, já que não encontraram vagas nas creches públicas disponibilizadas pelo município. Isso significa que o sonho de colocar a mochila nas costas e sentar numa carteira escolar terá que ser adiado, já que a maioria das famílias não tem condições de procurar uma escola particular para matricular seus filhos.

Há casos, porém, em que uma mão amiga intervém e ajuda a minimizar o problema. A doméstica Noêmia Santos só terá o prazer de ver seu filho Moisés Batista Santos, 4 anos, pronto para ir à escola porque sua patroa Zilar Moreira, 82, se sensibilizou com a situação e resolveu assumir as despesas com a educação do menino numa escola particular no bairro de Nordeste de Amaralina. "Procurei vaga em várias escolas e não achei. Minha salvação foi essa no Nordeste, graças à minha patroa", conta Noêmia.

Mas nem tudo é simples como parece. Além de arcar com a mensalidade de R$38, Zilar Moreira se deparou com uma lista de material escolar com 26 itens - sem contar os livros didáticos, os cadernos e as 500 folhas de papel ofício exigidas. Cada livro, por exemplo, ficou na faixa dos R$30 a R$40. No total, os custos somaram R$180. "E o menino só entra na escola se levar tudo", diz ela, que é aposentada e recebe por mês algo em torno de R$1,8 mil.

O valor de sua aposentadoria não é baixo se comparado ao que recebe a maioria dos aposentados brasileiros, que sobrevive à base de um salário mínimo, mas Zilar enumera as outras despesas fixas que tem. "São remédios para pagar, contas de água, luz e telefone, transporte, ordenado da moça que trabalha aqui e muitas outras coisas. Sem falar na merenda que Moisés levará para a escola todos os dias. Se somar tudo isso, quanto dá? Não há dúvidas de que os custos com a escola aumentarão minhas despesas, mas o garoto não podia ficar sem estudar", diz Zilar, que mora no bairro da Pituba.

Entusiasmo - Moisés, por sua vez, está contando as horas para ir para a escola. Em seu último aniversário, inclusive, ele pediu uma mochila de presente. A patroa Zilar defende ainda que deveriam ser criadas cotas para as crianças entre 3 e 7 anos terem acesso à educação infantil, principalmente as afrodescendentes. "Não se deve apenas criar cotas para o afrodescendente que vai ingressar na universidade. O apoio a ele deve vir desde a infância".

O garoto Moisés encontrou a solidariedade da patroa de sua mãe para poder estudar, mas nem todos tem essa sorte. Basta dizer que, na Creche Municipal Vovô Zezinho, a única pública que existe no bairro do Arenoso (onde moram estimadas 30 mil pessoas), havia 59 mães na fila para matricular seus filhos em meados de janeiro, mas apenas 38 vagas estavam disponíveis. Resultado: muitas mães terão que esperar, até 2006, para ver seus filhos estudando. Na ocasião, a promessa da secretária municipal da Educação, Olívia Santana, foi de que a prefeitura realizaria um estudo de demanda nos bairros de Salvador para conhecer as necessidades das famílias e que novas creches seriam construídas, a partir do ano que vem. Ontem, a reportagem do Correio tentou falar com Olívia pelo telefone, sem sucesso.



Falta de opção mantém garotos em casa

Enquanto as famílias mais favorecidas economicamente colocam suas crianças na escola desde os 2 anos de idade, as mães e pais mais humildes e carentes são obrigados a mantê-los em casa por falta de opção, até mesmo porque as creches são poucas e a maioria delas é particular. O educador e psicólogo Roberto Sidney Macedo, que tem doutorado em ciências da educação pela Universidade de Paris, explica que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) assegura que o acesso à educaçao infantil é um direito da criança, mas não diz que é dever do Estado oferecê-la.

"A LDB reconhece que a educação infantil é um direito, mas há uma grande diferença entre esse reconhecimento e sua implementação. No Nordeste do Brasil e até mesmo no Sul, com algumas exceções, o atendimento às crianças dos 4 aos 7 anos é muito precário, pois a educação infantil nunca foi prioriade por aqui. Ao contrário da França, onde é obrigação do Estado", comenta Macedo, autor do livro O sentido da pré-escola pública, lançado em 2002.

Prejuízo - É na escola desde cedo que a criança terá acesso aos instrumentos mínimos para o exercício da cidadania, e é na educação infantil que os pequenos se preparam para o ensino fundamental. Em comparação com os filhos de pais abastados, que estudam desde cedo, as crianças mais humildes têm um prejuízo pedagógico imenso quando esperam completar 7 ou 8 anos para entrar na alfabetização sem passar pela educação infantil.

"Elas vão estar com três a quatro anos de defasagem em relação às crianças com melhores condições. Percebemos sensibilidade por parte da secretária Olívia Santana, mas ela terá muito trabalho, pois a carência é grande", afirma o educador Roberto Sidney Macedo, também vice-coordenador do projeto de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/Ufba).





Fonte: Correio da Bahia

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