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Politica Brasil
Sexta - 10 de Dezembro de 2004 às 11:15

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Mantendo seu tom polêmico e controverso, o juiz da 1ª Vara Federal, Julier Sebastião da Silva, disse que a sociedade mato-grossense tem muito a comemorar, pois é o segundo Natal que o "ex-governador de fato de Mato Grosso", João Arcanjo Ribeiro, também considerado o chefe do crime organizado no Estado, passa na cadeia.

Arcanjo está preso em Montevidéo, Uruguai, por causa de ações conjuntas da Polícia Federal, Ministério Público Federal e da Justiças Federal e de ações coadjuvantes das polícias Civil e Militar e do Ministério Público Estadual.

Em entrevista concedoda à TVCA, canal 4, durante três dias, o magistrado federal prevê que a extradição de Arcanjo pode ser concretizada em 4 meses, reforça que havia, de fato, ligações concretas do crime organizado com os poderes constituídos e instituições públicas, nega estar usando a toga politicamente e confirma inquérito para apurar as ligações umbilicais de ex-secretários, ex-governadores e órgãos públicos.

Leia abaixo a íntegra da entrevista

Wilson Kirsche - A extradição de João Arcanjo já foi autorizada pela justiça. Quando ele vem para Mato Grosso?

Julier Sebastião da Silva - Já foi autorizada a extradição pela Corte de Apelação do Uruguai e a última informação que temos é de que isso estaria no prazo de eventual recurso para a Suprema Corte uruguaia. Não havendo recurso, evidentemente que a extradição se materializa tão logo o governo brasileiro seja autorizado a retirá-lo do País. Em havendo recurso, acredito que no máximo em quatro meses a questão estará resolvida. O fato é que no primeiro semestre do próximo ano o acusado João Arcanjo Ribeiro estará em solo mato-grossense. A Interpol, que tem agentes federais brasileiros, que fazem esse serviço de parceria com a polícia internacional, pega o preso no Uruguai e o entrega às autoridades brasileiras, em solo brasileiro.

Kirsche - João Arcanjo deve mesmo cumprir a pena no Pascoal Ramos?

Julier - É a unidade prisional mais segura que se tem para sua custódia. E justamente porque ainda há uma série de investigações criminais e ações penais em andamento, tanto na justiça federal quanto na justiça estadual, que dependem da presença do acusado para que esses processos tenham segmento.

Kirsche - O senhor acha que o presídio Pascoal Ramos é mesmo seguro? Nós já tivemos caso de facilitação de fuga. Isso não pode voltar a acontecer com João Arcanjo?

Julier - Dentro das unidades prisionais existentes no Estado, é a mais segura para esse tipo de prisão.

Kirsche - O senhor acredita mesmo que o crime organizado foi desarticulado aqui em Mato Grosso?

Julier - Cuiabá é uma das poucas capitais do País onde não há jogo do bicho. Pelo menos não à luz do dia. Hoje o que se tem notícia sobre a operação de jogo do bicho, seja em Cuiabá ou no interior, é quase como um esquema de tráfico de drogas, ou seja, algo clandestino. Não existem mais aquelas barracas que existiam de jogo do bicho, com extração pela rádio duas vezes ao dia. Em Cuiabá não tem bingos há dois anos e nem máquinas caça-níqueis. Você pode sentir a diferença ao atravessar a fronteira com Mato Grosso Sul. A diferença é gritante.

Portanto essas atividades de jogatina, que serviam de lavagem de dinheiro e que operacionalizavam o miúdo do crime organizado, isso não existe mais em Cuiabá. Mas há, por exemplo, em Sinop. Há duas semanas, o Gaeco, através do procurador Mauro Zaque, fez uma operação que resultou em prisões de pessoas.

Kirsche - Quem é que está comandando isso? O grupo de João Arcanjo está por trás disso?

Julier - Dentro de uma organização grande e poderosa, à medida em que ela caiu, evidentemente que sobram alguns por baixo. São os pequenos que tentam se reerguer. Ou até a possibilidade de outros criminosos, de outros estados, tentarem ocupar o espaço que foi deixado por essa organização criminosa. Mas ao Estado cabe a repressão, que é fundamental nesse aspecto de não deixar surgirem novas organizações criminosas e fazer um combate diário, ou seja, tolerância absolutamente zero em relação a esses tipos de delitos.

Wilson Kirsche - Ficou comprovado o envolvimento de políticos e autoridades com o crime organizado. O caso mais notório é o da Assembléia Legislativa, que depositou mais de R$ 80 milhões nas contas de empresas de João Arcanjo. No entanto, ninguém foi preso. Por quê?

Julier Sebastião da Silva - Inicialmente há de se lembrar que parlamentares tem foro privilegiado. Além disso, eles gozam de imunidade parlamentar. Um exemplo disso é que existiam duas ações penais e uma ação civil pública, em que se pede o afastamento dos parlamentares responsáveis por essas operações com factorings da organização criminosa, e a Assembléia Legislativa suspendeu uma dessas ações penais, ou seja, impediu o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso de processarem os deputados.

Kirsche - E como é que esse dinheiro do crime organizado "passeava" entre o poder público e as empresas de João Arcanjo?

Julier - Detectou-se, a partir de uma perícia do Banco Central, uma movimentação de dinheiro muito grande entre a Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso e as factorings. Mais ou menos R$ 81 milhões saíram dos cofres da Assembléia e foram parar nas factorings do Comendador João Arcanjo. Do Departamento de Viação e Obras Públicas (DVOP) saíram quase R$ 9 milhões, também para as factorings de Arcanjo. Evidentemente que esse tipo de transação, por parte de órgãos públicos, não tem qualquer respaldo legal. Tanto órgãos públicos quanto comitês financeiros de campanhas políticas não podem fazer negócios com factorings. Factoring é uma instituição destinada a propiciar fomento, ou seja, só pode comprar crédito, não pode agir como se banco fosse. Segundo o depoimento do senhor Nilson Roberto Teixeira - ex-gerente das factorings de Arcanjo - isso foi transferido para campanhas políticas tanto de deputados quanto para campanhas majoritárias, de senador e governador e assim por diante.

Kirsche - A justiça apura o financiamento de campanhas do ex-governador Dante de Oliveira e do senador Antero Paes de Barros com dinheiro do crime organizado. Em que estado está essa investigação?

Julier - Esse inquérito está em andamento. Em relação ao ex-governador Dante de Oliveira, o inquérito está suspenso aguardando a decisão, numa reclamação formulada no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Mas em relação ao partido, do comitê financeiro e aos demais dirigentes da agremiação partidária, o inquérito está em andamento e vai apurar se efetivamente houve crime ou não naquela conduta. Há uma série de investigações ainda em andamento em relação a estes fatos para se apurar quais políticos, quais autoridades públicas mativeram condutas consideradas criminosas nessa relação com o grupo comandado por João Arcanjo Ribeiro.

Kirsche - A Amper - empresa do irmão do ex-governador Dante de Oliveira - também teria se beneficiado com o dinheiro do esquema de João Arcanjo. Como está esse processo?

Julier - Na ocasião da prisão do Comendador e da esposa dele, Sílvia Chirata, foram encontrados vários documentos em posse deles, dentre eles vários contratos bancários de empréstimos em que figuravam João Arcanjo como avalista e em outros, a empresa "off-shore" uruguaia Aveyron S/A, que era responsável pela lavagem de dinheiro. Também foram encontrados vários boletos bancários, de depósitos e de pagamentos de parcelas de empréstimo referentes a Amper. A partir daí eu determinei a abertura de inquérito policial para se apurar a eventual existência de crime nessas operações. Dentro de 60 ou 90 dias esse inquérito estará concluído, será relatado pelo delegado e caberá ao Procurador da República, Mário Lúcio de Avelar, verificar se fará denúncia ou não em relação a este caso.

Kirsche - Quais são os indícios do envolvimento da administração do ex-governador Dante de Oliveira com o esquema de João Arcanjo?

Julier - Nos autos apurou-se a presença de volumes financeiros significativos do DVOP e da Assembléia Legislativa, a partir de repasses do governo estadual, para as factorings do Comendador, além disso, inúmeros ex-secretários que foram citados na sentença em razão de operações realizadas com as factorings. Há um inquérito instaurado nesse sentido para se apurar a relação do ex-secretário de Segurança Pública com João Arcanjo, ou seja, o ex-secretário de Segurança Pública do governo Dante de Oliveira era presidente de uma off-shore uruguaia do Comendador que foi usada em lavagem de dinheiro. Inclusive há secretários sendo cobrados judicialmente, como é o caso do ex-secretário Avalone. Neste procedimento há, na Procuradoria Geral da República, inquéritos envolvendo os secretários Walter Albano, Novelli, etc. De acordo com Nilson Teixeira esse dinheiro, tanto do DVOP quanto da Assembléia foi utilizado para financiamento de campanhas de políticos. Nilson juntou documentos, prestou depoimentos e isso casou com o relatório do Banco Central. Agora, ainda nesse sentido, nós podemos dizer que o governador, de fato, era o Comendador. Era ele que tinha poder de vida e morte no estado de Mato Grosso. Ele era o governador de fato.

Wilson Kirsche - Como é que o senhor avalia o envolvimento da sociedade mato-grossense depois da Operação Arca de Noé?

Julier Sebastião da Silva - Nós temos que verificar como estava antes e como é hoje. Vamos pegar, por exemplo, a questão das eleições. Até 2002 nós sempre tínhamos o envolvimento de pessoas ligadas ao crime organizado, suspeitas, denúncias, etc...Este ano me parece que foi diferente e também deve ter ocorrido uma campanha menos farta. Isso já denota uma mudança de mentalidade da sociedade. Segundo: a convivência dos ditos homens de bem - que somos todos nós - com a organização criminosa que matava de forma cruel. Hoje pelo menos se pode respirar de forma mais tranqüila, ou seja, você pode falar que não vai ser morto com um tiro na cabeça, por um sujeito em uma moto, quando eu estiver parado em algum sinal.

Kirsche - Mas não há uma aparente apatia ainda...

Julier - Me parece que há um resquício muito forte de medo ainda. As pessoas tem medo e sempre tiveram. Há hoje um clima de quase solidariedade, de congratulação, com as pessoas que atuam nessa questão do crime organizado, mas as pessoas ainda tem medo.

Kirsche - O senhor tem medo?

Julier - Eu sou juiz. E sou o Estado e o Estado não tem medo, não tem coragem, não tem nenhuma emoção nesse sentido. O Estado é o Estado.

Kirsche - O senhor ainda mantém seu esquema de segurança? Julier - A União Federal, através da Polícia Federal, e o estado de Mato Grosso, através da Polícia Militar, obviamente matém o esquema de segurança das pessoas e, notadamente, das autoridades envolvidas nessa questão. Isto é normal, até porque canja de galinha e precaução não fazem mal a ninguém.

Kirsche - Os seus críticos, naturalmente, querem vê-lo longe de Mato Grosso. Existe a possibilidade dessa ingerência na sua carreira?

Julier - Não há essa possiblidade. O juiz tem três garantias constitucionais básicas: a primeira é que o juiz não pode ter seus salários reduzidos por ninguém. A segunda é que um juiz não pode ser removido da Vara em que atua se ele não quiser e a terceira é que o juiz é vitalício, ou seja, as pessoas podem ter que me aturar até os 70 anos dentro da jurisdição em Mato Grosso.

Kirsche - Algumas pessoas investigadas pelo senhor - o caso mais eloqüente é do senhor Antero Paes de Barros - o acusam de usar a toga com coloração política, mais exatamente que o senhor está a serviço do PT. Qual é o seu real envolvimento com o partido?

Julier - Eu fui filiado, antes de ser juiz, há mais de nove anos. Portanto, exerci plenamente meu direito constitucional e dentro da minha atuação profissional esse tipo de paralelismo não tem conotação. Essa crítica surgiu, mais especificamente, em razão da busca e apreensão que foi autorizada na sede do PSDB, dentro de um procedimento assinado por quatro procuradores da República. Efetivamente que, também como eu, é vedada a atividade política/ partidária e dentro de um regular inquérito, dentro de um regular procedimento judicial instaurado... Exerci plenamente meu direito constitucional e recomendo às pessoas que o façam. As pessoas devem se filiar a partidos políticos porque é a melhor forma de participação política, de tomar decisões. Isso não pode ser motivo de ninguém porque senão os honestos não se filiam aos partidos políticos e as pessoas desonestas tomarão conta e acabarão ocupando as posições mais relevantes dentro do País, deixando os homens de bem fora desses cargos. Isso, para a democracia, não é admissível.

Kirsche - O senhor é considerado um juiz polêmico. O senhor emite opiniões, dá entrevistas...isso é estratégia ou faz parte do seu perfil?

Julier - Juiz não pode dar opiniões sobre o que ele não decidiu. Agora, o que o juiz assinou e botou no papel é um ato público, portanto o juiz deve fazê-lo.

Kirsche - Políticos e empresários que se envolveram com o crime organizado...o senhor acredita que eles serão presos também?

Julier - Se eles serão presos ou não vai depender dos processos, dos julgamentos respectivos, até porque não há como se fazer juízos hipotéticos sobre situações ainda não colocadas. Eu sempre digo à população que hoje não se pode mais duvidar se isto vai terminar em pizza ou não, até porque, concretamente, este é o segundo Natal que o ex-governador 'de fato' do estado de Mato Grosso passa preso. Isso é um fato da maior relevância que, portanto, deve ser motivo de orgulho para os cidadãos mato-grossenses que tem hoje um Estado, uma capital, em que as organizações criminosas estão debilitadas e que a jogatina praticamente inexiste. Agora há condições de se pensar em desenvolvimento, em melhoria da população, da segurança pública em relação a outros crimes, ou seja, é o exercício da cidadania resultando em melhores políticas de segurança e de atendimento à população. Acho que isto é um bom exemplo dessa história toda da Operação Arca de Noé.




Fonte: Olhar Direto

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