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Cultura
Sábado - 17 de Abril de 2004 às 08:58
Por: Raquel Teixeira

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General Carneiro, MT - “Somos o povo Bororo, nome que nos deram. Para nós mesmos, somos Boe – gente verdadeira. Bororo é o nome do grande pátio central da aldeia, onde enterramos nossos mortos até a decomposição do corpo. Isso nós chamávamos de cultura e queremos chamar novamente de cultura tradicional de nosso povo”, afirma o líder Bororo, Paulo Miriecuréu, que além de um desabafo, define também a importância do projeto Meri Ore Eda, que tem o propósito de resgatar e assegurar por meio de ações definidas a cultura tradicional do povo Bororo, em uma nova aldeia.

Vivendo em uma área de 80 mil hectares dentro da reserva Meruri, localizada no município de General Carneiro (441 quilômetros de Cuiabá), a sociedade indígena Bororo não passa atualmente de 1,6 mil índios. Ao longo de mais de 100 anos o povo que hoje vive espalhado em quatro reservas dentro de Mato Grosso – Tadarimana, Meruri, Perugare e Tereza Cristina - foi perdendo a cultura tradicional, adquirindo e vivendo os hábitos da sociedade envolvente, o que fez com que perdessem as características originais como a grande maioria das etnias indígenas.

Com o propósito de resgatar a cultura que foi se perdendo, o projeto Meri Ore Eda – que em Bororo é Morada dos Filhos do Sol – prevê a formação e construção de uma aldeia tradicional em uma área da reserva, lugar já definido como local sagrado para a etnia. O projeto foi elaborado pela organização não-governamental Ideti (Instituto das Tradições Indígenas), que trabalha com o resgate e preservação da cultura do povo índio, a partir da iniciativa e decisão de líderes como Paulo Miericuréu e caciques de vários clãs Bororo, e pretende criar um novo modelo de relação com a sociedade nacional, garantindo condições de igualdade e oportunidade.

Conforme Ângela Pappiani, membro do instituto e coordenadora técnica do projeto, a preocupação maior foi elaborar ações respeitando a diversidade, procurando unir tradição e modernidade e procurando promover a auto-estima e afirmação da identidade Bororo. “O pensamento ficou disperso ao longo de mais de 100 anos e a velha geração preocupa-se em repassar as tradições para os mais novos que já não vivem a cultura”.

Para o líder Bororo, Miericuréu, a nova aldeia será como antigamente.”Vivemos humilhado até hoje e sem nossa cultura não somos povo. A história não existe e queremos trazer de volta nossa tradição”, desabafa o Bororo.

O projeto foi entregue ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que esteve visitando a reserva Meruri nesta quinta-feira (15.04), acompanhado pelo secretário de Estado de Ação Política, Louremberg Rocha e pelo Superintendente de Política Indígena, Idevar Sardinha. Durante a visita, o ministro conheceu a maquete do projeto que é considerado inovador e assegurou apoio do ministério para a proposta do povo Bororo. “O projeto representa a célula de reconstrução de um povo e instala as marcas do tempo histórico e do respeito à essa civilização”, disse Gil ao destacar o pioneirismo do projeto.

O ministro também veio acompanhado pelo secretário executivo do MinC, Juca Ferreira, e pelo secretário de Diversidade e Identidade Cultural do ministério, o ator Sérgio Mamberti. “É uma iniciativa sem precedentes, pois recuperará o aldeamento original desse povo. O Governo está convicto de que tem compromisso tornar mais forte o acervo cultural do país”, afirmou Mamberti.

Para a Bororo Maria Auxiliadora, que é auxiliar de enfermagem no centro de saúde da missão salesiana na aldeia Meruri, o projeto é de grande importância para ensinar as crianças a viverem a tradição. “Ninguém mais vive como antes e nem usamos mais os nossos remédios”.

“É um sonho nosso querer que nossos sobrinhos, nossas crianças aprendam. Nós perdemos muita coisa do passado e os anciãos dão força para preservar”, afirma o Bororo Reinaldo Ikaemakuda, que vive com a família na aldeia Kodorijare, na reserva Sangradouro, e trabalha como auxiliar de pecuária na missão salesiana. “Devemos respeitar nossa cultura. Em casa quando ficamos doentes ainda usamos as ervas medicinais e nosso pai ensina as tradições, mas quase ninguém sabe mais”, diz Reinaldo.

RESGATE DO CONHECIMENTO – A nova aldeia Meri Ore Eda será construída em estilo tradicional, com oito dispostas em círculo conforme as divisões dos clãs. Cada uma dessas casas abrigará oficinas de resgate cultural como arquitetura, artes, canto e dança, relatos, idioma, medicina tradicional e meio ambiente. A princípio, cinco famílias irão morar na nova aldeia em moradias também construídas no local, adaptadas às condições atuais de vida, com água encanada, energia elétrica e saneamento. De acordo com o arquiteto Fabrício Pedrosa, responsável pelo projeto da nova aldeia, as casas originais respeitarão a tradição e serão construídas com cobertura de palha trançada e sem divisões.

Será construído também um centro cultural para abrigar o acervo de livros, fotos, documentos, objetos e arte Bororo, além da comercialização de artesanato. Uma réplica da aldeia em arquitetura adaptada será construída para receber visitantes, para que tenham a oportunidade de conviver por período determinado com a cultura Bororo, participando das atividades cotidianas.

AÇÕES COMPLEMENTARES – Não somente recuperar a estrutura física tradicional, mas também resgatar os fundamentos que dizem respeito à cultura da etnia, como manejo de caça e pesca, aprendizagem do idioma e agricultura tradicional são outras ações previstas no projeto Meri Ore Eda.

A proposta de auto-sustentabilidade quer resgatar a piscicultura, criação de pequenos animais domésticos, apicultura e roça comunitária com introdução de sementes originais como variedades de milho e mandioca.

A escola bilíngüe prevê a formação de professores, além da elaboração de material didático e montagem de uma biblioteca. Na proposta para a área de saúde, o projeto pretende recuperar uma importante tradição indígena que é o uso de ervas e plantas medicinais para a cura de doenças, além da formação de pessoal indígena para atendimento básico.

CUSTOS – O projeto foi orçado em R$ 3 milhões e tem previsão para ser iniciado ainda em maio deste ano e concluído até maio de 2006. O recurso para execução da proposta será obtido por meio de parcerias com a iniciativa privada, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.




Fonte: Redação/Secom - MT

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