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Opinião
Quarta - 11 de Agosto de 2010 às 00:34
Por: Gabriel Novis Neves

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Meses atrás fui entrevistado num programa da TV Cuiabá. Naquela entrevista afirmei que nos dias de hoje, jamais doaria um rim caso o transplante fosse feito em Cuiabá. Motivo: falta de hospital com alvará do Ministério da Saúde, falta de medicamentos contra a rejeição do órgão implantado e falta de serviços especializados de apoio. Acho a doação de órgãos um gesto nobre e necessário. Não vejam, portanto nessa minha afirmativa algum sinal de desumanidade ou falta de solidariedade.

Conheço o processo do transplante de órgãos, especialmente de rins. Processo cirúrgico técnico e complexo. Aqui em Cuiabá temos excelentes médicos nesta área. Médicos treinados e habilitados para efetuarem o procedimento. Acontece que o sucesso deste tipo de cirurgia não depende só da excelência do médico. Necessita também de uma retaguarda excelente. Até a poucos anos atrás os hospitais de Cuiabá possuíam esta retaguarda, hoje não mais existente. O que nos falta é a compreensão e apoio do Estado.

O primeiro transplante renal realizado em Cuiabá foi em abril de 1992 no Hospital Geral. Entre 1998-2005, em dois hospitais privados, foram feitos 136 transplantes de rins. Só em 2000 um hospital privado realizou 30 transplantes. Os resultados foram excelentes. Hoje o único hospital para esse tipo de atendimento está impedido de realizar a cirurgia, por falta de alvará. Os que faziam, e bem, desativaram esse setor e os seus médicos pediram descredenciamento.

Entendam o caso. Em 2003 assumiu o Governo do Estado uma equipe de indivíduos que acharam por bem taxarem todos aqueles que não faziam parte do seu balaio, como ladrões. Naquela ocasião Cuiabá possuía um excelente centro de transplante renal em hospital privado. Através de convênios atendia também pacientes do SUS de todo o Estado. Os profissionais que lá trabalhavam, assim como o hospital privado, logo foram vistos pelo governo como ladrões. Realmente roubavam: a morte dos pacientes pobres, restituindo-lhes a vida. Pois bem. O Cirurgião-chefe do hospital, médico altamente qualificado e competente, não aceitou as ofensas gratuitas. Fez o que toda pessoa honrada faria: solicitou o seu descredenciamento do Ministério da Saúde – órgão responsável pelo credenciamento do médico e alvará do hospital. Atualmente o nosso pioneiro e consagrado cirurgião de transplante renal está impedido de realizar esse procedimento em todo o território nacional! Para agravar a situação o Governo cortou os convênios e investimentos em hospitais filantrópicos. Já é notória a ojeriza do governo com relação a investimentos em hospitais públicos. Os pobres e desassistidos? Não tem onde fazer transplantes. Com mandado judicial poderão procurar se salvar, fugindo do nosso estado para um mais humanizado. Mato Grosso regrediu nas estatísticas de transplante renal, chegando a quase zero por ano. Repito, profissionais competentes temos. Ausente está o governo. O cirurgião chefe de transplante renal foi intimado a comparecer a uma delegacia de polícia instalada na Secretaria Estadual de Saúde, para depor. Era para explicar como ele roubava nos transplantes. Humilhação!

Hoje a TV Centro América fez ampla reportagem sobre esta velha e problemática situação. Com certeza repercussões e cobranças virão. A resposta do governo? Posso antever: “estamos tomando todas as providências. No máximo em uma semana (Dia de São Nunca), tudo estará resolvido e funcionando normalmente.” Alguém vai acreditar? Eu não.

Triste história de intolerância para com os nossos profissionais da saúde, prejudicando os pobres que necessitam de, pelo menos, de alguma esperança para viver. Ambulâncias e inaugurações de placas políticas em hospitais, não realizam transplantes. Os responsáveis por este descalabro ficaram nus perante a opinião pública que não os perdoam. Assim mesmo na maior cara de pau, estão soltos pedindo os nossos votos, pouco se importando com a vida dos pacientes renais condenados a viver sem esperanças.

Vamos continuar com este inovador atendimento aos pobres?

Acho melhor mudar.


*GABRIEL NOVIS NEVES
é médico e ex-reitor da UFMT



Autor

Gabriel Novis Neves

foi o primeiro reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); é médico gineco (ginecologista e obstetra)

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