Chavões e Modismos A língua é dinâmica e que palavras entram e saem do uso
Por volta 1880 o poeta parnasiano Luiz Guimarães escreveu o verso “depois de um longo e tenebroso inverno” na poesia “Visita à Casa Paterna”. Os leitores acharam tão bonito que nunca mais deixaram de repeti-lo. Pela recorrência, o que era agradável ficou cansativo e chato. Assim nascem os
chavões, clichês ou lugares-comuns, que são palavras e expressões tidas um dia por interessantes ou bonitas, mas que se desgastaram pela repetição.
O leitor mais exigente torce o nariz (chavão proposital) quando lê nos jornais “luz no fim do túnel”, “fechar com chave de ouro”, “lugar ao sol”, “requintes de crueldade”, “acreditar piamente”, “comédia de erros”, “do Oiapoque ao Chuí”, “merecidas férias”, “caixinha de surpresa”, “ponta do iceberg” e outras centenas ou milhares que empobrecem artigos ou reportagens.
Modismos, os clichês usados em um determinado momento, estimulados pelos meios de comunicação, abundam nos jornais, principalmente colunas sociais: “No ‘agito’ dos ‘ricos e famosos’ a fulana causou’”.
Temos ainda o caso de expressões mal traduzidas que forçam o significado de muitas palavras: “loja de conveniência”, por exemplo, em português, conveniência não tem o sentido de comodidade ou conforto como sua similar inglesa “convenience”; para “serviço de inteligência” seria melhor usar serviço de informação.
A internet é outra estragadora da língua: “salvar” no entendimento normal não tem o sentido de arquivar ou reservar. Também ficaria melhor substituir “deletar” por apagar. Querendo sofisticar um pouco pode usar delir, que no mínimo estimularia uma busca nos dicionários, muito útil para enriquecer o vocabulário.
Os políticos são campeões de frases feitas: “toma-lá-dá-cá”, “na calada da noite”, “declinar”, “casuísmo”, “factoide”, “programático”, “denegrir” “rasgar a constituição” “golpe”, “legado”, “inverdade”, “conluio”, “terminar em pizza”, “desserviço”, “conchavo”, “passar o país à limpo”, “afogadilho”.
Estas coisas acontecem por preguiça de pensar, pois é mais fácil repetir o que já está pronto, economizando esforço. Por isso o jornalismo da televisão repete todos os anos o custos da ceia de natal, a multidão na 25 de março, os engarrafamentos nos feriados prolongados, aumento do preço do chocolate na páscoa, das flores em finados, dos peixes na semana santa.
Por falar em ceia temos ainda que suportar os horríveis jogos de palavras ou trocadilhos como: “com os preços do peru em alta, a ceia de natal ficou indigesta”, ou, “este ano o bacalhau está mais salgado”.
Claro que a língua é dinâmica e que palavras entram e saem do uso conforme a vontade dos falantes. Mas os casos de repetições citados são estimulados pelos meios de comunicação, que deveriam cuidar melhor dela (a língua), pois é sua matéria-prima.
Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.
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