"O Advogado Criminalista"
Há mais ou menos dois mil anos atrás, houve um julgamento que entrou para a história da humanidade, cuja decisão foi proferida no calor dos interesses do poder, sem a indispensável assistência advocatícia e a injustiça era tamanha que levou o poder central lavar as mãos.
O deslinde todos conhecem, Cristo foi crucificado.
A história registra que até mesmo nas agruras da inquisição, não se dispensava a assistência causídica, mesmo com as maiores limitações possíveis, apenas para tentar uma aparente legalidade ao assalto social promovido pela igreja.
Na esteira dos infortúnios pretéritos, o legislador constituinte voltou os olhos para a classe advocatícia e assegurou que o "advogado é indispensável para administração da justiça", nos moldes do artigo 133, da Carta Magna.
Em consonância como o preceito constitucional alhures mencionado, nasce a lei 8.906/94, conhecida por Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, oportunidade em que a finalidade social e o múnus público da categoria são definitivamente reconhecidos pela sociedade nacional.
A legislação em destaque assegura que "não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíproco e as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas ao seu desempenho" Trata-se da bandeira da independência, indispensável para a segurança dos advogados no honroso ministério.
Assim como existe o político corrupto, o pedreiro desonesto, o policial truculento, o juiz imparcial, e outros que não honram a categoria profissional, com a classe advocatícia não é diferente e para aqueles que insistem fazer desta um trampolim para as injustiças e não observam as regras impostas pelo Código de Ética de Disciplina da OAB, o remédio ideal é o expulsão da Ordem dos advogados.
A distribuição de justiça passa com maior acerto pela área criminal, onde a sensibilidade deve ser mais aguçada, os valores que envolvem as lides, normalmente, são abstratos, trata-se da eterna luta entre jus puniendi estatal e o sagrado direito de liberdade do individuo.
O horizonte do advogado criminalista é uma divisa tênue entre o ilícito e o licito e como pautar sua conduta nos princípios éticos e morais quando o seu convívio diário é com a escória social??? O norte a ser seguido é apenas um, o advogado criminalista está a serviço da ordem social e participando da distribuição da Justiça, papel atribuído pela Carta Maior e não a serviço da criminalidade, aquele que labora em prol deste é tão bandido quanto o seu cliente.
A pergunta mais freqüente aos advogados criminalistas é como fica sua consciência quando sabe que está colocando em liberdade ou defendendo os interesses de um assassino, um estuprador ou alguém de alta periculosidade.
Não há conflito ético ou de consciência, em primeiro lugar, atuar na área criminalista é cumprir a missiva constitucional e participar diretamente da distribuição da justiça.
De outro norte, a defesa criminal não é ilícita, desde que pautada em fortes princípios éticos, morais e o conhecimento técnico esteja a serviço da justa aplicação das normas penais.
Outro ponto que merece destaque é o foco social, enquanto quem faz pergunta em baila olha apenas a vítima, o advogado criminalista volta as suas atenções para a conduta do criminoso, as circunstancias do crime e até mesmo para o conforto da família do infeliz.
Na atuação de defesa criminalista já me deparei em situações em que os acusados foram execrados, achincalhados, condenados antecipadamente pela sociedade, especialmente pela família da pseuda vítima e ao final foram absolvidos das imputações.
Caso não houvesse a defesa técnica a justiça teria mostrado a sua cara?? Finalmente, cumpre destacar a relação entre advogado e cliente, esta deve ser sintonizada no binômio confiança e respeito, virtudes a serem valorizadas desde o primeiro contato.
Alias, o primeiro contato é de suma importância para o sucesso da defesa, o cliente deve ficar consciente de todas as circunstâncias que envolvem a sua prisão, das possíveis conseqüências legais e principalmente, não fazer promessas mirabolantes, tais como amanhã sai o alvará de soltura ou você será facilmente absolvido, são fatos que não dependem apenas do advogado.
A medida acima se estende aos familiares do cliente, especialmente quando este se encontra acautelado, visa evitar o assédio e pressão diários dos entes queridos.
Mantido o primeiro contato, conhecidas todas as circunstâncias que envolvem a lide e as medidas cabíveis a serem tomadas, o próximo passo é discutir os honorários advocatícios e formas de pagamento, ao final do consenso, o contrato de honorários rezando todos os termos ajustados é a garantia de evitar futuros questionamentos sobre o valor e condições de adimplementos ajustados.
O acompanhamento processual é a garantia da plenitude da defesa e cumprimento das obrigações firmadas.
Quanto ao sucesso da defesa, depende de uma junção de fatores, entre as quais destaca-se o acompanhamento dos atos a serem produzidos, o estudo constante da matéria em debate, tomar as decisões fundamentadas na razão, explorar licitamente todos os meios de provas e lutar com todos os meios disponíveis para a defesa da tese escolhida.
Cumpre esclarecer, nem sempre a absolvição é a única forma de vitória processual, existem as desqualificações do crime, a desclassificação do delito, a aplicação da pena de forma justa, o conhecimento de uma circunstância apresentada pela defesa.
O tribunal de júri é a materialização da democracia e personificação da soberania do estado, os crimes julgados pelo respeitável Conselho de Sentença merecem um tratamento diferenciado, trata-se de processo com suas particularidades.
Caso não tenha intimidade com a matéria em comento, o advogado não deve se aventurar por esta seara, sob pena de ferir letalmente o princípio de ampla defesa, sagrado para a defesa em combate.
Todavia, nem tudo são flores para a atuação do advogado criminalista, como o seu campo de atuação, normalmente, restringe-se à camada da sociedade menos favorecida, não está imune ao inconformismo com as mazelas sociais.
O estado e a sociedade são inimigos daqueles que por qualquer circunstância da vida conhecem as agruras de uma prisão, basta revelar que o cidadão é um ex-prisioneiro para que todas as portas e oportunidades fecharem-se, verdadeira demonstração da falta de uma política social, pautada nos ideais do estado democrático de direito.
Outro fato que merece registro é a morosidade do Poder Judiciário, trata-se de verdadeira afronta ao princípio da dignidade humana, em algumas comarcas o acusado ou condenado só tem os seus direitos assegurados após meses e meses de espera, fato que não contribui em nada para a reinserção social.
Cabe destaque a conduta dos ilustres representantes do Ministério Público, cuja função precípua é fiscalizar a lei, entretanto, na esfera criminal, os doutos Promotores de Justiça abandonam o ofício da "persecução criminal" e vestem o manto da "perseguição criminal".
Curiosa a atuação destes Promotores de Justiça, sabem que a confissão delitiva é uma atenuante, lançam mão desta para provar a materialidade do crime e para ficar mais cristalino o pedido de condenação, transcrevem integralmente as declarações, todavia, na hora de pedir o benefício, esquecem as declarações do acusado, limitam-se a protestar apenas pelas circunstâncias desfavoráveis ao réu.
Data vênia, este não é Ministério Público idealizado pela Carta Magna.
Em suma, esta é uma breve visão da atuação de um advogado criminalista preocupado apenas em participar do processo de "administração da justiça", como recomenda a Carta Maior Pátria.
ELIZIO LEMES DE FIGUEIREDO - Advogado Criminalista e Professor de Direito
Penal da UNED - Diamantino (MT).
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