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Não morda a língua - I
A língua portuguesa tem um acervo de quinhentas mil palavras e é falada por mais de duzentos e vinte milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, por mais de cento e oitenta milhões.
Há quem diga ser o nosso um idioma difícil e que somente uns poucos iluminados conseguem dominar. Infelizmente, não sou um deles. Pertenço à numerosa família dos analfabetizados e em meu ofício de escriba provinciano tenho tido alguns atritos com o portugês.
Trabalhador braçal das letras, nem sempre trato com o devido cuidado a língua de Camões. Não nego que muitas vezes tenho maltratado a “última flor do Lácio inculta e bela”. Meus pobres conhecimentos do vernáculo me têm levado a ofendê-la com os meus freqüentes erros de grafia, vexames semânticos, tropeços de concordância e outros deslizes gramaticais. Por isso, não vou esconder que ao longo desses anos o nosso relacionamento não tem sido dos mais amistosos...
Para começo de conversa, não consigo conviver pacificamente com sua protetora – a gramática. Vivemos sempre às turras. Eu a ofendo com meus erros e ela, em represália, me agride com suas regras que são muitas e implacáveis. Tenho certeza de que inventou a vírgula e a tal da crase para me humilhar. E quanto aos verbos com seus tempos e vozes, sempre às turras com o sujeito? Ah, uma coisa de louco, como diria o mestre Ratinho.
Temos verbos para tudo quanto é gosto: regulares, irregulares, transitivos, intransitivos, pronominais, abundantes, muitos deles de difícil conjugação. E quando se trata de verbos, o que menos falta para eles é tempo. Além dos manjados presente, passado e futuro, temos ainda os tais pretéritos: imperfeito, perfeito, mais-que-perfeito, o futuro do presente, o futuro do pretérito, e outros tempos cada um mais chato e metido a besta do que o outro.
É difícil – para não dizer impossível, transitar com desenvoltura e segurança pelos meandros da língua. A cada passo, uma pedra no caminho, uma curva, uma cilada; um terreno escorregadio a nos dificultar a caminhada, a nos expor ao vexame de tropeções os mais humilhantes. Entretanto, diga-se a bem da verdade, que os atentados contra o vernáculo não decorrem exclusivamente das dificuldades da língua, mas também, e principalmente, da santa ignorância ou burrice dos “analfabetizados” como eu que não a dominam, mas não param de agredi-la.
Além dos que mordem e desfiguram a língua portuguesa falada e escrita, torturando-a com seus erros de pronúncia e grafia, há os que a enxovalham com a criação de vocábulos ridículos que enriquecem nosso besteirol. Vejam o que fizeram utilizando a palavra grega ódromo, que significa lugar de corrida: no rastro de hipódromo – lugar de corrida de cavalos e autódromo – lugar de corrida de carros, inventaram sambódromo (lugar de corrida de samba), camelódromo (lugar de corrida de camelôs) e o tal de fumódromo (lugar de corrida de fumantes). Invenções mais que inúteis: samba não corre, é cantado e dançado; os camelôs têm as ruas, por onde correm fugindo da polícia e os fumantes não correm nem dos males que o fumo provoca. Por isso, para esses empreiteiros de tantos “ódromos”, sugiro a construção de um grande burródromo.
Difícil não se cometer erros quando lidamos com a língua, seja falada ou escrita. Mas, a turma dos analfabetizados exagera na dose. Escrevendo ou falando, esse pessoal não pára de morder a coitada. É comum se ler e ouvir degladiar em vez de digladiar, rúbrica em lugar de rubrica, acróbata em lugar de acrobata e ávaro em vez de avaro. Sem esquecer as trocas: gratuita por gratuíta, fluido por fluído e ínterim por interim. Nada escapa à sanha dos mordedores da língua, que impunemente agridem a gramática atropelando regras e exibem sem a menor cerimônia seus diplomas do curso de ignorância superior.
(Wilson Lemos – E-mail: wfelemos@terra.com.br)
Há quem diga ser o nosso um idioma difícil e que somente uns poucos iluminados conseguem dominar. Infelizmente, não sou um deles. Pertenço à numerosa família dos analfabetizados e em meu ofício de escriba provinciano tenho tido alguns atritos com o portugês.
Trabalhador braçal das letras, nem sempre trato com o devido cuidado a língua de Camões. Não nego que muitas vezes tenho maltratado a “última flor do Lácio inculta e bela”. Meus pobres conhecimentos do vernáculo me têm levado a ofendê-la com os meus freqüentes erros de grafia, vexames semânticos, tropeços de concordância e outros deslizes gramaticais. Por isso, não vou esconder que ao longo desses anos o nosso relacionamento não tem sido dos mais amistosos...
Para começo de conversa, não consigo conviver pacificamente com sua protetora – a gramática. Vivemos sempre às turras. Eu a ofendo com meus erros e ela, em represália, me agride com suas regras que são muitas e implacáveis. Tenho certeza de que inventou a vírgula e a tal da crase para me humilhar. E quanto aos verbos com seus tempos e vozes, sempre às turras com o sujeito? Ah, uma coisa de louco, como diria o mestre Ratinho.
Temos verbos para tudo quanto é gosto: regulares, irregulares, transitivos, intransitivos, pronominais, abundantes, muitos deles de difícil conjugação. E quando se trata de verbos, o que menos falta para eles é tempo. Além dos manjados presente, passado e futuro, temos ainda os tais pretéritos: imperfeito, perfeito, mais-que-perfeito, o futuro do presente, o futuro do pretérito, e outros tempos cada um mais chato e metido a besta do que o outro.
É difícil – para não dizer impossível, transitar com desenvoltura e segurança pelos meandros da língua. A cada passo, uma pedra no caminho, uma curva, uma cilada; um terreno escorregadio a nos dificultar a caminhada, a nos expor ao vexame de tropeções os mais humilhantes. Entretanto, diga-se a bem da verdade, que os atentados contra o vernáculo não decorrem exclusivamente das dificuldades da língua, mas também, e principalmente, da santa ignorância ou burrice dos “analfabetizados” como eu que não a dominam, mas não param de agredi-la.
Além dos que mordem e desfiguram a língua portuguesa falada e escrita, torturando-a com seus erros de pronúncia e grafia, há os que a enxovalham com a criação de vocábulos ridículos que enriquecem nosso besteirol. Vejam o que fizeram utilizando a palavra grega ódromo, que significa lugar de corrida: no rastro de hipódromo – lugar de corrida de cavalos e autódromo – lugar de corrida de carros, inventaram sambódromo (lugar de corrida de samba), camelódromo (lugar de corrida de camelôs) e o tal de fumódromo (lugar de corrida de fumantes). Invenções mais que inúteis: samba não corre, é cantado e dançado; os camelôs têm as ruas, por onde correm fugindo da polícia e os fumantes não correm nem dos males que o fumo provoca. Por isso, para esses empreiteiros de tantos “ódromos”, sugiro a construção de um grande burródromo.
Difícil não se cometer erros quando lidamos com a língua, seja falada ou escrita. Mas, a turma dos analfabetizados exagera na dose. Escrevendo ou falando, esse pessoal não pára de morder a coitada. É comum se ler e ouvir degladiar em vez de digladiar, rúbrica em lugar de rubrica, acróbata em lugar de acrobata e ávaro em vez de avaro. Sem esquecer as trocas: gratuita por gratuíta, fluido por fluído e ínterim por interim. Nada escapa à sanha dos mordedores da língua, que impunemente agridem a gramática atropelando regras e exibem sem a menor cerimônia seus diplomas do curso de ignorância superior.
(Wilson Lemos – E-mail: wfelemos@terra.com.br)
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/313900/visualizar/
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