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Politica Brasil
Sábado - 22 de Maio de 2004 às 16:23
Por: Vitor Gomes Pinto

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A maior democracia do mundo mudou seus rumos políticos, numa inesperada reversão das expectativas que cercaram as megaeleições nacionais realizadas ao longo de vinte dias a fim de dar oportunidade de voto a 650 milhões de eleitores em toda a Índia (compareceram 380 milhões, um recorde desde a independência em 1947). Foram cinco etapas eleitorais e a rapidez da apuração – apenas 12 horas – se deve à utilização pela primeira vez em escala geral de urnas eletrônicas que com freqüência foram levadas a longínquos distritos, cuidadosamente, em dorso de elefantes.

Num país de pouco mais de um bilhão de habitantes (deve chegar a 1,5 bi em 2.050), que cresce o equivalente a um Japão a cada década, o que lhe dá 16% da população mundial em 2,4% da superfície da terra, os eleitores mais pobres abandonaram o Bharatiya Janata Party (BJP) negando-se a reeleger o atual primeiro-ministro Atal Vajpayee apesar de seus mais retumbantes sucessos: um crescimento econômico sustentado de 8% ao ano (só inferior ao da China) e uma aparentemente sólida reaproximação com o Paquistão de Pervez Muaharaf que oferece as melhores chances de paz das últimas cinco décadas. Aos caciques do BJP, estes pareceram ser motivos suficientes para antecipar em 6 meses as eleições gerais, certos de repetirem as vitórias obtidas em 1994 e 1999.

Vajpayee, com o slogan “A Índia que brilha”, foi incapaz de convencer a massa da população rural (cerca de 60% de todos os indianos) e aos excluídos das periferias urbanas de que a recuperação e o progresso econômico chegaria a eles. Cansados de esperar que o bolo crescesse para só então abocanharem alguma fatia, os votantes dentre os mais de 300 milhões que sobrevivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 1 libra por dia, decidiram mudar tudo e trouxeram de volta o Partido do Congresso (CP), apoiando sua campanha que apostou na Índia tradicional. “Foi um veredicto contra a globalização e agora o próximo governo terá de pensar em como empregar mais mãos do que máquinas” declarou ao The Guardian o parlamentar e cronista político Kuldip Nayar.

O poder segue dividido e dependente de coalisões. O Partido do Congresso alcançou 40% das cadeiras nas Câmaras Alta e Baixa, contra 35% do BJP e 25% de outras 53 agremiações políticas (só 5 nacionais). Os comunistas e aliados de esquerda, que apóiam o CP e devem dar-lhe a base ideológica inicial obtiveram 9% dos mandatos.

Sonia Gandhi, presidente do CP, italiana que é, posou para o mundo, como vitoriosa, numa longa túnica romana, antes de decepcionar seus seguidores ao renunciar à indicação para primeira-ministra, o posto número um da hierarquia política indiana. Aos 57 anos e nascida em Turim ela é a viúva de Rajiv Gandhi, o que lhe deu a nacionalidade indiana e a tornou membro do clã Nehru-Gandhi.

Jawaharlal Nehru, discípulo direto de Mahatma Gandhi, embora sem adotar sua teoria pacifista, liderou a Índia desde a libertação do jugo inglês até 1964 quando faleceu sendo substituído pela filha única Indira que nasceu Prinadashini Nehru mas depois tornou-se Gandhi ao casar com um político chamado Feroze Gandhi, por sinal também sem qualquer parentesco com o Mahatma. Mas Indira cresceu sob os ensinamentos de Rabindanath Tagore, um dos maiores poetas e escritores indianos, governando com mão firme e reconhecimento internacional de 66 a 77 e de 80 a 84, quando foi assassinada. Substituiu-a o filho Rajiv, igualmente assassinado em 1991. Então Sonia afastou-se da política para cuidar dos dois filhos até que o Partido, derrotado e sem alternativas, chamou-a de volta para lidera-lo. Perdeu duas eleições mas agora reconduziu seu partido ao poder.

“Disseram que ela é estrangeira mas o povo deu-lhes a resposta” declarou uma militante, referindo-se à campanha difamatória do PJP. Sonia desistiu (o partido já decidira que ela seria a 1a. Ministra) devido a quatro fatores. Primeiro, achou que não conseguiria superar a resistência dos nacionalistas e conservadores (num país onde a tradição vale) pois, afinal, é mulher e não nasceu no país, falando um hindi correto mas com forte sotaque italiano. Segundo, não superou o medo do próprio assassinato (a saga familiar a tornaria um alvo certo dos radicais). Terceiro, considerou que teria sérias dificuldades para não reiniciar a guerra contra o Paquistão e alcançar o desarme nuclear e, por último, não teria o cacife político e a força pessoal necessários para manter o incrível “boom” econômico e ao mesmo tempo incorporar ao crescimento os mais pobres (esta fórmula ainda não foi encontrada e fracassou de novo nos laboratórios do atual governo brasileiro).

Embora um filho seu tenha sido eleito deputado, este poderá ser um golpe mortal na dinastia Nehru-Gandhi: para desonra de seus seguidores é a primeira vez que um membro do clã se nega a assumir suas responsabilidades. Indicou para o cargo o economista Manmohan Singh, um ex-presidente do Banco Central e ex-ministro das Finanças que não tem carisma e pertence à religião Sikh, uma minoria (2% dos indianos) cujos seguidores radicais foram responsáveis, entre muitos atentados e crimes, pela morte de Indira.

Mesmo assim, a Índia e todo o mundo em desenvolvimento esperam que ele tenha sucesso, apontando uma saída para os que, como o Brasil, permanecem presos na armadilha do modelo de dependência que glorifica a globalização econômica.

Vitor Gomes Pinto Escritor, analista internacional vitor.gp@persocom.com.br




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